sexta-feira, 28 de junho de 2013

O mau pagador de promessas

A beleza do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT)

Quando Geraldo Alckmin e Fernando Haddad anunciaram o retorno da passagem de ônibus a R$ 3 na capital, ambos usaram – quase um coral – a palavra sacrifício. Só faltou se abraçarem, apesar de que a jura de amor aconteceu nos discursos, quase sempre afinados nas últimas duas semanas, desde que começaram os protestos em São Paulo. 

Se é possível dizer que os dois demoraram a entender o que se passava em seus territórios, também é cristalino perceber que o governador saiu tão queimado das manifestações como os ônibus atacados por uma minoria. Aliás, este grupo pequeno pode ser chamado de vândalo, e não a grande massa de pessoas, desqualificadas pelo Governo como cidadãs e reintituladas baderneiras na semana passada, com apoio de parte da imprensa servil.

Alckmin, como todo governante, desmereceu o grito da população para depois sussurrar a contraordem diante de um cenário político desfavorável. De cara, mandou a polícia descer o porrete nos manifestantes, relembrando os anos de chumbo. Uma das diferenças eram as balas de borracha, que também podem matar, deveria saber o médico que administra o Estado.

Diante dos cassetetes da política, Alckmin recuou e pediu que a polícia apenas observasse o que se passava nas ruas. De fato, o governador pagou para ver e talvez sinta o preço de sua aposta equivocada daqui a 15 meses, quando tentará a reeleição.

O auge da soberba de Geraldo Alckmin aconteceu na quinta-feira retrasada, quando Santos se transformou em capital das promessas por conta das comemorações do aniversário de José Bonifácio. O governador não só fez uma lista de juramentos como também tentou ignorar o barril de pólvora que se transformava a capital paulista.

Entre as promessas, a construção de Unidade Básica de Saúde em Santos, de um Centro de Referência ao Idoso na mesma cidade, a instalação de uma unidade do Bom Prato em Vicente de Carvalho e a construção de um Posto de Atendimento ao Trabalhador em São Vicente. No caso do PAT, a obra começaria somente em 2015, quando talvez o governador seja outro sujeito. O repórter Alessio Venturelli, de A Tribuna, procurou todas as Prefeituras correspondentes, além do próprio Governo do Estado. Não há algo concreto, entre projetos, custos e prazos de entrega das obras.

No Twitter, rede social bastante utilizada por Alckmin e sua equipe, nenhuma palavra sobre o que acontecia em São Paulo. Apenas a divulgação das promessas de obras na Baixada Santista. Na última mensagem antes do boa noite, os cumprimentos pelo aniversário da cidade de Guaratinguetá, enquanto os PMs cumprimentavam jovens com suas bombas de efeito para quem julgam imorais.

A promessa pirotécnica ocorreu em 29 de maio. Geraldo Alckmin esteve em Santos para dar início às obras do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), moeda de troca na política local há quase 20 anos. Com toda pompa, circunstância e puxa-sacos, o governador deu o primeiro toque de maquiagem. Desde então, as obras oscilam entre a paralisação e o ato de rastejar na avenida Conselheiro Nébias. Basta passar lá e testemunhar o segurança que toma conta dos equipamentos.

As obras fantasmas do VLT não deveriam deixar ninguém de queixo caído. É de praxe o atraso de obras públicas, não importa a cor do partido do governante. Mas, no caso das lideranças do PSDB, há uma nota de rodapé marcada pelo patético. Em março de 2010, o então candidato à presidência da República, José Serra, veio a Santos inaugurar a maquete da ponte entre Santos e Guarujá.

Um ano depois, o próprio Alckmin pediu reestudo do projeto, sinônimo da gaveta do esquecimento. Depois de enterrar a ideia, a maquete foi para o lixo. Qual seria a diferença entre inaugurar uma maquete e uma obra que se arrasta? A prática mostra um rosário de semelhanças e de promessas.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O efeito colateral



O deputado federal Marco Feliciano é muito bom no que faz. Ele não só resiste há quase quatro meses à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, como também mostra que sabe como poucos navegar nos intestinos da política do Congresso Nacional. E sem sujar os cabelos artificialmente alisados.

