domingo, 29 de junho de 2014

A Copa e a urna

A Copa do Mundo é quase sempre previsível. As falsas surpresas costumam atender e alimentar as paixões, mas a proximidade das finais confirma que os tubarões dominam o aquário. A cadeia alimentar acaba sempre preservada.

A política-eleitoral adora a festa do futebol. Gols contra, faltas mais duras, mordidas financeiras e mudanças de esquema tático acontecem com a frequência desejada, sem que os torcedores percebam a virada de campo, sem que os juízes apliquem suspensões.

Em tempos de Copa do Mundo, a política-eleitoral assume escandalosamente o futebol de resultados. É hora de definir os elencos que disputarão o campeonato em outubro. Contratações e convocações, cortes por contusão ou naturalizações de última hora movimentam o mercado de seleções partidárias.

Como as partidas ainda não começaram de fato, os treinos abertos servem de aperitivo para a imprensa, políticos locais – que sonham em atuar em clubes de maior visibilidade – e torcedores-eleitores de facções organizadas. Nesta semana, Santos testemunhou o treino aberto de um dos favoritos ao título. A presidente Dilma Rousseff fez sua estreia na cidade e provocou reações sintomáticas dentro de um esporte cada vez mais carnavalesco. Muito barulho, pouco conhecimento, parafraseando Tostão.

Ao contrário deste texto, transformar a política numa partida de futebol é pouco saudável. Culpar, por exemplo, a presidente pelo trânsito em Santos é tão infantil quanto responsabilizar a tia-avó do interior pela cerveja quente no churrasco. É previsível, evidentemente, que esta reação aconteça, diante da metamorfose da política eleitoral em um Flamengo e Fluminense. Se não é culpa do PT, deve ser coisa do PSDB. E vice-versa, como diria o velho atacante filósofo.

Dilma veio para uma solenidade de anúncio de obras, assim como o governador Geraldo Alckmin faz todos os meses. Se as obras vão acontecer, é outro episódio. Quem se lembra da visita do governador, no ano passado, com seis projetos anunciados que não existiam?

O caos no trânsito reforça o delírio que é chamar a Baixada Santista de região metropolitana. Os congestionamentos indicam como Santos e seus vizinhos são mal preparados para qualquer evento que saia do roteiro cotidiano que, aliás, é marcado pela degradação contínua da mobilidade urbana, para usar uma expressão surrada na boca da classe política.

Acusar a visita da presidente de eleitoreira é como dar ouvidos ao comentarista que repete as palavras do narrador após o gol. Nada acrescenta, assassina o contexto, distrai do real objetivo. É óbvio que tem a capitalização eleitoral em qualquer passeio. Ou os eleitores não capazes de discernir a velha tática?

Analisar o jogo significa conhecer a história dele, estudar cada um dos times envolvidos, acompanhar a fundo – bem antes da competição – a trajetória de cada atleta-candidato. Ler um time e seu principal jogador por apenas uma partida significa apostar todas as fichas na Costa Rica como campeã do mundo.

Copa do Mundo e eleições são quase gêmeas. De perto, é possível notar uma pequena diferença entre elas. Se na Copa do Mundo são permitidas surpresas na primeira fase, as eleições costumam ser previsíveis nesta etapa. A irmã eleitoral raramente apronta e, quando o faz, prepara o susto para a decisão. O problema é que, neste tipo de jogo, times milionários geralmente atropelam os nanicos e ganham de goleada.


sexta-feira, 27 de junho de 2014

A bomba-relógio


Cubatão é uma granada. A cidade tem potencial explosivo, seja para se desenvolver economicamente, seja para estilhaçar a política local. Todos sabem onde fica o pino de segurança, capaz de evitar mudanças ou tragédias. O problema é que ninguém se interessa, de fato, em guardar o armamento em segurança.

O atual prefeito, Wagner Moura, testemunha um período de cessar-fogo e talvez consiga fazer a transição sem sobressaltos. Por enquanto, a dança política segue o caminho da obviedade. Moura adapta o governo à imagem e semelhança, com trocas de secretários e outros cargos de confiança. Marcia Rosa luta para retomar o poder, sem entrar para a História do município pela porta dos fundos.

O Poder Legislativo costura em silêncio, com um olho no Paço Municipal e outro, no Tribunal Superior Eleitoral. A Câmara Municipal é parecida com as demais casas da Baixada Santista. Salvo exceções que não fazem verão, os vereadores se agarram ao poder e aos seus privilégios, abandonam o comandante do barco ao primeiro sinal de naufrágio e não se incomodam em saltar em outra embarcação, mesmo que o estilo de navegar seja distinto.

Cubatão é politicamente predestinada. Nenhuma gestão conhece a paz plena. A diferença, aparentemente, é que desta vez os rumos da montanha russa foram resolvidos no Poder Judiciário. Mas Wagner Moura precisa se proteger de estilhaços. Ele ainda é visto como transitório, mas virará alvo se entrar na disputa eleitoral.

Entre franco-atiradores, turistas e velhos coronéis, meia dúzia de pessoas levantaram o braço para se tornar o próximo prefeito. Esta turma heterogênea só se une para torcer pelo enterro político de Marcia Rosa. Entre blefes e acertos, a campanha política fora de hora é como uma Copa do Mundo na cidade.

