sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Pelo segundo turno


As duas últimas pesquisas eleitorais, incluindo a publicada neste jornal, me deixaram assustado. O medo nasceu por conta das chances reais da eleição para prefeito de Santos ser decidida no primeiro turno. Antes que os apressados ou cínicos distorçam esta coluna em prol de um candidato ou outro, é preciso dizer que nada tenho contra o líder das pesquisas nem apoio ou visto a camisa de quaisquer outros concorrentes.

Nove candidatos à Prefeitura poderiam indicar, teoricamente, uma multiplicidade de ideias sobre o gerenciamento da cidade nos próximos quatro anos. Ao menos, criar alternativas para aqueles que não desejam a mesma turma – que habita a Praça Mauá há quase 16 anos – no poder. Ou permitir ao eleitor confirmar esta opção diante de um leque maior de prefeituráveis, inclusive os que estiveram no poder político nas últimas duas décadas.

Abdicar do segundo turno é virar as costas para o debate político, para a comparação de propostas, para o questionamento concreto sobre projetos de administração pública. Infelizmente, os próprios candidatos colaboram com esta postura conservadora do eleitor santista, demonstrada com maior veemência nos últimos oito anos.

A campanha não fez cócegas na rotina dos eleitores. As opções se mostraram parecidas. As estratégias se comportam como irmãs siamesas. Os discursos esbarram na megalomania das obras improváveis, até porque não dependem do dinheiro da Prefeitura. O horário eleitoral gratuito é a cereja do bolo de formato-padrão, recheado de mesmice e com pitada de humor de mau gosto.

Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), que lidera as pesquisas, precisa enfrentar – como qualquer outro candidato – o segundo turno. Uma segunda votação elimina a fumaça que esconde as ideias, os comportamentos e as ações dos candidatos.

O segundo turno extermina os franco atiradores, expõe os concorrentes sedentos de migalhas na administração e enterra os velhos discursos das campanhas viciadas em tempos mortos. O segundo turno coloca na vitrine, de maneira quase crua, o candidato que caminhava mascarado por jingles, imagens plásticas e maquiagem de festa.

Mais do que os enfeites e as alegorias que aproximam a corrida eleitoral do carnavalesco, uma votação em segundo turno obriga – de certa forma – os dois candidatos a conversar com praticidade sobre programa de governo. Neste sentido, os ataques pessoais e as distorções de projetos alheios se transformam em tiros no pé. Quem vai ao segundo precisa ter algo a dizer, com o risco de ficar mudo por não ter ouvidos a acompanhá-lo em promessas e abobrinhas em geral.

O segundo turno é, ainda que sem garantias, o único caminho para provar se alguém possui condições de se sentar na cadeira de prefeito com legitimação popular. Enfrentar e vencer duas votações implica em reconhecimento da maior parcela da população, mesmo com tendências à bipolaridade. Aliás, não é o caso do pleito atual. O cardápio de alternativas, em princípio, indicava vários trajetos. Pena que muitos se mostraram membros do time de iguais.

Santos, para incendiar o processo eleitoral, precisa jogar sete cartas fora da mesa e permanecer com duas nas mãos por mais três semanas em outubro. Entre outras coisas, talvez possa servir de exemplo para cidades vizinhas como São Vicente e Praia Grande, que patinam na mesma receita de poder coronelista há duas décadas.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

A bicicleta e o gato

A ghost bike foi retirada na quinta, 6 de setembro

Santos ganhou um monumento há quase três semanas. E o perdeu há cinco dias. Monumentos, mais que do que enaltecer pessoas ou lugares, dizem quem nós somos ou nos alertam para o passado que não deveríamos mais repetir. Via de regra, os mais importantes são aqueles que brotam de ações anônimas, e não de atos premeditados pelo Estado e seus governantes.

Santos ganhou uma ghost bike. O monumento representou, acima de tudo, o grito contra a selvageria que decidimos adotar no trânsito da cidade. A bicicleta branca, pendurada a dois metros de altura, na esquina das avenidas Conselheiro Nébias e Afonso Pena, expôs o caos sobre rodas, no qual todos os atores tem a sua cota de responsabilidade.     

A bicicleta, enquanto novidade, atraiu a curiosidade de muita gente que, ao menos por um minuto, pisou no freio do próprio cotidiano para refletir sobre as escolhas que fizemos (ou deixamos fazer) no gerenciamento de tráfego e de transporte coletivo em Santos.

A bicicleta escancarou a imagem de que planejamento não é uma de nossas melhores qualidades. Apenas a morte nos tira da inércia. Foi preciso que uma ciclista morresse para que se pensasse sobre o trânsito como um revólver com o dedo no gatilho.

A ciclista tem nome e sobrenome e não é preciso conhecê-la para se lembrar dela, inclusive pelo que passou a representar. Raquel Guimarães Martho tinha 66 anos e levava um gato para castração, em 23 de agosto, quando foi atingida por um caminhão. Possuía outros 13 animais. Era militante na defesa dos animais. Deixou uma filha, grávida de cinco meses.

É fundamental aproveitarmos o momento eleitoral (fase na qual os políticos saem de seus gabinetes e tentam manter contato com os mortais que apertam as teclas das urnas) para cobrar ações efetivas que organizem o trânsito da cidade.

