segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Enganando os velhos



Marcus Vinicius Batista


O ônibus 17 parou no primeiro ponto assim que entrou no canal 4. Duas senhoras tinham feito o sinal. Como havia um carro estacionado em local proibido, o coletivo ficou uns dois metros afastado da calçada. A primeira senhora subiu com alguma dificuldade no ônibus.

A segunda mulher se segurou nas portas, fez força e não conseguiu. Fez força e não conseguiu novamente. Fez um pouco mais de força, balançou a cabeça em negativo, agradeceu e voltou para o ponto. Esperaria pelo próximo.

Bastou passar a eleição para que a vida se normalizasse com a velocidade de um ônibus atrasado para o ponto final. Os políticos só aparecem nas entrevistas, muitos desaparecem das ruas, alguns choram as pitangas nos currais, outros sorriem de orelha a orelha nos mesmos endereços.

Seguindo o caminho da normalidade, os vereadores de Santos - salvo exceções - mantiveram seus dedos rígidos para votar contra parcelas do eleitorado e dizer amém para a Prefeitura.

Na segunda-feira, dia 17, 15 vereadores votaram a favor do veto do prefeito Paulo Alexandre Barbosa para o projeto de lei que determinaria a adaptação de todos os ônibus da cidade. As exceções foram o autor do projeto, Antônio Carlos Banha Joaquim (PMDB), e Evaldo Stanislau (Rede). O presidente da Câmara, Manoel Constantino, só votaria se houvesse empate, mas ele se manifestou a favor do veto.

O projeto estabelecia a instalação de mais um degrau nos ônibus, o que reduziria a diferença para 20 centímetros do chão. A Prefeitura alega que o projeto é inconstitucional, pois afeta o contrato firmado com a Viação Piracicabana, única operadora do sistema de transporte municipal, nas linhas circulares. O projeto passou pela Comissão de Justiça da Câmara, que serve justamente para analisar a viabilidade jurídica dos projetos.

Além disso, a administração afirma que a adaptação nos ônibus causaria desequilíbrio financeiro à empresa, com possível reajuste da tarifa. Logo a Prefeitura, que aumentou suas dívidas nos últimos quatro anos. Os vereadores assinaram embaixo, na frente e do lado.

No ano passado, os parlamentares já tinham virado as costas para passageiros idosos. Na ocasião, eles vetaram a redução da gratuidade nos ônibus para pessoas com 60 anos. Hoje, vale para quem tem 65. O Estatuto do Idoso classifica como tal a pessoa que completa 60 anos.

Apenas para lembrar em quem você votou, veja os nomes de quem votou contra os passageiros idosos: Ademir Pestana, Carlos Teixeira Filho (Cacá), Geonísio Aguiar (Boquinha), Jorge Vieira da Silva Filho (Carabina); José Lascane, Kenny Mendes, Roberto Teixeira (Pastor Roberto), Sadao Nakai, Sandoval Soares – todos do PSDB.

Além deles, também aprovaram o veto os vereadores Adilson dos Santos Júnior (PTB); Benedito Furtado e Igor Martins de Melo (PSB), Hugo Duppre e Zequinha Teixeira (PSD) e Sérgio Santana (PR).

Cinco deles não estarão mais na Câmara a partir de 2 de janeiro. Só que os outros dez colegas ficarão até 2020. Nada como a volta à vida normal, inclusive para quem vota em plenário e não sabe - ou se esqueceu - o que é pegar ônibus.

domingo, 30 de outubro de 2016

Santos, Praça dos Andradas, 1964


Marcus Vinicius Batista

O ator Caio Martinez vestia uma farda policial, da cintura para cima. Da cintura para baixo, uma saia preta, meia calça preta rasgada e um coturno da mesma cor. Caio estava algemado e cercado por três policiais militares, esses de fardas oficiais.

