segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Foliões de gravata


Com o fim do Carnaval, passamos a celebrar a memória. Passeamos do saudosismo à nostalgia, de lembranças de paixões breves a amores de longa duração, de atos impublicáveis, às vezes também condenáveis, a roteiros impregnados de poesia. O Carnaval se perpetua além do samba e outros ritmos que arrastam milhões para as ruas. O Carnaval é um intervalo no tempo e no espaço, que transita dos retiros onde a paz puxa a bateria do silêncio até os bailes de salão, hoje rebaixados a um desfile de segundo grupo.

Em Santos, o caldeirão de sentimentos que desenham e marcam o Carnaval na memória terá como destaques o luto, a tristeza e a revolta. A festa terminou muda, temperada com choro, irresponsabilidade e desculpas esfarrapadas.

Mais do que apurar notas em um Carnaval sem escola campeã, Santos terá que contar mortos, feridos e um sem número de explicações para a falta de segurança. Fantasiados de autoridade, o bloco de engravatados resolveu repetir à exaustão o samba-enredo da fatalidade. Esta palavra, de tão desgastada, quase alcançou o propósito de servir como máscara que aproveita o calor da hora e da dor para abafar investigações. Fatalidade é bem menos desafinada que negligência, termo que deveria ser, no máximo, sinônimo daquele folião que enforcou a quarta-feira de cinzas.

Assim que os acidentes acontecem, a harmonia em dizer obviedades se fantasia de desculpas que beiram o ridículo. Quando um garoto de nove anos desmaiou após levar um choque em uma tenda na praia, as “autoridades” tentaram ditar o ritmo culpando a natureza, que cismou em enviar um raio, ainda que não houvesse chuva ou sinais de tempestade.

Como me disse um amigo, a precariedade do desfile das escolas de samba não seria exposta se não tivessem ocorrido as quatro mortes. Teríamos, de fato, o final de festa no sentido mais alienante. Quem seria o chato que colocaria em dúvida a estrutura que serve para alimentar dias de suposta alegria?

Depois que o horror desfilou para as famílias, os foliões-gestores se dispersaram para escapar das luzes da cobrança pública. Enquanto um folião cumpre a obrigação de investigar, outro garante que todas as verificações foram feitas. Antes ou depois do choque e do incêndio? O terceiro, vestido de pierrô, empurra a responsabilidade para outra ala, ao mesmo tempo que o arlequim faz carinha tristonha para defender a bandeira da fatalidade.

Em muitos carnavais, preferimos esquecer os excessos como se não fossem parte de nós. Novas medidas de segurança são bem-vindas, desde que não se tornem um cala-boca para o que aconteceu na Passarela do Samba e na tenda da orla da praia. CPFL, Corpo de Bombeiros, Prefeitura e Polícia Civil devem explicações dentro das respectivas alçadas. Até porque alvará, vistorias e outros documentos não são como ingressos para baile, que se jogam fora depois que a banda toca.

O Carnaval de 2013, por mais que a memória nos traia com a construção de enredos bem melhores de nossas vidas, será lembrado como aquele em que o luto atravessou o samba na avenida. Se houve uma campeã, talvez se chame GRES Unidos da Negligência, com bateria nota 10.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O novo passageiro


O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, resolveu andar de ônibus essa semana. Acordou cedo, chegou de carro à praça Jerônimo La Terza, no Jardim Rádio Clube e tomou um ônibus até o Terminal do Valongo. Ele estava acompanhado pelo presidente da CET, Antônio Carlos Gonçalves. 

No trajeto, o prefeito perguntou aos passageiros sobre qualidade do transporte, horários, pontualidade e limpeza dos veículos. E aproveitou a presença da imprensa para prometer que os motoristas deixarão de ter dupla função em abril. Os passageiros deverão ter cartão de transporte para andar de ônibus. Não haveria mais pagamento em dinheiro.

O que o prefeito esperava encontrar na viagem? O sistema de transporte da Dinamarca? É necessário andar de ônibus para descobrir que os motoristas de ônibus têm um emprego desgastante, com dupla função, além de dirigir por horas, sem descanso, em um trânsito cada vez pior?

Esta ação de marketing é realmente fundamental para o prefeito ter certeza de que os luminosos nunca acertam os horários de passagem dos coletivos? São necessários holofotes da mídia local para o prefeito descobrir que os ônibus parecem carregar gado em várias horas ao dia? Ele poderia perguntar ao presidente da CET, que está no governo há 16 anos e conhece bem a cidade.

O “Conheça Santos” que o prefeito improvisou esta semana poderia estimulá-lo a pensar o modelo de transporte e trânsito que o município adotou nos últimos 20 anos. Até que ponto a Prefeitura vai questionar as ações da empresa que detém o monopólio do transporte público? Não precisa entrar em coletivo para ouvir um rosário de reclamações. Qualquer ponto de ônibus é suficiente para compreender o óbvio.

O passeio do prefeito de Santos é uma atitude comum entre políticos. A escola da política é apartidária e, por conta disso, padroniza comportamentos, principalmente na hora de encenar para os eleitores. É claro que existe a conivência da outra parte, mas políticos seguem regras básicas como abraçar idosos, beijar crianças e experimentar comidas, inclusive as exóticas.

No caso de alguns partidos, como o PSDB, existe um fascínio por andar de transporte público. Seria culpa inconsciente pelos serviços (mal) prestados? José Serra e Geraldo Alckmin adoram passear, por exemplo, de trem e metrô. É item obrigatório na cartilha de campanha.

O marketing que mascara governos conta com a tolerância da sociedade. Na prática, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa não tomou medida alguma. Como é preceito básico da bíblia política, parecer costuma gerar mais resultados do que exercer.

O tour via ônibus aconteceu na quarta-feira. No dia seguinte, os usuários que madrugam e precisam de coletivo na Zona Noroeste continuaram esperando muito tempo pelo transporte, viajaram apertados, pagaram por uma passagem proporcionalmente cara e foram conduzidos por motoristas exaustos para uma jornada de trabalho difícil. E que clonam a si mesmos como cobradores.

Paulo Alexandre Barbosa já provou ser excelente aluno na escola da política. Nunca perdeu uma eleição. Sabe que ensinar também significa aprender o que não se deve fazer. Por isso, torço para que o prefeito não compartilhe da lição do chefe de turma José Serra, que veio inaugurar a maquete de uma obra na Ponta da Praia, em 2010. Aliás, obra cancelada pelo governador eleito Geraldo Alckmin logo na primeira semana de trabalho dele.