Marco Feliciano sempre foi um parlamentar de baixo clero e reage às provocações como anão de jardim, nas sombras, mordendo o osso no descanso dos cachorros grandes. O deputado paulista nunca se envolveu em questões centrais da política e da economia, assuntos que dominam as conversas entre os leões do Poder Legislativo. Sobraram para ele pautas sociais e culturais, essenciais para a sociedade brasileira em seu cotidiano, mas desimportantes e ignoradas pela Casa.

Feliciano entende com clareza as regras do purgatório. Ele não está na presidência da Comissão por seus méritos, e sim pelo que e a quem representa, para rezar um verbo da moda. O deputado pertence a um partido nanico, PSC, irrelevante para as decisões centrais da macropolítica, mas que compõe a horda de legendas sanguessugas que gravitam em torno do PT ou de quem estiver sentado na cadeira do Palácio do Planalto.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, infelizmente, é moeda de troca, de baixo valor no mercado das alianças. Tanto que o Partido dos Trabalhadores, tradicional controlador da comissão, abriu mão dela para um partido inexpressivo, ávido por mergulhar no pequeno poder. Os deputados, na prática, pouco se envolvem em assuntos das chamadas minorias. Uns preferem flutuar com a maré da pauta principal. Outros sequer sabem que tais problemas sociais existem.

Marco Feliciano pode ser homofóbico, intolerante e racista, mas não é um idiota. O parlamentar paulista cresceu dentro de um arco religioso tão grande quanto diverso, principalmente na região de Orlândia e Presidente Prudente, no interior de São Paulo. Nada mais distante da grande imprensa paulista, sempre focada no próprio umbigo – em outras palavras, na política da capital – e que o desconhecia até que os estragos estivessem em curso.

Pastor, conferencista e empresário, como se apresenta no site da Câmara, Feliciano teve 212 mil votos. Foi o deputado mais votado da bancada da Bíblia e o 12º dos 70 parlamentares por São Paulo. Esses números também indicam como ele tem noção exata de onde se encontra nos intestinos dos acordos políticos.

Marco Feliciano está lá porque representa, sim, muita gente. E que são cúmplices, co-responsáveis pelas sandices em uma comissão que deveria merecer mais holofotes pela relevância de sua agenda.

A esperteza do presidente da Comissão ficou clara com a aprovação do projeto que autoriza psicólogos a tratarem a homossexualidade; no rótulo, a “cura gay”. Feliciano aproveitou mais uma brecha nas lacunas da fiscalização do poder. O cochilo e o cansaço habituais de quem acompanha tantas ações ao mesmo tempo no parlamento brasileiro.

A “cura gay” passou na Comissão de Direitos Humanos e Minorias no vácuo entre bandeiras, gritos de guerra e outros movimentos dos protestos pelo país. Uma piscadela para o lado e ele deu o bote, mesmo sabendo que a proposta não seguirá adiante. Ainda faltam duas comissões, uma delas onde o deputado é mero figurante, a de Comissão e Justiça, para que a “cura gay” alcance o plenário.

Independentemente disso, Marco Feliciano já acariciou seu curral eleitoral e religioso, contou com o silêncio dos colegas de bancada da Bíblia e, na prática, ganhou o respeito e a conivência de parte da sociedade. De fato, muitas pessoas ainda compreendem a opção sexual como doença e/ou como desvio de caráter, passível de consertos comportamentais, do uso da prostituta à surra e – quem sabe? – terapia, internação e medicamentos.

As pressões populares, provavelmente, provocarão a morte por inanição do projeto da “cura gay”. O assunto voltou à vitrine dentro do pacote de protestos nas ruas, para tristeza de quem usa o registro no Conselho Federal de Psicologia para exercitar o preconceito e o desprezo pelo outro dentro de um consultório.

Mas não podemos incorrer no pecado da soberba: Marco Feliciano e a turma que abusa da fé em benefício próprio mal começaram a operar seus milagres. Eles são bons no que fazem.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Oportunidade passageira


O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou nesta segunda-feira que não haverá aumento nos pedágios das rodovias estaduais. Imagine mais caro do que já é, R$ 21,20 por 70 quilômetros de estrada, no sistema Anchieta-Imigrantes? 