Os policiais colocaram Caio Martinez, como um criminoso, na parte de trás da viatura, e o levaram para o 1º Distrito Policial de Santos. Meia hora antes, ele e outros atores encenavam a peça "Blitz", uma comédia que brinca com o autoritarismo e o estereótipo do policial.

A peça, encenada na Praça dos Andradas, no Centro de Santos, fazia parte de um sarau, que terminaria na Vila do Teatro, no mesmo endereço. O espetáculo foi interrompido por meia dúzia de viaturas da PM - uma dúzia de policiais - mais viaturas da Guarda Municipal.

Os policiais, inicialmente, alegaram que o problema da peça na praça era o som alto emitido pelas caixas. No meio das discussões entre artistas e policiais, um dos PMs reconheceu: "o problema é o tom da peça."

Os PMs não conseguiam falar a mesma língua. Dois deles tentaram prender uma garota, depois desistiram diante das pressões. Um dos atores perguntou: "Qual crime?". A resposta: "Ainda não sei!".

Os artistas acusaram PMs de filmar as pessoas na praça logo após a interrupção do espetáculo. Como reação, quiseram apreender os telefones de atores e atrizes, sob a alegação de que desejavam ver o conteúdo. Muitos filmaram e fotografaram a ação da PM.

Um dos motivos da realização do sarau era a discussão do papel da praça nos tempos atuais. Uma conversa derivada, entre outras coisas, da festa A Praça É Nossa!, que reuniu quatro mil pessoas na Praça dos Andradas, há duas semanas. Na ocasião, guardas municipais e policiais militares não sabiam como agir diante de tanta gente, num evento sem caráter oficial/governamental.

A ação deste domingo na Praça dos Andradas ressuscitou tempos perigosos. Tempos de atos autoritários. Tempos nos quais as figuras que se julgam donas da lei - sem especificar quais são elas - se consideram capazes e legitimadas para tomar quaisquer atitudes diante de uma manifestação popular.

Os policiais militares tentaram apreender os equipamentos da peça. Não havia alegação alguma. Apenas repetiam o mantra de que os artistas não poderiam retirar seu material da praça. Depois, desistiram. Artistas e voluntários recolheram os adereços, os cenários, desmontaram um andaime e guardaram tudo na Vila do Teatro, enquanto o ator Caio Martinez seguia para a delegacia mais próxima como um marginal.

O que testemunhei hoje, na Praça dos Andradas, oscila entre a ironia, a tragédia e a violência. Ironia porque a praça, tão lembrada pela dificuldade do poder institucionalizado em compreender seu próprio papel como protetor de pessoas e não de patrimônio, deveria representar a liberdade pela sua natureza pública. Liberdade em permitir, como espaço público, os mais diferentes ato de pensamento, ainda mais pela arte, ainda mais pelo teatro, de essência política. 


Artistas em frente à delegacia, em apoio à Caio Martinez
Foto: Rodrigo Montaldi Morales

A tarde de hoje será lembrada também pela tragédia, como alerta para a ressurreição de uma época onde a mordaça vinha pelos cassetetes, pelas celas, pelos carros com sirenes conduzindo "gente subversiva".

A violência se completa na reação de quem tenta fazer desaparecer o que não consegue entender e, diante do papel que ocupa, prefere determinar a não ouvir. Os policiais militares demonstraram sua limitação diante do oxigênio cultural. Não conseguiam respirar diante da piada sobre si mesmos.

Orientados a destruir sem refletir, os policiais militares não percebiam que reproduziam a censura, a fita preta na boca, num período democrático. Parte sequer se sentia ofendida. Apenas tentava tirar "aquele bicho" dali.

A Praça dos Andradas, antes cercada e hoje livre para a arte e a política, carrega em si as tatuagens da história, tanto as páginas coloridas como as manchadas pela truculência. É a praça da Cadeia Velha, que serviu para calar as vozes dissonantes como para abrigar quem enxerga além da superfície pela cultura. A mesma Cadeia Velha que testemunhou, a 50 metros de distância, a prisão de um ator, vestido como personagem que tentava dar voz a uma crítica contra quem o algemava.