A situação é tão séria que muitas pessoas resolveram, por exemplo, trocar os ônibus por caminhadas. A necessidade que faz a qualidade de vida, diriam os cínicos. O trajeto do Canal 1 até a avenida Conselheiro Nébias pode ser feito, a pé, em 40 minutos. Entre 17 e 19 horas, o mesmo trecho via ônibus leva o dobro do tempo. Daria para chegar à São Paulo pela ponte rodoviária. 

Optamos por digerir a retórica da autobajulação política nas ciclovias, incompletas, que muitas vezes conectam lugar nenhum com o vazio geográfico. Os ciclistas, de fato, são obrigados a abandonar a via para acessar avenidas transversais. E transformar uma das calçadas do Canal 1 em ciclovia não simboliza atitude digna de ser classificada como inteligente. 

Enquanto se mantinha em pé, passei por duas vezes em frente ao monumento. Uma delas, inclusive, para fotografar o lugar. Numa das visitas, cinco operários observavam e tentavam trocar informações sobre a morte de Raquel. O problema entrou na agenda daquele grupo de trabalhadores.

Na outra visita, de dez minutos, foi possível testemunhar ciclistas entre os carros na avenida Afonso Pena, a dois metros da ciclovia. Taxistas rompiam o semáforo para ganhar meia dúzia de segundos a mais. Motoristas paravam seus carros com status em financiamento de 36 vezes (a juros de 0.99%) na faixa de pedestres.

Uma moça saiu do ponto de ônibus e, admirada com as flores que cercavam o monumento, me perguntou detalhes sobre o acidente. Parou para ler o manifesto pregado abaixo da bicicleta branca. Foi neste momento que uma senhora abordou a colega jornalista que estava comigo. A senhora olhou para a bicicleta, virou-se para a jornalista e perguntou:

— Você sabe se o gato se salvou?

Tive a impressão de que, onde vivemos, a bicicleta branca corre o risco de virar uma Torre de Babel. 
 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O político-pastel


O retorno é discreto, coerente com o desaparecimento por quatro anos. A conversa, de pé de ouvido, nasce amistosa. Quem ressuscitou finge interesse e estimula o interlocutor a conduzir – de maneira ilusória – o diálogo. O tom baixo de voz contrasta com os berros dos vendedores que precisam atrair os desconfiados clientes.

O visitante, tal um elefante em loja de cristais, sabe da má reputação de seus colegas (ele sempre se considera exceção) e, por isso, precisa de paciência para conquistar quem tende a considerá-lo fruta de final de feira.


O estranho no ninho não trabalha como um solitário. O sonho é transparecer onipresença. Um exército de aliados de ocasião foi contratado, devidamente equipado com bandeiras, camisetas e pilhas de papéis cujo nome derivou da religião. Os “santinhos” também estão nas mãos dos que atuam como voluntários. Trabalhar de graça não merece canonização; estes apenas aguardam o melhor momento para cobrar o sagrado esforço.

O visitante não assume responsabilidades. É um bom ouvinte, palpita na hora certa e aproveita a idéia do novo amigo para propor soluções que oferece como inéditas ou criativas. Não se importa em parecer contraditório, pois as palavras se perdem entre as caixas de tomates e alfaces.

O candidato a vereador, este que aparece na feira livre de vez em nunca, pode ser detectado de longe. Bem vestido, ele não carrega os utensílios básicos para a sobrevivência neste local com origem na Idade Antiga. A fantasia pode incluir uma calça social e sapatos – para transmitir elegância – ou um jeans, camiseta e tênis básicos, com ar de casualidade, proximidade com as pessoas que não o conhecem ou não se importaram em reclamar do desaparecimento.

A ordem é chegar como se não houvesse passado. Distribuir “santinhos” é papel dos soldados – educados, por sinal. O candidato distribui “afeto”. Corpo a corpo, apimentado por sorrisos. Beijos, abraços, apertos de mãos indicam um flerte no qual o alvo não precisa ter nome, mas título de eleitor. É importante a disposição para receber um afago na cabeça ou levar um bebê para que o visitante o pegue no colo.

A feira livre é um ponto democrático. Não cobra status. Você pode somente perambular por lá ou conversar com quem quiser sem ser importunado. Os sujeitos folclóricos e criativos nas rimas exalam cultura popular, além de oferecer produtos tradicionais e exóticos e preços a serem barganhados com bom humor. Vendedores e compradores que se conhecem há anos compartilham confidências, sentem falta um do outro quando a ausência é superior a uma semana. Todos assistem com resignação aos visitantes que renascem em períodos eleitorais, conversam, soam (e suam!) preocupação e somem por encanto. 

Com sabedoria, um amigo comparou estes personagens ao pastel da própria feira livre. Compõe o cenário, não representa unanimidade entre feirantes e consumidores e é recheado de vento. Neste último caso, vale o olhar sobre as propostas (promessas) de alguns concorrentes.


Obs.: O texto acima foi publicado no início de setembro de 2008, há exatos quatro anos, no jornal Boqnews e no blog Conversas e Distrações. Infelizmente, não precisei mexer uma vírgula no texto, tamanha a atualidade.