Alckmin cancelou também o reajuste na travessia de balsas entre Santos e Guarujá. Os contratos preveem aumento das tarifas todos os anos, sempre em 1º de julho, a partir da inflação. Este ano, o reajuste seria de aproximadamente 6,5%.

Alckmin negou que a medida tivesse caráter populista e que fazia parte de estudos, que incluem a revisão dos contratos. A declaração soou como piada pronta diante do óbvio: os protestos que paralisaram diversas rodovias nos últimos dias. Na política, como os políticos estão carecas de saber, com o perdão do trocadilho ao governador, não existem coincidências. Existem oportunidades. Ou oportunismo, dependendo do ângulo de cá de análise.

A Baixada Santista também seguiu o mesmo caminho do morde e assopra. Santos congelou as passagens até março de 2014, salvo algum acontecimento extraordinário. A expressão é tão vaga quanto à crença de que não há relação com as manifestações na cidade.

Peruíbe e Bertioga também mantiveram as tarifas em R$ 2,20 e R$ 2,80, respectivamente. Praia Grande reduziu a tarifa para R$ 2,90, que chegou a R$ 3,20 em março. Guarujá, para R$ 2,80. Antes, custava R$ 2,90.

Cubatão, onde aconteceram violentos protestos na semana passada, estuda revisar o valor da tarifa de R$ 3,10. Aliás, mais cara do que em São Paulo, município um bocadinho maior, como diria a ironia dos mineiros.

Itanhaém também fala em revisão. Hoje, a tarifa custa R$ 2,70. As Prefeitura de São Vicente e Mongaguá ainda não se manifestaram.

Das semelhanças entre as cidades da região, a primeira é a retórica dos prefeitos, que repetem o mantra de que precisam estudar as planilhas de custos, documentos tão confidenciais quanto a papelada anti-terror do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. É uma caixa preta.

A outra ideia é que investimentos serão sacrificados, para usar as palavras de Alckmin e do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Sacrifício? Mais ainda, diante de um serviço ruim e desrespeitoso ao cidadão. E quais investimentos seriam estes?

As respostas da classe política me levam a pensar em dois pontos fundamentais. O primeiro é que ninguém abriu a boca para falar nas linhas intermunicipais, que sofreram aumento recentemente. Cobrar de quem? É fundamental pressionar a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), responsável pela regulação do setor.

As tarifas de ônibus intermunicipais são de responsabilidade do Governo do Estado. Novamente, voltamos à figura do governador, que se mantém em silêncio sobre o assunto, inclusive quando veio brincar de capital do Estado em Santos, enquanto o couro comia solto na capital de fato. A lógica recente indica que é preciso ocupar as ruas para que Alckmin saia da inércia.

Boa parte dos moradores da região necessita de ônibus intermunicipais, cujas linhas em Santos, São Vicente, Cubatão e Praia Grande estão nas mãos da Viação Piracicabana. Até agora, a companhia se manteve muda. Só se mexeu quando houve incêndios e protestos. O que fez? Tirou a frota das ruas em São Vicente e Cubatão. A EMTU, onde estava?

Além disso, os políticos adoram encher a boca para falar em Região Metropolitana da Baixada Santista. O termo é gasto ao extremo em eventos e outras reuniões que nunca resultam em ações públicas. Os prefeitos se revezam no Conselho de Desenvolvimento, aos olhos da Agência Metropolitana, tão insossa quanto às reuniões entre os administradores municipais, que discursam em conjunto e trabalham somente no próprio quintal.

Um exemplo da lentidão reflexiva da classe política é Santos. O prefeito Paulo Alexandre Barbosa anunciou, como ato reflexo, a criação de um Comitê para discutir o transporte público. Historicamente, comitês servem para agendar comissões, que marcam outras reuniões. Tais encontros resultam no agendamento de mais reuniões.

A ciranda é previsível, diante da postura dos administradores municipais, que não tiram as vistas do termômetro político e, assim, pautam seus passos. Depois, fazem cara de espanto, mordem os lábios e dizem não entender o que acontece nas ruas.

