segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Virando nanico?




A gritaria do vereador santista Evaldo Stanislau perdeu decibéis por conta do barulho da folia. Mas não deixou de ser um dos assuntos nas rodas de conversa política na passarela do samba. O vereador deixou a liderança do partido na Câmara de Santos por conta da forma que a sigla vem lidando com os escândalos de corrupção no Governo Federal.

O partido reagiu de maneira previsível. Os caciques fizeram cara de surpresa e falaram em mecanismos democráticos internos para que Stanislau pudesse se manifestar. Lideranças que perderam espaço no PT também cumpriram o protocolo e se disseram chocadas, mas optaram pelo caminho corporativista. Ou seja: atacar quem gritou (como se não tivesse avisado antes), silenciar sobre a deterioração institucional.

O PT enfrenta a crise mais aguda em 35 anos de história. Na Baixada Santista, os sintomas começaram há, no mínimo, oito anos. O primeiro sinal foi a reeleição de João Paulo Tavares Papa, na maior vitória da história da cidade. Na ocasião, os caciques petistas defenderam renovação, repetiram o mantra-padrão para uma derrota por goleada.

Na eleição seguinte, em 2010, veio a redução representativa dos parlamentares na região. Menos votos, maiores dificuldades de se manter no Poder Legislativo. A eleição de 2012 cristalizou a enfermidade político-eleitoral. Não houve renovação profunda de quadros na Baixada Santista. Sem candidato a prefeito em cidades importantes, como São Vicente. Vitória do PSDB no primeiro turno, em Santos.

Só a cubatense Marcia Rosa, com a máquina nas mãos, venceu. Apenas dois vereadores na principal cidade da Baixada Santista. Seis parlamentares nos nove municípios, quase todos politicamente isolados.

Em 2013, veio a eleição para o Diretório de Santos. Uma campanha com pitadas esquizofrênicas, pois os dois candidatos prometiam renovação. O partido optou pela continuidade simbolizada por Maria Lúcia Prandi, braço direito de Telma de Souza, ambas hoje sem mandato.

Os males da velhice ficaram mais latentes no ano passado. Pela primeira vez em 20 anos, o PT ficou sem representantes da região na Assembleia Legislativa e na Câmara Federal. O partido pagou o preço de estar numa região cada vez mais tucana, mas também não apresentou novas saídas, nomes diferentes, estratégias que aliviassem a alta rejeição.

O vereador Evaldo Stanislau alegou, em entrevista ao Jornal A Tribuna, que os parlamentares são “meros espectadores” dos atos do partido. Em artigo no mesmo jornal, escreveu que sua renúncia era uma maneira de esperar “um retorno às origens e maior responsabilidade dos dirigentes partidários, muito distantes dos mandatos e letárgicos em suas ações.”

Política é jogo de paciência. O tempo dirá se Evaldo Stanislau berrou para salvar a própria pele em 2016 ou se vai protagonizar mudança na biografia do PT em Santos. Historicamente, o PT tem sufocado as vozes dissidentes. Saída do partido, aposentadoria eleitoral, deslocamento para cargos longe de Santos. Stanislau, é claro, vai disputar a eleição em 2016. Mas em quais condições?

De fato, apenas que o PT encolheu com a idade. E que, neste jogo de dados, quem vence é a banca. A reeleição do PSDB em Santos nunca pareceu tão fácil.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A festa do menino morto


Matheus, numa imagem no Facebook

 O assassinato do universitário Matheus Demétrio Soares, de 19 anos, em frente à Universidade Santa Cecília gerou choque, indignação e discursos mais agressivos sobre a falta de segurança pública. Essa é a face óbvia e necessária de uma morte que não pode ser tratada como número de balancete burocrático.

No entanto, uma das consequências deste crime é tão perversa quanto assustadora. Quando cheguei em casa, após deixar a mesma universidade, entrei na Internet e me vi sufocado pela quantidade de notícias, relatos e comentários sobre o assassinato. O fenômeno-pólvora é rigorosamente normal dentro da própria lógica das redes sociais.