A Praça dos Andradas leva no nome a história de uma família que pensou e trabalhou politicamente pelo país. Que viveu e sofreu as surras de quem vive para emudecer o canto alheio. Uma praça que carrega uma história de resistência, de conflitos com o poder.

A boa notícia, a flor que nasce na secura da terra, é que a ocupação das praças se tornou inevitável. Que a arte vai se reproduzir, como células sadias, nos espaços públicos para dizer o que pensa, para criticar com todas as letras as cartilhas que são folheadas nas entrelinhas, para mostrar como o teatro, a música, o circo e tantas outras manifestações servem para o homem sair do lugar, e não paralisá-lo na frente de cassetetes e palavras de ameaça.

Hoje à tarde, a Santos de 2016 voltou - por uma hora - a 1964. Não como farsa, no palco a céu aberto, mas como remake, estrelado pela ignorância e pela truculência.


Em tempo: a peça "Blitz" teve apoio do Proac, ligado à Secretaria do Estado da Cultura. Apoio do Governo do Estado, o mesmo que sustenta a PM.      

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A praça é nossa!

A quem pertence a praça pública? Qual é o papel dela?

Marcus Vinicius Batista

A fórmula para a desorientação era simples. Quase quatro mil pessoas ocuparam a praça dos Andradas, no último final de semana, no Centro de Santos. A praça, cercada por grades até recentemente, ganhou vida. Muito mais vida do que ser o local de passagem para a Rodoviária.

O colorido humano desnorteou a Guarda Municipal, instituição que existe para proteger patrimônio, e não pessoas. Como proteger o patrimônio, que também pertence às pessoas, delas mesmas? De quem é a praça, num evento que se chama "A praça é nossa"?

Sobraram ordens, contraordens, notas oficiais, silêncios e reuniões para saber o que fazer com as pessoas que resolvem se divertir nas praças. No mês passado, centenas de jovens circulavam e se espremiam na praça das Bandeiras, no Gonzaga, por causa da febre da caça aos Pokemons. A cultura japonesa deixaria jovens mais calmos, sem a necessidade de intervenção?

Por trás das ações dos coletivos ou da paralisia do Poder Público, nascem as questões: qual é o papel das praças? Para que elas servem?

As praças perderam seu papel original, lá da Grécia Antiga. Nas praças, a Filosofia começou a sair do útero do pensamento humano. Nelas, emergiram debatedores que foram eternizados, como Sócrates e Platão. As praças, na Antiguidade, eram locais públicos, de nascimento e de vida, onde pessoas trocavam visões de mundo, colocavam no chão ou nos céus as ações coletivas e faziam política.

A modernidade quase assassinou a praça. Transformou-a em caminho, em ponte de passagem para o outro lado da via pública. As praças são lembradas, de vez em quando. A da Independência, por exemplo, em comemorações de campeonatos do Santos ou em manifestações políticas recentes. Manifestações que devem estar, por sinal, no mesmo armário onde as panelas hibernam em silêncio.

Os coletivos culturais lutam para ressuscitar o papel da praça. Mais do que um lugar de encontros pontuais, as praças têm que ser tomadas com mais frequência, para todos os gostos, cantos e olhares. E o Poder Público que aprenda a conviver com a novidade e prepare seus funcionários para lidar com o novo (ou a volta do velho).

A ocupação da praça dos Andradas chega a ser uma dose irônica de colírio, numa cidade onde muitos veem e idolatram o que é, para eles, o melhor lugar para se reunir num sábado à noite: a Praça de Alimentação. Esta não pertence às pessoas, e sim ao shopping center.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 19 de outubro de 2016.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

Setembro, o ano inteiro


Marcus Vinicius Batista

As fitas amarelas saíram dos casacos, vestidos e camisetas. A passagem do mês mudou a cor. O outubro é rosa. A campanha é igualmente importante. Importante é que não troquemos uma pela outra.