Observação: A EMTU anunciou na tarde desta segunda-feira que vai reduzir o valor da passagem nas linhas intermunicipais no Grande ABC (R$ 0,20) e na Baixada Santista (R$ 0,15). As novas tarifas começam a valer em julho.  

sábado, 22 de junho de 2013

Tempo de desconfiar



Depois de duas semanas, os protestos em todo o país só podem nos indicar duas certezas. A primeira delas é que os políticos recuaram – ou sentiram o cheiro da oportunidade – e reduziram as tarifas de ônibus em dezenas de cidades brasileiras.

A segunda certeza aponta que as manifestações atraíram diversos grupos, muitos deles dispostos a embarcar no trem e tomar para si a paternidade de uma criança que, acima de tudo, nasceu de inseminação coletiva.

Fora isso, é fundamental desconfiarmos dos próximos capítulos de uma história em construção. Precisamos duvidar, acima de tudo, dos governantes e de suas ações. O exemplo começa pelo topo da cadeia predatória, na Presidência da República. Dilma Rousseff consultou o marqueteiro responsável pela campanha dela. Nada mais sintomático do que pensar, palavra por palavra, em mecanismos para evitar maiores arranhões no produto; aliás, Governo e sua candidata.

Devemos duvidar do discurso de Dilma, que requenta velhos trololós quando o assunto é reforma política e apoio aos protestos pelo país. Como esperar alterações sem que as alianças que sustentam o governo no Congresso Nacional sejam rompidas? Como acreditar em modificações substanciais no sistema político de tomaladacá, se dois partidos – PT e PSDB -, mais o volúvel PMDB estão atolados até a alma em acordos de governança e distribuição de cargos?

A presidente cozinhou pautas gastas como os royalties do petróleo para a educação. O Governo Federal ignorou solenemente as propostas que surgiram no Poder Legislativo. Por que resolveu discutir somente agora um plano de mobilidade urbana? Tivemos seis anos para isso por conta da Copa do Mundo e nada foi feito.

Com que desfaçatez falar em transparência de gastos públicos se somos bombardeados todas as semanas com a farra das obras do Mundial de Futebol? O custo do Estádio Mané Garrincha, por exemplo, passou de R$ 1,7 bilhão, numa cidade que mal tem um campeonato profissional. O anjo de pernas tortas, se soubesse, talvez driblasse tal homenagem.

Como acreditar em transparência quando o Gabinete de Dilma proíbe a divulgação dos gastos nas viagens presidenciais?

Precisamos colocar em xeque as razões que levam a imprensa e outras instituições e movimentos a apoiar as manifestações pelo país. No próximo ano, teremos as eleições e não devemos nos esquecer que cada passo é calculado com os olhos vidrados em outubro de 2014.

Vi, por exemplo, na minha cidade, Santos, a Prefeitura anunciar congelamento da tarifa em R$ 2,90. Inicialmente, não havia prazo definido. Depois, a informação é que o preço será mantido até março de 2014, salvo mudanças bruscas, seja lá o que signifique tal expressão.

Aproveitando a ocasião, o presidente da CET, Antônio Carlos Gonçalves, fez questão de salientar uma lista de melhorias recentes no transporte coletivo, como Internet e ar-condicionado em alguns coletivos.

É claro que o presidente da empresa, há 16 anos e meio no Governo, não colocou em discussão o monopólio da companhia de transporte, mais a falta de pontualidade, o excesso de trabalho dos motoristas e a medida controversa que proíbe o uso de dinheiro nos veículos.

Na Câmara Municipal, os vereadores resolveram criar uma Comissão Especial para investigar o transporte coletivo. Na semana passada, alguns dos parlamentares, além de tentar esvaziar a comissão, diziam que os protestos não cabiam na cidade porque não houve aumento nas linhas municipais.

Agora, os vereadores – poucos, na verdade - resolveram acompanhar de perto nas ruas. Será que entenderam o que se passava? Ou fingiram entender de olho em mais uma oportunidade? As CEVs, como são chamadas por aqui, chegam a cem em um único ano, inclusive com sobreposição de temas. Os resultados beiram a inércia, salvo uma ou outra exceção.

