segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Crianças de verdade, profissão de mentira



Esta é a primeira reportagem da série "Os Indesejados", que aborda temas sociais na Baixada Santista. Os textos foram produzidos por estudantes de Jornalismo da Universidade Católica de Santos.

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Géssika Assis e Samira Lima


Mais ou menos 9h30 da manhã. Eles estão em dupla e sempre o fazem assim. O tempo é muito importante, pois quanto mais cedo chegarem, mais dinheiro os dois garotos podem ganhar. Vitor, de 13 anos, e Igor, de 11, são aparentemente pequenos para a idade.

A verdade é que o dia deles é condicionado ao tempo. Sempre sincronizados, ficam atentos às luzes do semáforo que está na esquina da rua Amilcar Mendes Gonçalves com a avenida Conselheiro Nébias, em Santos, litoral de São Paulo.

Depois que a luz vermelha se acende e os carros param, eles têm exatamente 1 minuto para a apresentação. Então, correm para a faixa de pedestres, se posicionando com a agilidade de meninos magrelos e leves.

Igor está sempre em pé sobre os ombros de Vitor, lançando no ar, uma por vez, as três bolas de tênis. Sem margem de erro, as bolinhas flutuam por cronometrados 30 segundos, podendo demorar até 34. Afinal, eles precisam da outra metade do tempo para percorrer o corredor entre os carros, sorrindo e fazendo o jóia simpático de um polegar opositor infantil.

Os dois meninos se vestem com camisetas simples e desgastadas bermudas pretas e, nos pés, chinelos de dedo, que Igor tira toda vez que vai subir nos ombros do colega.

Ambos moram em São Vicente, mas preferem sair de suas casas todos os finais de semana para irem até o ponto conhecido entre eles como "Azulzinho". Alegam que o valor que conseguem arrecadar é maior se comparado a qualquer semáforo de São Vicente. O apelido foi adotado pelos meninos, devido ao edifício Blue Tower, todo revestido de cerâmica azul, que fica no cruzamento, ao lado do farol.

“Assim, eu acho legal e interessante, é bem melhor do que ficarem por ai fazendo besteiras como usar drogas ou roubar”, diz Adeval Santos Silva, recepcionista do Blue Tower. E assim, não incomoda tanto? “O certo mesmo seria eles estarem na escola, praticando esportes, evitar esse tipo de iniciativa por parte deles”, completa João Carlos Ferreira Costa, protético dentário e morador do mesmo prédio.




Parentes e Danone - Vitor tem dois irmãos, estuda no período da tarde e só vem para o semáforo aos finais de semana. Jasline Tailise da SIlva, de 20 anos e promotora de vendas, que trabalhava no semáforo, os viu e descobriu que Vitor, filho da sua madrinha, era um dos garotos malabaristas. E diz que quem cuida dele e dos seus irmãos é a avó, com 53 anos, enquanto a mãe trabalha em dois empregos: meio período numa empresa de telemarketing e outro durante a noite, em um posto de gasolina.

Durante a conversa com Jasline, o garoto retorna com um danone nas mãos, que ganhou de um dos motoristas. Abre um sorriso e fita com os olhos cor de mel: "Qué, tia?"

Ao ser indagado se alguma vez já deixou a bolinha cair, Vitor responde com um ar sem jeito: "uma vez caiu no capô de um carro, fez um barulhão. O motorista disse 'que isso? Acontece'", diz sorrindo, ao bebericar o danone.

Vitor diz que vem para o semáforo todos os finais de semana para ajudar em casa, comprando as próprias coisas: "Minha mãe ganha 900 reais. Imagina. Comprar roupa e tudo pra nóis três. Daí, comigo não precisa se preocupá."

Igor, muito tímido, fala pouco de si no princípio, mas afirma que também tem dois irmãos. Ele está no "negócio" há dois anos e pretende aprender o malabares com 4 bolinhas.

Os dois meninos utilizam o dinheiro que ganham para comprar roupas de marcas, pois adoram QuikSilver, Oakley, Hollister, e gastam na lan house do bairro onde moram. Dizem que os pais estão cientes desta rotina e que se preocupam com atropelamentos, mas sabem que se proibirem não haverá resultado, já que os garotos iriam da mesma forma para o semáforo.

Cem reais - Ambos chegam por volta de 9h30 e vão embora às 16h, mas depende do valor que conseguem arrecadar: "É uma e vinte e cinco ó. Já fiz setenta e cinco, tia.", diz Vitor, orgulhoso. Mas já receberam de um motorista uma nota de R$ 100.

A dupla conta que sofre denúncias de alguns moradores: “Tem gente que não gosta não, chama os guardinha pra gente. Eles perguntam se a mãe da gente obriga a gente a fazer”. E por isso não ficam em semáforos na avenida da praia, onde obviamente conseguiriam mais dinheiro. Também por que temem que possam perder o dinheiro de um dia todo embaixo do sol. “Quando eles estão com fome, tia, eles vem e pegam nosso dinheiro”, explica Igor. “Só porque o menino não quis dar o dinheiro pra eles, eles foram lá e bateram no menino”, completa Vitor.

O semáforo, para Vitor, o mais velho, tem prazo de validade. "Quando fizer 14 anos, vou pro Camps". E você, Igor? Como vai fazer sem seu parceiro? "Vou continuar sozinho mesmo, tia." E seguem para a praia, aproveitar o fim de sábado como crianças de verdade.

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