A cultura das leis como exercício de poder |
Às vésperas da virada de ano, os vereadores de Santos e Guarujá aprovaram projetos de leis que, acima de tudo, nascem mortos, quando não contaminam o Poder Executivo com burocracia. Isso que podem criar conflitos jurídicos.
A Câmara Municipal de Santos aprovou, no pacotaço de final de ano, que incluiu o aumento do IPTU e a criação de Organizações Sociais, um projeto de lei que proíbe o uso de celulares e tablets em sala de aula. Trata-se, claro, de um comportamento que exige bom senso, por exemplo, dos professores.
O projeto de lei, de autoria de Antônio Carlos Banha Joaquim, é o retrato da desinformação do Poder Legislativo, mais interessado em atender seus currais eleitorais do que discutir corretamente problemas de relevância social. O vereador alegou, no site da Câmara, que o projeto visa colaborar com o “desenvolvimento e concentração em sala de aula”.
Na imaginação do parlamentar, qual o perfil de aluno que frequenta a rede municipal de ensino? Uma lei para evitar que troquem mensagens por celular ou joguem durante as aulas?
Em vez de fiscalizar a Prefeitura, vereadores operam no atacado, entulhando projetos que beiram a inutilidade e que transferem – depois do cumpra-se! – a responsabilidade de fiscalização, sem avaliar se a aplicação da lei é possível.
Neste caso, a Câmara ignorou um parecer negativo da Secretaria Municipal de Educação que, inclusive, apontou contradições em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com a sanção do prefeito, o projeto de lei obriga a Seduc a alterar o regimento interno. Mais papelada em janeiro, período de planejamento do ano letivo. Depois, todos se fingem de mortos.
A fiscalização ficará a cargo dos professores, como se não tivessem mais o que fazer. É a velha visão de que a escola serve como para-raios social. Não sabe como resolver? Vamos engordar as costas da escola.
Como toda lei prevê punição, os alunos que usarem os aparelhos eletrônicos sem autorização podem ser advertidos, orientados a fazer pesquisas ou até suspensos. Precisa de lei para isso? E a responsabilidade dos pais, que transformam celulares e tablets em coleiras eletrônicas?
Em Guarujá, a Câmara Municipal aprovou projeto de lei que obriga a ocupação de cargos de primeiro escalão por profissionais que residam na cidade. O projeto de lei, de Geraldo Soares Galvão, estabelece 30 dias para que os funcionários comprovem residir no município sob pena de exoneração.
A lei é, no mínimo, provinciana. Morar na cidade, segundo o vereador, representa a garantia de comprometimento com os interesses do município. Secretários como Mariângela Duarte, da Cultura, e Élio Lopes, de Meio Ambiente, seriam afetados pela legislação.
Veja o caso de Élio Lopes. Ele é um engenheiro que trabalha com questões ambientais desde os anos 80. Atuava em Cubatão no tempo em que a cidade era conhecida como Vale da Morte. Comandou a Cetesb. É professor universitário na área. Ele não estaria capacitado para atuar na pasta?
Se residir na cidade fosse garantia, Guarujá não teria prefeitos que acabaram na cadeia, vereadores acusados de receber mensalinho, entre outros escândalos.
As casas legislativas brasileiras colecionam exemplos de que um mandato pode ser burocrático a ponto de virar as costas para a vida real. A paranoia por criação de leis é um exemplo. Não surpreende, portanto, que existam leis que pegam e leis que não pegam. Há dúvidas sobre onde se enquadram os casos acima?
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