Em setembro, suicídio entrou na agenda social. De debates nas universidades a programas de TV. De reportagens na imprensa a relatos de familiares e amigos. A campanha "Suicídio - é possível prevenir" cutucou um tabu que resiste o ano inteiro, que fingiu fraquejar no mês passado.

O suicídio está entre nós, como ação humana que independe de classe social, religião, cor da pele, lugar, gênero ou idade. O suicídio é uma questão de profunda gravidade, que precisa ser tratada como de todos. Quem não conhece alguém que se matou? Algum parente ou amigo que sofreu a perda, passou pela impotência de desconhecer que o suicida sofria calado, sofria invisível?

Assim como fugimos da morte ou a transformamos em espetáculo, destinamos o silêncio ao suicídio. É essencial tratar sem moralismos como fraqueza, egoísmo ou imaturidade. Suicídio é a resposta para o sofrimento contínuo e subterrâneo. É a resposta para todas as respostas que falharam.

Segundo o Centro de Valorização da Vida (CVV), o Brasil registra 25 suicídios por dia. Mas o número é subestimado. Muitos casos são registrados como acidentes ou como mortes sem causa aparente.

A Organização de Saúde (OMS) defende que 90% dos casos poderiam ser evitados se houvesse uma rede de atendimento. É...falta política pública em todos os níveis, sem falar que a saúde mental é o primo miserável na fila das verbas para o setor.

Para cada suicídio, a OMS fala em 20 tentativas. Mas o número é subestimado, pois só contabiliza os casos registrados em hospitais. Muitas vezes, o suicídio - por ser tabu - é enterrado nos armários da família, no silêncio dos colegas de trabalho, na mudez dos parentes e amigos próximos, que ajeitam válvulas de escape para criar outros temas ou simplesmente amenizar as feridas que seguem abertas. A OMS calcula que um suicídio afeta de cinco a dez pessoas próximas. Temos que falar sobre isso.

O suicídio está além da associação com loucura ou com a exclusividade da depressão. Ou com a perda de emprego. A morte é o final de um processo, com alertas de toda ordem. O suicida sempre dá sinais antes de tentar acabar com a vida. Ou melhor, com a dor. E conversar sobre o que o aflige é um caminho para o acolhimento, que pode aliviar as dores, que pode vislumbrar um caminho novo.

Conversar sobre o tema, tirar o manto do tabu é, acima de tudo, ouvir. Ouvir. Ouvir. O que menos ajuda são dedos apontados, determinar o que o outro deve fazer ou acusá-lo de fragilidade, de infantilidade, de fuga.

O suicida não é um covarde. Tampouco um corajoso, capaz de acabar com a própria vida. Isso não vem ao caso. O suicida em potencial precisa de alguém que o escute, que o ampare para torná-lo visível e relevante. O CVV, trabalho voluntário de escuta, deveria estar em todos nós.

As campanhas mudam de cor. Do amarelo para o rosa. Em novembro, o azul. Por que não podemos adotar o arco-íris o ano inteiro?

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Entre alunos e professores, o humano




Marcus Vinicius Batista

Passei 33 dos meus 42 anos de vida dentro de uma sala de aula. A maior parte do tempo como aluno. 14 anos como professor. Os últimos três, nos dois lados do balcão, dentro da mesma universidade. Voltei à graduação e convivo com colegas com metade da minha idade ou menos. Duas vezes por semana, desço um lance de escadas para trocar de papel. Do Jornalismo à Psicologia. O aprendizado se funde em ambos os papéis.

Conheço, infelizmente, uma escola em seus intestinos. Conheço, com alegria, uma escola em sua alma. Por suas almas que passam pelas roletas todos os dias. O tempo, as leituras, as relações humanas, as vivências e o peso da idade derrubaram todas as ilusões. Ilusões diferem de sonhos e desejos. Ilusões se aproximam de fantasias, de delírios e alucinações.