O problema é que, com ele, brota o lado doentio deste teatro virtual. Neste jogo de cena, prevalecem as aparências e a busca por reconhecimento e pertencimento imediato. É um protagonismo capenga que desrespeita a própria vítima e seus familiares numa exposição do grotesco como se o próprio crime em si não fosse um murro na cara.

Logo após a morte de Matheus, era possível ver, em rede social, fotos do corpo, de uma proximidade que permitia ver detalhes impublicáveis. Vídeos circulavam de clique em clique, apontando a mesma morbidez de quem compartilha uma informação; ou melhor, uma imagem que nada acrescenta ao contexto, que cultiva e desvaloriza simultaneamente a morte.

Dizer que somos escravos da imagem hoje é redundante, porém teimamos em nos esquecermos disso. Sentimo-nos protegidos por um frágil filtro chamado computador/celular, de modo que acreditamos ter um salvo-conduto para atropelar valores, para não preservar uma pessoa que acaba de ser assassinada e merece, antes de qualquer coisa, respeito.

Somos um exército de famintos por fama, selvagens em publicar por publicar, em testemunhar sem pedir maiores explicações. Neste sentido, caminhamos pelas opiniões imediatas, superficiais, que retratam o quanto construímos raízes e somos reféns voluntários atrás dos teclados ou nos sofás da sala.

As fotos do corpo do estudante descoberto me causam a sensação de quem as tirou, naquele momento, não enxergava um ser humano, mas somente um corpo sem vida, que inevitavelmente alimentaria o show de horrores, autorregulado pelo crime da semana, pela imagem que nos leva a comer mais um pedaço de pizza. É a pressa que desumanizou Matheus Demétrio, a imagem pela imagem que não apenas expôs uma vítima, mas tentou apagar seu nome.

Fotos e vídeos, inclusive divulgados na imprensa, são uma tentação fugaz de que todas as pessoas desejam digerir o horror em estado puro. Que estão sedentas por detalhes sórdidos de uma violência que choca como fato, e não como simulação dele.

Soa como uma distorção comportamental acreditar que as imagens possuem o mesmo peso e, portanto, merecem as mesmas medidas. A obsessão por registrar todos os instantes de uma vida anônima não se encaixa quando a dignidade humana, seja do próprio retratista ou da biografia alheia, é estilhaçada para que alguém diga que estava lá. E daí que estava lá? Isso não a torna mais privilegiada como co-participante de um falso reality show.

A velocidade com que muitos exprimem suas opiniões também mascara a irresponsabilidade de quem julga sem passear pelo cenário completo. Por que devemos julgar, condenar e definir a pena a partir de um episódio que pouco ou nada sabemos? Já não servem como elementos o crime em si, mais a dor e o sofrimento das pessoas próximas ao estudante?

Matheus, quando perdeu seu nome, também perdeu – para muitos – a condição de vítima. Se ele estava ali, era porque fazia algo errado. Se ele estava ali, era porque bebia e consumia drogas. Se ele estava ali, era porque decepcionava seus pais e demais familiares que tanto fizeram para que chegasse à universidade.

A morbidez destes argumentos é semelhante à retórica daqueles que defendem que uma mulher merecia ser estuprada porque usava uma roupa dita provocante. Matheus Demétrio é e sempre será mais uma vítima da violência urbana. Não o conheci, mas posso dizer – com o mínimo de decência – de que ele não merecia morrer. A hipocrisia não pode funcionar como pena de morte ou pano de fundo para nos escondermos no individualismo ou na limitada consciência social.

O assassinato do estudante universitário Matheus Demétrio Soares me faz lembrar de um caso no Rio de Janeiro, no final da década passada. Na ocasião, um carro foi incinerado com dois corpos dentro e abandonado na Linha Vermelha. Só que as duas cabeças estavam no capô do veículo. Muitos motoristas não apenas pararam para ver o carro, como desceram e tiraram fotos das cabeças. Uma perversidade pré-selfie.

