sábado, 11 de janeiro de 2014

A descoberta do Maranhão

O único endereço da barbárie?

O Brasil descobriu o Maranhão. Encenou surpresa, dentro de seus próprios domínios, ao localizar um endereço onde imperam o coronelismo, o nepotismo, a corrupção, a pobreza, os baixos indicadores sociais e a violência. Os vídeos que circulam com as decapitações de presos foram a cereja do bolo, recheado com expressões de horror, sangue e reações diante da “novidade”.

O Maranhão é somente a bola da vez, que dava sinais de fazer parte do jogo desde 2009. Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontava, naquele ano, a superlotação dos presídios e que um em cada cinco detentos estava encarcerado de maneira irregular.

Em 2010, uma rebelião na penitenciária de São Luis durou 30 horas e teve 18 mortes como saldo. Em fevereiro do ano seguinte, seis presos foram decapitados na delegacia de Pinheiro, no interior do Estado. As cabeças foram penduradas em grades.

Qual é a diferença entre a matança no Maranhão e as cenas de barbárie que aconteceram em Goiás ou em São Paulo em anos anteriores? Ou nos acreditamos que no sul maravilha as cadeias são suecas ou holandesas? Nestes lugares, presídios foram fechados por falta de gente. Medidas socioeducativas funcionam.

Em Porto Alegre, um presídio com capacidade para 1900 presos abriga mais de cinco mil. Em São Paulo, fingimos apagar as dezenas de mortes em 2006 ou em 2012 nos conflitos com o PCC? Enterramos nossas lembranças junto com os 111 presos mortos no Carandiru?

É revoltante ver, no noticiário, representantes de instituições de todos os poderes sentados em volta da rainha Roseana. A rainha que declarou que 39 mortes até setembro “estavam dentro do limite que se esperava.” Todos, de promotores a juízes, de deputados à governadora, sabiam sobre a matança. E se calaram.

De cada dez presos mortos em 2013, três estavam no Maranhão, que possui somente 1% do número de detentos do Brasil. Os amigos de Roseana se calaram diante de estupros de familiares, de visitas íntimas em ambientes coletivos, de assassinatos. Apenas se mexeram depois que crianças foram queimadas e a chacina invadiu o noticiário internacional.

Da mesa das autoridades, saíram as soluções patéticas do óbvio, assim como as justificativas cujos autores merecem testes de bafômetro. A governadora explicou que “o Maranhão ficou rico.” Por isso, a violência cresceu. Qualquer indicador social a desmente, nem precisava dizer.

Transferir os líderes para prisões federais? São Paulo o fez há cerca de 10 anos, quando o Governo local ainda negava a existência do PCC. As lideranças semearam a metodologia do grupo em outros endereços. No Maranhão, por exemplo, existe uma franquia. O nome é Primeiro Comando do Maranhão (PCM), que possui – assim como a matriz – estatuto, método de cobrança e filiação e níveis implacáveis de punições.

Outra medida anunciada, uma obrigação, na verdade, é regularizar a situação jurídica dos detentos. Qualquer leigo conhece o problema. Os promotores, procuradores, juízes e desembargadores locais se fingiram de mortos, enquanto gente morria aos montes nas masmorras.

Mutirões midiáticos não resolvem a questão. Enquanto isso, sugestões como um ano de estágio obrigatório para estudantes de direito em penitenciárias, visando amenizar o caos jurídico, são ignoradas. E olha que estas ideias vêm de ministros do STF. Cerca de 100 mil presos, estima o CNJ, não deveriam estar encarcerados. Eles não caberiam no novo Maracanã.

Quando envia forças federais para o Maranhão, o Ministério de Justiça joga para a torcida. Como o curral pertence aos Sarneys, o governo Dilma faz o mínimo e privilegia o silêncio. Faz o cálculo político para não arranhar o PMDB nem o coronel ex-presidente em ano eleitoral.

Recusei-me a assistir aos vídeos com as decapitações. Morbidez demais. Bastaram-me as fotos. Os vídeos não me trariam nada novo, além de cultivar o horror instantâneo das imagens. Imagens redundantes diante de um tumor que se espalhou pelo país inteiro. Doença que é tratada com aspirina e remedinho para febre, com olhares de falsa indignação para as câmeras.

Na Baixada Santista, região onde moro, os presídios também estão superlotados. O que o Governo local anuncia como publicidade? Mais obras. Não dialoga com outras instâncias e empurra o problema, com a anuência de parte do eleitorado, para trás dos muros de cinco metros de altura.

Construir presídio e exterminar bandidos traz votos. Sempre trouxe. A limpeza social, ainda que não assumida como tal, agrada a todas as classes, inclusive as que são marginalizadas.

Não é difícil entender os próximos passos, tamanha a repetição de episódios. Os presos serão transferidos. As mortes reduzem temporariamente. O horror se esvai nas ações estratégicas, como dizem os amigos de Roseana. Obras serão anunciadas pelo mesmo Governo que suspendeu a construção de dois presídios no ano passado. E se mantém a média de nove em cada dez homicídios não investigados no país.

O Brasil seguirá como o quarto país em número de presos. São 550 mil pessoas, 40% no Estado de São Paulo. O país só perde para Estados Unidos, China e Rússia.

O sul maravilha ficará mais tranquilo ao saber que o Maranhão ainda está longe daqui. Isso é coisa da terra sem lei, dos coronéis. Até a próxima descoberta territorial, até as próximas cabeças que irão rolar, literalmente.

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