É a hora de se desconfiar de quem defende a ausência absoluta de partidos políticos neste processo histórico. Associar-se a partidos faz parte dos direitos humanos. Precisamos, de fato, reformulá-los, sacudir um modelo que permite mais de 30 siglas, quase todas em prol de uma minoria sanguessuga que se sustenta pela costura de alianças, pela articulação de conchavos (aliás, articular é o verbo perfeito quando não querem solucionar coisa alguma).

Os partidos indicariam, em tese, uma visão pluralista de qualquer cenário. A ausência deles nos conduziria a um olhar totalitário, de pensamento único diante do processo político. A História do século XX está recheada de exemplos, nos dois extremos. É claro que os partidos brasileiros pouco se importam com o pensamento alheio e, por isso, devem se cobrados com veemência.

Precisamos colocar os dois pés atrás com aqueles que defendem de maneira unilateral a violência. Parece-me um ato de egoísmo, de quem vira as costas para a coletividade e suas reflexões de mudança. No fundo, representam a torcida pelo caos e pelo insucesso dos governos atuais, em parte babando pelo desejo de ocupar a vaga.

A destruição de patrimônio público, incluindo serviços de transporte coletivo, soa como estupidez pelo simples fato de prejudicar justamente quem mais necessita deles no dia seguinte. E muitos destes necessitados são tratados como gado, que sonham pelo consumo e se alimentam pelas migalhas de políticas sociais com prazo de validade de quatro anos.

Os vândalos realmente acreditam que a classe política utiliza serviços públicos e o quebra-quebra serve para puni-la? Ou representa a visão ingênua de que o público é de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém?

Não devemos engolir com facilidade certos slogans de origem publicitária. Francamente, o gigante não acordou. No máximo, abriu os olhos, mas ainda segue entubado, necessitado de injeções cavalares e contínuas de cidadania para se levantar. Ou, no mínimo, sentar-se na cama. O tratamento é longo, diante de uma enfermidade que o acometeu por cinco séculos, salvo alguns instantes de lucidez, o último deles há 21 anos.

É fundamental desconfiar de quem pensa que o movimento acabou. O segundo passo é essencial, a construção de uma pauta de reivindicações, baseada numa espinha dorsal nacional. Nacional, e não nacionalista.

Cada localidade necessita definir o que deseja de seus governantes. Os movimentos organizados devem crescer, envolver as instituições e canalizar ideias para, principalmente, definir uma agenda de cobranças públicas. No microcosmo, aparentemente é mais fácil. 

A pressão não deve cessar. A batalha mal começou. Ficou mais do que provado, com um milhão de pessoas nas ruas, que a classe política sempre soube o que deveria ser feito, mas só se mexe quando a seringa se aproxima de suas veias. Ou da urna, seja a anatômica, seja a eleitoral?

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os cínicos e os violentos


Os protestos contra o aumento nas tarifas de ônibus, em várias capitais brasileiras, são sintomáticos. Servem, acima de tudo, para delinear qual o papel e o limite de cada personagem envolvido no episódio. E reforçam nossa incapacidade de lidar com o processo democrático, quando ressuscitam – via saudade – comportamentos que deveriam estar presentes nos livros sobre a ditadura militar. 

Assim como as greves, manifestações públicas são direito dos cidadãos. Ninguém deve fazer apologia à violência, mas não me parece ser o caso a discutir neste espaço. Os atos violentos escondem, na verdade, as posições de quem adoraria ver o estado de coisas em posição de repouso, adormecido, destinando e assegurando privilégios a quem se considera um degrau acima.

Demorou mais de dois anos, mas assistimos à prova viva e contundente de que a Internet pode colocar na vitrine questões públicas que diversas instituições – inclusive parte da mídia – se esforçaram para calar. O bolso teve que sentir a dor para que muitos se mobilizassem. Embora seja apenas o gatilho, vinte centavos pesam bastante no orçamento de quem conta as moedas para a próxima refeição.

Enquanto os debates virtuais passeavam por assuntos falsamente distantes, como corrupção e meio ambiente, foi possível testemunhar o predomínio dos ativistas de sofá, que prometem aderir a todas as causas, mas não se comprometem sequer a gritar pela janela da sala.

