Cortiço no Centro de Santos |
Gabriela Paniago e Isadora Moraes (texto e fotos)*
Os casarões que antes abrigavam a elite da cidade de Santos, no litoral de SP, atualmente dão lugar aos cortiços. Cerca de 16 mil pessoas se espremem neste modelo de habitação. Cada quarto abriga uma família que, na maioria das vezes, divide um só banheiro com outras pessoas.
Um projeto de construção de moradias de mais qualidade está sendo realizado em um terreno doado pela União, situado na Rua General Câmara, na região mais pobre do município. É um mutirão idealizado inicialmente pela Associação dos Cortiços do Centro (ACC), que hoje tem auxílio financeiro por parte do Governo e da Caixa Econômica Federal.
A ex-presidente da associação Samara Faustino contou que foi um processo longo até que o plano saísse do papel. “O CNPJ estava para ser cancelado. Se não tivessem corrido atrás teria acontecido”. O projeto começou a dar certo depois de várias audiências públicas e fóruns, onde os integrantes da entidade aprenderam a planejar, manejar e lidar com a burocracia de uma obra deste porte.
A obra se arrastou durante meses |
Quem trabalha mais, escolhe primeiro
Todos trabalham na construção dos prédios de alguma forma. Existe um sistema de pontuação. A participação conta pontos. Quem tiver mais pontos, escolhe primeiro os apartamentos.
Jackson Nunes, que trabalha na condução do projeto, explica que – em 2013 - a associação contratou uma nova assessoria, obteve novo laudo técnico e captou mais recursos. “O orçamento é de 2007. De lá pra cá, o dinheiro não foi recalculado”.
Segundo ele, o próximo passo é obter o dinheiro com a Prefeitura e que tudo depende do laudo para ter uma previsão de término. “Quando a gente foi construir, conhecemos outros projetos em São Paulo, outros movimentos de moradias para construir em Santos.”
O projeto vai além das moradias e inclui cultura e saúde. Os participantes fazem aulas de dança e recebem palestras sobre tuberculose. Aqui, um parênteses: a região onde ficam os cortiços tem os piores índices de tuberculose do litoral de SP. Um dos motivos é a insalubridade das moradias. A maior parte dos pacientes abandona o tratamento, que dura, no mínimo, seis meses.
O projeto cultural também envolve a Biblioteca Comunitária. ”Engajando todo mundo, isso motiva as pessoas. As pessoas começam a ficar mais antenadas em coisas que antes não conheciam”, explica Jackson.
Banheiro e privacidade
Gladsnay Faustino, de 24 anos, é filha de Samara e agora ocupa o cargo de presidente da ACC. Segurando seu bebê, Bernardo, ela conta que a vida vai mudar completamente quando eles se mudarem para as novas edificações. “Não ter que dividir o banheiro, cada um ter sua privacidade. Já é uma mudança e tanto”.
A comunidade tem uma padaria comunitária. Jô, de 64 anos, trabalha voluntariamente, com a carga horária de 8 horas por dia. Ela diz que o lugar foi cedido pela Libra Terminais. O dinheiro das vendas é revertido para a própria padaria e que todo o maquinário foi doado.
Maria Selma Cabral Rodrigues, que cuida de idosos, diz que está aqui por conta de um sonho. “Muito complicado... qualquer coisa que você queira, tem que insistir e não desistir. Somos um só coração.” Ela também afirma que “o cortiço é harmonioso. Um cuida do outro, coisas como se fossem de família. Perde privacidade, mas as pessoas nunca estão sós”.
Obs.: A segunda parte desta reportagem, sobre o cotidiano dos cortiços, será publicada na segunda-feira, dia 20. Esta é a sexta matéria da série "Os Indesejados", projeto conduzido por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos (Unisantos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário