terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Crack e o vício eleitoral




Em ano eleitoral, tudo se pode. Tudo se aceita. Tudo se fala. O destino dos viciados em crack na cidade de São Paulo virou campanha eleitoral camuflada. Parece um jogo de batalha naval, com a diferença que as peças representam vidas humanas, inclusive as que afundam.

Analisar a questão da perspectiva Fla-Flu, ou PT-PSDB, é mais do que ressuscitar velhos maniqueísmos político-partidários. De saída, afronta a inteligência, simplifica um problema demasiado complexo e desvia os holofotes de um quadro social bem mais profundo do que tirar um cachimbo das mãos de um viciado ou simplesmente atirá-lo numa jaula.

Tanto a Prefeitura de São Paulo como o Governo do Estado deveriam dialogar para combater um dos mais graves cenários urbanos do país. Uma epidemia que dispensa classes sociais, endereços e, acima de tudo, preferências de voto. Crack não é droga apenas de pobre, muito menos de vagabundo! E, cá entre nós, a experiência cotidiana nos mostra que os dois partidos são quase gêmeos, de mesmo idioma.

Ambos transformaram a tragédia de milhares de vidas em política rasteira, baixa, tão suja como as roupas de um viciado de moradia ao ar livre, na cracolândia de São Paulo. A polícia de Alckmin, como dizem os adversários dele, manda bater e prender, misturando sem critério usuários e traficantes.

A Corregedoria da Polícia Civil investiga denúncias de que dois policiais comandam o tráfico na região. Um deles seria do Denarc, justamente o departamento responsável por coibir o comércio de drogas.

A partir da ação desastrosa na cracolândia, nasce o segundo passo da baboseira político-eleitoral. O jogo de empurra entre as chamadas autoridades, aqueles sujeitos que deveriam colocar a mão na massa para reduzir o cenário de ruínas de guerra. A briguinha retira o foco sobre a ação da Prefeitura, que visa assegurar empregabilidade aos viciados, para se debater se foram balas de borracha ou bombas de efeito moral, como se ambas não fossem violência.

A ação da polícia na cracolândia também acendeu os gritos de que o Governo do Estado pretendia jogar água fria no trabalho da Prefeitura. Tanto pode ser outro escorregão da Polícia, por falta de diálogo com outras áreas, como uma tática política de fato. Nessa hora, prevalecem, infelizmente, a especulação e a aparência retórica sobre a apuração detalhada dos fatos.

Se considerarmos que se trata de um movimento no xadrez eleitoral, ocupar a cracolândia com sirenes e viaturas seria estupidez ou falta de memória. Até porque o próprio Governo do Estado é pai do projeto Recomeçar, que visa encaminhar usuários de crack para tratamento. O paciente recebe R$ 1350 mensais, repassados às clínicas credenciadas. O projeto foi apelidado pela imprensa, e espalhado como fofoca pelos adversários, de Bolsa-Crack.

O crack não representa somente um problema de segurança pública. Antes de tudo, merece a atenção como doença, como caso de saúde. Independentemente do fundo religioso, as clínicas têm feito boa parte do trabalho que os poderes institucionalizados não conseguem fazer.

Cidades como Nova Iorque reduziram o consumo e venda de crack com tolerância zero. Há usuários condenados a 25 anos de cadeia. Mas não apagou o tráfico de drogas, sempre conectado aos altos escalões. Aliás, quem ouve os discursos de políticos americanos e acompanha as mudanças de legislação percebe que os Estados Unidos já reconheceram que a política de repressão das últimas três décadas falhou por completo.

O crack deve ser tratado como um problema político. Como política pública, e não política eleitoral. Enquanto os engravatados virarem as costas para uma epidemia além da cracolândia, sobreviverá a visão de limpeza social, que mistura ignorância, preconceito e intolerância. Nada como um olhar retrógrado conforme a urna eletrônica e os votos se desenham no horizonte.

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