O aumento das passagens de ônibus bateu na porta de muita gente, com ou sem poder de decisão. Os protestos esgarçaram os limites entre a tolerância e a passividade diante de um serviço ruim, nada fiscalizado e caro demais. É preciso reclamar contra um serviço que deveria apresentar o mínimo de qualidade diante de impostos elevados; aliás, cobrados com pontualidade.

O transporte público é mais um elemento de desrespeito às pessoas, que se espremem como gado em coletivos velhos, sacolejantes, conduzidos por motoristas exaustos em jornadas semiescravas.

Os protestos tinham a função de colocar na mesa uma agenda pública em torno dos sistemas de transporte coletivo. Nesta semana, se depender de boa parte da imprensa, perderemos mais uma oportunidade.

Assisti a horas de noticiário, li mais de 20 reportagens em jornais e vejo o quanto os jornalistas podem ser cínicos. Enquanto fingiam ser somente testemunhas, os jornalistas usavam sua muleta da sorte: os rótulos. Os manifestantes eram apenas vândalos que não mereciam voz. Os policiais vestiam a armadura da contenção dos rebeldes sem causa.

É triste ver como os cínicos enterram o próprio passado quando engordam de vaidade. Quando os jornalistas se assumiram personagens pelas bombas da polícia, o espírito de corpo gritou nas redações. Os manifestantes ganharam uma causa. Os policiais viraram truculentos mal preparados. Os políticos correram para dizer que o teatro das investigações estava em cena.

Em ambos os cenários, imprensa e governo – deste não se espera tal atitude - não pensaram em discutir a situação do transporte coletivo. Em São Paulo, o Governo do Estado apenas confirmou o reajuste, com a coerência de sempre na área do transporte. Os pedágios que o digam!

A lição, por vezes, costuma aparecer no passado e merece adaptação ao presente. Nos anos 50, no sul dos Estados Unidos, os negros eram maioria nos ônibus. Eram humilhados por conta da segregação racial. A situação só melhorou quando, a partir de uma mulher chamada Rosa Parks, os negros se recusaram a tomar ônibus. Preferiam andar a pé.

Após 381 dias, as empresas de ônibus cederam, diante dos prejuízos financeiros. É claro que o contexto é outro, mas quando se fala em humilhação diária, talvez seja a hora de pensar numa forma de cobrar por um serviço melhor, recusando-se a comprá-lo ou mexendo nos bolsos das companhias.

Obs.: Texto publicado originalmente nos sites Boqnews e Jornalirismo.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

À procura da rima perfeita

Nos gritos populares, o olhar de um país em poesia, seja serena ou marcada pela dureza.

"Que coincidência: não tem polícia, não tem violência"

"Ih, fodeu! O povo apareceu"

"Ei, perua, saiu do shopping e vem pra rua" (neste caso, em frente ao Shopping Iguatemi, em São Paulo, onde um grupo de mulheres organizava um protesto em recinto fechado, autointitulado de 'manifestação prime')

"Abaixa a tarifa! Põe na conta da Fifa!"

Ô, motorista, ô, cobrador, me diz aí se seu salário aumentou"

"Olha, que legal, Brasil parou e nem é Carnaval" (no mesmo shopping Iguatemi)

Em São Paulo, agora entre os cartazes, o lirismo de quem causou, ainda que simbolicamente, o recuo de muitos engravatados com mandato: "Se vocês não nos deixam sonhar, nós não deixamos vocês dormir."

E, como cartaz de exceção poética, quatro palavras que, sem rima, expõem a crueza do momento: "Copa é o caralho". Nada como ser direto com os cínicos.

 




terça-feira, 18 de junho de 2013

12 frases que explicam um país


“Não é a Turquia, não é a Grécia, é o Brasil saindo da inércia.” (Rio de Janeiro)

“Ei, Neymar, a Copa é pra roubar.” (Fortaleza)

“Mãos ao alto, a passagem é um assalto.” (Rio de Janeiro)

“Não vim brincar, vim protestar.” (São Paulo)

“Da Copa abrimos mão, queremos dinheiro para saúde e educação.” (Brasília)

“Ora, ora, ora, cadê a Dilma agora.” (Brasília)

“Não adianta olhar para o céu e pouco lutar.” (Guarujá)

“O Brasil está acordando. Não é por causa de R$ 0,20.” (Santos)

“O povo unido não precisa de partido.” (São Paulo)

“Brasil, vamos acordar, o professor vale mais do que o Neymar.” (Brasília)

“Essa briga é de quem pode (políticos) com quem não pode (manifestantes) ...” (São Paulo)

“O Congresso é nosso!” (Brasília)

Precisa dizer mais?

sábado, 15 de junho de 2013

Os baderneiros chegaram?


