Letícia Souza e Rhayssa Nascimento*
"Vou lutar como sempre" é a frase proferida por Pitchou Luhata Luambo. Refugiado há dois anos no Brasil, ele saiu de seu país, República Democrática do Congo, pela insegurança que a guerra tinha depositado na vida de todos por lá. A guerra civil, iniciada em 1994 na vizinha Ruanda, ultrapassou a fronteira e não tem data pra acabar. Mas a insegurança, fato primordial para pedir refúgio em outro país, já não assusta tanto e ainda há o desejo de voltar para casa.
Pitchou não teve boas notícias nos últimos meses. Apesar da dificuldade em receber informações dos familiares, soube da morte do irmão. E os rebeldes não se restringiram a essa ação, sequestraram outro irmão, de apenas 16 anos. O sequestro durou 2 meses e só teve fim com a fuga dele.
Essa história obrigou Pitchou a trazer irmão, filha e mãe para perto dele. Residindo em São Paulo desde a chegada ao Brasil, a cidade recebeu mais três estrangeiros, mas não os acolheu. Assim diz ele, com uma vontade de sair de um país ao qual pensou poder recomeçar a vida.
A viagem, moradia e outros custos foram bancados por ele, único que possui emprego. O Cáritas, ligado à Igreja Católica, é a instituição que auxilia no tratamento do irmão sequestrado. Uma vez por semana,o rapaz menino faz terapia.
Na República Democrática do Congo, o cotidiano era outro. Pitchou, formado em Direito, lecionava em uma universidade. O irmão, assassinado, era médico. Um padrão de vida superior ao encontrado no país de refúgio.
Desejo de voltar
A mudança drástica de rotina despertou na mãe dele a vontade de retornar ao Congo. Retornar ao padrão de vida anterior, e esquecer o quão foi difícil viver no Brasil. E o conflito não a assusta mais que a falta de assistência e oportunidades encontradas em dois meses. Ela argumenta que, no Congo, apesar do perigo, caso tenha sorte pode se salvar, mas aqui não há opção, a vida não vai mudar.
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Entidades internacionais sofrem com a corrupção local |
O Brasil é um dos países que mais recebe refugiados na América do Sul. Os últimos dados da Agência da ONU para refugiados (ACNUR) indicam 4600 refugiados de 70 países.
Pitchou não esconde a vontade de ir para outro país. O que vem em mente é a Argentina, lugar onde parou antes de chegar a São Paulo. E sonha em se mudar para o país vizinho e aprender espanhol. Depois, voltaria para o Congo.
Universidade em Santos
Apesar de uma lei sancionada em 1997, Lei Federal n. 9474, que criou um órgão para analisar e julgar os pedido de refúgio, o Comitê Nacional da Justiça (CONARE), a inclusão social é difícil. A língua diferente, o não reconhecimento de suas antigas profissões e a denominação de refugiado são impasses para conseguir emprego. Ponto essencial a quem pretende construir uma nova vida.
Apesar de ter sua vida no Brasil constituída em São Paulo, Pitchou encontrou em Santos uma oportunidade, o retorno à Universidade. Conseguiu uma bolsa destinada à refugiados na Universidade Católica de Santos e cusrsava Ciências da Computação. Mas o reinicio foi interrompido após ao ocorrido com sua família.
Santos foi um segundo lugar a Pitchou. Para muitos é apenas o ponto de entrada, principalmente por possuir um Porto. Mas dificilmente acolhe os refugiados.
De acordo com o CONARE, desde 2008, 158 estrangeiros chegaram pelo Porto de Santos na condição de refugiados, porém só três solicitaram refúgio na própria cidade. A maioria preferiu se deslocar para outras cidades.
A situação é confirmada pelo delegado do Núcleo de Imigração da Polícia Federal, Gesival Gomes de Souza, que complementa que desde fevereiro do ano passado não houve casos de refugiados no Porto.
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Guerra civil deixou mais de 3,5 milhões de mortos Foto: ONU |
A Guerra
A República Democrática do Congo, ex-colônia belga, está em guerra civil por divergências étnicas, interesses comerciais e políticos. O cerne do conflito foi o genocídio em Ruanda, no conflito entre as etnias hutu e tutsi. Em 1994, ano desse genocídio, estima-se que os hutus mataram 800 mil tutsi e hutus moderados, cerca de 10% da população.
Após esse conflito em Ruanda, houve grande fluxo de refugiados que entraram no Congo, o que aumentou a instabilidade política e levou à queda do ditador Mobuto Sese Seko em 1997, depois de 32 anos no poder. A rebelião foi liderada por Laurent Kabila, com apoio dos regimes de Ruanda e Uganda. Ele se tornou presidente.
A República Democrática do Congo foi palco da chamada "Primeira Guerra Mundial na África", no período de 1998 a 2003. Um conflito entre tutsi, de origem ruandesa, contra o governo de Kabila. Nessa rebelião, cerca de 3,5 milhões de pessoas morreram de fome, doenças ou em razão de violência.
Mas o mandato de Kabila durou até 2001, quando foi assassinado. No lugar dele, assumiu o filho Joseph Kabila que, em outubro de 2002, assinou um acordo de paz com os rebeldes. Porém os conflitos entre as duas etnias, tutsi e hutus, permaneceram. Por isso, o país obteve ajuda da ONU, tanto aos campos de refugiados no país, como a formação da maior força de paz, com 17 mil soldados.
Em consequência da guerra civil, a economia nacional sofre com a redução de investimentos estrangeiros, crescimento da inflação e falta de infraestrutura. Além da economia, a população vive com problemas socioeconômicos, como uma dos piores índices de mortalidade infantil do mundo: 15 óbitos a cada mil nascidos vivos.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,239, a segunda pior média mundial. O analfabetismo atinge 32% dos habitantes; cerca 76% da população é subnutrida; a maior parte das pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia, portanto, abaixo da linha da pobreza.
Obs.: Este é o nono texto da série "Os Indesejados", produzida por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos (Unisantos).
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