A calmaria política, contudo, é ilusória. A guerra pelo poder, mesmo que nos bastidores, nunca deixou de existir. Na verdade, as decisões judiciais colocaram a política local em falso ponto morto. Ninguém se arrisca. É hora de se ter paciência, algo incomum na biografia política da cidade.

Se pensarmos na história recente, Cubatão não costuma solucionar problemas com conversa. As decisões são na bala. Assessores e vereadores foram mortos. Falava-se até em lista de procura-se, como no Velho Oeste. Anos antes, o então prefeito Clermont Silveira Castor foi vítima de atentado. Crimes políticos sem solução.

O próprio prefeito interino, Wagner Moura, teve as duas filhas sequestradas por 38 dias, em 2013. Os sequestradores acabaram presos.

Numa encruzilhada político-eleitoral como esta, o que se pode esperar no município? A decisão do TRE será mesmo soberana? Podemos apostar no diálogo como meio para desatar os nós da discórdia?

Enquanto isso, Cubatão permanece desigual e com graves problemas sociais. Os rios de dinheiro que correm pelo ICMS, por exemplo, nunca desaguaram em desenvolvimento ou redução das diferenças no município. A economia da cidade é tão cinzenta quanto os muros que nasceram nas vilas operárias.

A área da saúde enfrentou, recentemente, denúncias de ambulâncias que viraram sucatas. O déficit habitacional parece insolúvel, quando não acontece gritaria pela revenda ilegal de apartamentos em conjuntos entregues pelo CDHU.

Cubatão, como qualquer peça interessante de não ficção, é um roteiro vivo. É uma história com múltiplos elementos cinematográficos, que envolvem traições, reviravoltas, paixões instantâneas, violência e mortes. Mas é uma combinação explosiva em que o público – parte omisso, parte conivente – é mero espectador da narrativa.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A estação-símbolo


A quem pertence a Estação da Cidadania?
A Estação da Cidadania, encravada na esquina das avenidas Ana Costa e Francisco Glicério, é um símbolo de Santos. Como qualquer endereço histórico, a Estação testemunhou as escolhas feitas pela cidade e assistirá como o município pretende se comportar nos próximos anos.

A antiga Estação da Sorocabana foi um ícone da minha infância. Madruguei no sábado para embarcar no trem que partia às 7 horas em ponto rumo ao Litoral Sul e Vale do Ribeira. Era o início de uma viagem de cinco horas até Juquiá, com dezenas de paradas, muitas delas aos pés da Mata Atlântica.

Com o sucateamento do sistema ferroviário e a opção cristalizada por rodovias e milhares de caminhões, a Estação se reinventou e se tornou um exemplo de cidadania e de combate político, com senso crítico e pluralidade de opiniões. Estive lá inúmeras vezes, de espectador em lançamento de livro sobre o Porto de Santos a palestrante em debate sobre racismo.

O Fórum da Cidadania é morador ilustre da Estação há 12 anos. Mas pode ser despejado, vítima da retórica política. Na semana de aniversário, Pão de Açúcar – responsável pelo espaço -, Polícia Militar e Prefeitura de Santos começaram a empurrar um para o outro a responsabilidade sobre o futuro do Fórum e a nova função da Estação.

Na prática, o Fórum recebeu a notícia de que não poderia mais permanecer lá, assim como a Orquestra Pão de Açúcar, um exemplo de união entre cultura e formação de jovens. A Estação passaria a ser um cobertor de pobre, numa ciranda de ausência de tato político. A Estação passaria a abrigar um posto da PM, que seria desalojada do imóvel na avenida Francisco Glicério, no Campo Grande. O imóvel será demolido por causa das obras – símbolo de falta de planejamento – do VLT. 

O prédio atual foi construído em 1936
A saída do Fórum da Cidadania reforça o caminho que a cidade escolheu nos últimos anos. Santos carrega feridas psicossomáticas de uma cidade que sempre espera um futuro glamouroso. Do turismo de negócios ao maior porto da América Latina. Dos espigões-ostentação aos projetos mirabolantes, o município e seus gestores creem que as demandas sociais somem como mágica. O ilusionismo está gravado nos índices educacionais medianos, nos pronto-socorros lotados e carentes de médicos mal pagos, nos mil moradores de rua que viraram estatísticas.

Despejar o Fórum da Cidadania talvez engrosse a lista de sinais da cidade do futuro. Santos se vende como um lugar pronto para a farra da Copa do Mundo, com museus inacabados e estimativas especulativas de turistas, enquanto vira as costas para um espaço – ainda que tímido – que deveria se espalhar, e não encolher, como centro nervoso de reflexão sobre a vida urbana cada vez mais apertada e cara.

Na última semana, representantes de vários setores da sociedade civil protestaram contra o despejo do Fórum da Cidadania. Gritos e abraços pouco mudam, mas simbolizam a raiva e a frustração de um jogo que não pode parecer perdido, mesmo que os adversários sejam os donos da bola.

Ao contrário de teleféricos e túneis virtuais, a Estação da Cidadania – que um dia simbolizou o sistema de transporte público – é a testemunha real das escolhas que os políticos fazem. Mesmo que o Fórum da Cidadania engrosse a fileira dos sem-teto, a Estação é mais do que um ponto de embarque para o Samaritá, Itanhaém ou Juquiá, mais do que um posto de segurança patrimonial do Estado.

A Estação – Sorocabana ou da Cidadania – está cicatrizada em nós, como um termômetro da cidade que desejamos ser.