“O povo não sabe o poder que tem”. A estudante de Arquitetura comentava sobre o protesto contra o aumento no preço das passagens de ônibus com outro universitário, de História. Os dois dividiam o mesmo banco e acabaram de se conhecer. Eles dialogavam sobre a decisão do motorista da linha 7, comunicada aos passageiros um minuto antes. “Tem um protesto lá na frente. Vamos cortar caminho”. 

Nenhum passageiro reclamou. Alguns entenderam que a manifestação os beneficiava. Outros preferiram o silêncio. O estudante de História falava com empolgação. “O Brasil finalmente acordou.”

Como sempre, desconfio de quem generaliza o mosaico em que vivemos. Os tantos Brasis são complementares e contraditórios. Desiguais e distantes. Também duvido de um povo que, eventualmente, retoma o estado de hibernação. Assistimos a muitos movimentos que se cansaram de lutar de maneira isolada ou foram absorvidos pelo poder. Santos, minha cidade e dois universitários, se especializou – por exemplo - em enterrar vozes dissonantes desde o final do século passado.

Uma hora antes de entrar naquele ônibus, li numa rede social o comentário de um jornalista que, quando estudante, batia no peito que era progressista, conectado em questões sociais. Pelo que escreveu, parece mastigar a própria soberba, temperada com preconceito. O colega dizia com alarde: “Os baderneiros chegaram em Santos. Caos na cidade!”

Independentemente do passado e dos bairristas do presente, precisamos aproveitar o instante. E uma parte da minha cidade o fez ontem à noite. Cerca de mil pessoas foram às ruas, no Gonzaga e na orla da praia para protestar contra o péssimo serviço de transporte coletivo na Baixada Santista. Não houve conflitos ou vandalismo, o que poderia calar – por um momento – os sussurros que teimam em realimentar o provincianismo inoculado por aqui.

Os manifestantes não deixaram que os partidos políticos, sempre de olho na causa alheia, levantassem suas bandeiras. A procissão era apartidária. Isso derruba o frágil argumento de que os protestos são políticos. Na verdade, o são, como qualquer ação coletiva. O que se confunde é política com política partidária, quase sempre de baixa qualidade e elevado oportunismo.

Infelizmente, sofremos de baixa capacidade de crítica cidadã. Pensamos como consumidores, encarcerados na nossa individualidade de shopping, que mede custos e benefícios por produtividade e dinheiro. Ser cidadão implica em pensar de forma coletiva para compreender as consequências das relações com e entre os diversos poderes. E aceitar os conflitos que nascerem destes relacionamentos.

Discordo do argumento de que quem não anda de ônibus é insensível ao problema. A insensibilidade não está em pegar ônibus. Reside no temor de perderem ou verem reduzidos os pequenos privilégios que se traduzem na segurança ilusória dos carros e outros veículos personalizados.

Qualquer sujeito deveria saber quanto custa o ônibus, quem detém o monopólio do transporte coletivo e as deficiências do serviço prestado. Como disse uma colega jornalista: “Não quero Internet nos ônibus. Quero qualidade e pontualidade.” Ela leva duas horas para sair de Praia Grande e chegar a Santos todas as manhãs.

Eu estava no ônibus da linha 7. Aplicaria prova e receberia trabalhos finais na universidade. Cheguei com meia hora de atraso. Honestamente, não me importei. Os alunos entenderiam. Quando virei no corredor que dá acesso à sala, eles já sabiam o motivo do atraso. Mais do que isso: conversavam sobre transporte coletivo, problema que afeta a todos, para dor dos que crucificam baderneiros.