Numa cultura em que evitamos falar de fato sobre a morte, preferimos brincar com ela como se fosse um filme de ficção. A morte deveria sempre nos chocar, e não somente os vivos que se divertem com ela. 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Fortinhos e preguiçosos


O ex-007 Pierce Brosnam vive uma situação cruel quando aparece em revistas de celebridades. Keely Shaye Smith, sua esposa há 15 anos e mãe de dois filhos, engordou (pouco me interessa descobrir quantos quilos e os motivos) e virou alvo de adjetivos interessantes por parte da imprensa. Ela já foi chamada de “controversa”. Ele, por sua vez, foi classificado como “fiel” por estar casado com alguém bem acima do peso.

Peço desculpas por começar o texto falando sobre celebridades, mas o fiz para chamar sua atenção sobre uma das principais contradições do mundo atual. Assinamos um pacto de silêncio para diminuir o problema ou nos silenciarmos diante de um preconceito mascarado pela ditadura estética e seus padrões impossíveis.

Gordos não são controversos. Gordos não são obesos para que as palavras soem menos pesadas, com o perdão do trocadilho. Gordos não são fortinhos, com o tom de quem diz com misericórdia ou acredita que mudar termos altera o sentido da mensagem.

Os adjetivos acima representam somente a parte mais leve e explícita das relações entre as pessoas. E simbolizam a cereja do bolo de contradições, numa sociedade na qual metade dos sujeitos se encontram acima do peso e boa parte crê na utopia de que o mundo é como a publicidade de cosméticos ou de diuréticos milagrosos à venda pelo telefone.

O que mais carimba o preconceito são as perseguições veladas, camufladas por olhares e por desconfianças que assassinam o mérito e abrem as portas para retóricas hipócritas. Prevalece o julgamento prévio, a condenação de quem se vitimiza quando confrontado com as decisões que jamais admite ter tomado.

O que significa contratar por boa aparência? A falsa objetividade deste critério esconde a intolerância contra cabelos, cor da pele e estética fora do que seria o aceitável. Uma vendedora seria mais eficiente por ser magra, para ficar somente no assunto desta coluna? Ou como ouvi de uma colega de trabalho: “Você é tão bonito. Mas seria mais se fosse mais magro!” Ah, ela não é magra e, ainda que fosse, recebeu o silêncio como resposta ao suposto elogio.

Gordos não são incompetentes por causa do peso. Ou menos produtivos. A vida profissional não é uma corrida de cem metros rasos e, mesmo assim, inúmeras funções não dependem de quem cruza primeiro a linha de chegada, mas de quem percorre o caminho sem se desviar da raia ou deixar cair o bastão no revezamento.

A gordura costuma também ser associada à preguiça. Por que os “fortinhos” são mais preguiçosos? A magreza estaria associada não somente à beleza, mas também à uma vida lépida e mais radiante. Até quando vamos acreditar na carochinha? Ou somos cegos diante das filas em hospitais e dos consultórios médicos? Adoramos editar a vida alheia, como picotamos a nossa. 




Nem todos os gordos são doentes, assim como nem todos os magros são saudáveis. Óbvio, mas todo mundo tem uma fórmula para mudar sua vida, embora você não tenha pedido nada a respeito ou como se você fosse ignorante sobre a matemática das calorias. Da dieta da lua à morte das proteínas, das sopas e cogumelos às novas pílulas que a celebridade recomendou, tudo serviria como remédio para sua falta de vontade de ser magro, esbelto, saudável e feliz.

Isso me faz lembrar quando entro em campo para jogar futebol. Raras foram as manifestações, mas os olhares eventualmente entregam o questionamento. Duvida-se da capacidade, desconhece-se o histórico. Numa das vezes, depois de interferir positivamente no resultado da partida, ouvi algo como: “ele fechou o gol, apesar de gordo!” Pelo contrário, eu fechei o gol, inclusive sendo gordo.

A obesidade é uma questão de saúde pública e eu a trato, pessoalmente, como tal. Mas ela convive com outros problemas como anorexia, bulimia e desnutrição. O lado nocivo é a negação comportamental e cultural. Em todos os casos, o cenário passa não somente pelo que comemos, mas pelo que queremos ser. Mais do que isso: se vamos engolir e digerir quem os outros, ditatorialmente, querem que sejamos! E sem se assumir como instrumentos de repressão.