Cheguei atrasado com orgulho. Vi, pelo menos nesta noite de sexta-feira, minha cidade reagir contra o bairrismo e a arrogância que tanto a contaminam e a transformam na Santos que poderia ter sido, sempre à espera de um milagre econômico. 

Hoje, ela foi uma cidade com sangue nas veias, mesmo que uma parte dela ainda durma em berço esplêndido e de barro.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

As prostitutas são felizes?



Os moralistas se modernizaram. Permanecem, é claro, sentados sobre a própria imagem de superioridade, que escondem a essência de retrocesso. Caso contrário, não seriam moralistas de carteirinha.

A tática, hoje, se apoia na superficialidade de quem avança um pouco além de uma postagem na Internet. E explora a estratégia da invisibilidade do personagem que incomoda ao transformar em alvo a instituição – sem dar nome aos líderes políticos da manada. O trabalho sujo fica com os pistoleiros que usam o nome de Deus em vão e possuem mandato de quatro anos.

O tiroteio da vez envolveu a campanha do Ministério da Saúde sobre DST-Aids, que tinha como um dos pilares as prostitutas. Somos ricos em linguagem na hora de mascarar o que pensamos. Prostitutas, garotas de programa, profissionais do sexo; na prática, nomes variados para uma palavra de quatro letras que a maioria evita dizer, enquanto pensa, por causa do politicamente correto, mas que resume a própria crença no que elas são.

Assim que pousou na Internet, começou o bombardeio. O primeiro tiro de desqualificação foi a piada, aquela que gera risos nervosos. “Por que mulheres tão feias?”, perguntavam os humoristas de ocasião. “Por que não se escolheu uma loira-padrão, como as da TV?, escreveu-se em redes sociais.

Aqui começam os sinais da limpeza social. Numa primeira leitura, prostitutas deveriam, no mínimo, se encaixar nos manuais de estética. Nesta visão preconceituosa, o cartaz do Ministério não criaria o cenário ideal da propaganda. E pouco vale se há distância da realidade. Elas continuam vistas como produtos, mas não podem ser tratadas como público.

A segunda interpretação diz respeito à comparação com a TV. Sutilmente, muitas mulheres na TV são encaradas como prostitutas de luxo. Opa, garotas de programa ou acompanhantes (perdoe-me se apenas me lembrei agora de outro sinônimo).

A beleza e a burrice seriam características inerentes ao biotipo destas mulheres. Tão burras que possuem salários várias vezes maiores do que os machos que apontam seus dedos de desejo. Tão idiotas que abrem griffes e outros tipos de empresas enquanto os viris de sofá sonham com a palavra empreendedorismo, que aprenderam de maneira atravessada.

Mas as prostitutas, para os moralistas, não podem protagonizar campanhas do Ministério. Devem permanecer encarceradas no submundo das subespécies. Devem ficar entre a sombra e as luzes vermelhas para atender justamente aqueles que defendem criminalização ou invisibilidade.

A capital do Planalto Central não seria um dos grandes mercados deste “segmento da economia”? Ou nos esquecemos do escândalo que envolveu ministros, deputados e outras “autoridades” há três anos? Ou acreditamos que eles se reuniam em mansões para jogar gamão e tranca?

Os pistoleiros foram rápidos em fuzilar suas vítimas. Os deputados da bancada “meu Deus é melhor do que o seu” se mobilizaram e crucificaram o ministro Alexandre Padilha. Assim como seu colega que enterrou o kit-gay e venceu uma eleição para prefeito, Padilha temeu que a estrada para o Palácio dos Bandeirantes ruísse antes de ser pavimentada. Sacrificou um subordinado e remodelou a campanha, que perdeu o impacto sobre o problema real.

A Aids ainda é incurável. As mulheres ainda são o maior grupo de risco. A relação sexual ainda é a principal forma de transmissão. Mas pouco importa para os moralistas, muitos dos quais sorriram quando uma empregada doméstica foi atacada por jovens que pensaram ser uma prostituta. Dois por um, na verdade. A primeira inicia sem cobrar. A segunda cobra para iniciar.

Se as prostitutas são felizes? Só no cartaz do Ministério da Saúde, onde talvez pudessem reduzir o abismo que as separa da cidadania.