Desconfio de datas comemorativas. Elas nos trazem o reconhecimento do instante, mas também nos entregam as convenções sociais. O resto do ano é o único termômetro para medirmos em qual dos dois endereços moram os cumprimentos. Eu agradeço a todos no Dia dos Professores, por exemplo. O nível do meu entusiasmo indica, nas entrelinhas, se estamos falando a mesma língua.

Como professor, não sou herói. Sou humano e falível, inclusive com pilhas de contas a pagar. Posso ser generoso e grosseiro, simpático e arrogante, transparente para ajudar, cristalino para reagir conforme o tom da música. Isso tudo na mesma aula, assim como quem se senta para me ouvir e para dialogar comigo.

Ser professor é um ofício. Um trabalho profissional. Não sou colaborador ou voluntário. Posso e costumo sê-lo com muitos alunos, fora dos horários, fora das instituições, no auxílio diante de um problema pessoal ou acadêmico. Mas defendo que é preciso respeitar para que a recíproca seja verdadeira.

Meu trabalho não é missão. É de formação de pessoas, que precisam se sentir motivadas e disponíveis para o aprendizado. Tampouco sou sacerdote. Não sou messias de uma religião chamada conhecimento. Sou um operário que trabalha duro e tenta assumir as responsabilidades, quando falha, atrasa, se ausenta ou não atende às expectativas.

Sou também aluno. Nunca fui brilhante, sempre acreditei na dedicação e no esforço e caminhei adiante com estas duas bandeiras debaixo do braço. Acima de tudo, enxergo - por coerência comigo mesmo, inclusive - o professor como humano.

Se estou cansado, não vou à aula. Minha distração o desrespeita. Se não concordo com o professor ou o considero negligente, não o exponho. Uso meu limite de faltas. Prefiro não entregar um trabalho ou fazer uma prova sem me preparar. Não o ofenderei com bobagens. Se houver outra oportunidade, ótimo. Caso contrário, paciência. Sei o que são pilhas de papéis para ler.

Meu vício é o conhecimento. Leio, vejo e ouço. Dispenso a paranoia das notas, a obsessão pela chamada. Acredito na liberdade de escolha.

Minha mãe me dizia que nunca me via estudando. Nunca me via diante de uma mesa a decorar, a injetar nomes, datas e informações no cérebro. Entulhos a serem esquecidos assim que uma avaliação descansa na mesa do professor. E facilmente localizáveis pelo Tio Google.

Minha mãe se enganou. Estudo o tempo todo. Aprendo com fome e sede. Fome de livros. Sede em conversar com pessoas. Ouvir, assistir, absorver e, como farol, entender!

A escola, para o professor e o aluno que moram em mim, não fica nos prédios. Está, o tempo todo, nas pessoas que ressuscitam todos os dias o concreto, as vigas de ferro e, eventualmente, o giz que risca uma lousa. Ou o clique do mouse que sacode um projetor em tela branca.

Sem as vidas humanas, a escola é só um prédio escuro na paisagem que poucos, de fato, admiram.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 15 de outubro de 2016.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Os linchadores e os otários



Marcus Vinicius Batista

Os linchadores nunca sabem o que fazem. Eles procuram por violência quando acreditam estar a serviço da justiça. Não conseguem sequer ser justiceiros, já que erram na escolha das vítimas. Podem acertar um dos réus, mas jamais alcançam seu cúmplices.

Os linchadores costumam ser cegos. Espancam quem está por perto, nas redondezas, sem enxergar quem passeia com liberdade embaixo de seus narizes, mesmo que esteja fedendo a esterco. Giram o taco para bater em quem estiver caído e não escutam que os criminosos assistem a tudo pelas suas costas.

Os linchadores gritam por vingança, mas desconhecem o inimigo que os prejudica antes, durante e depois da execução sumária. Vingam-se sem conhecer a natureza do mal que os diminui, que os transforma em carcereiros e carrascos e os fazem se sentir como juízes de toga e títulos na parede do gabinete.

Os linchadores são covardes travestidos de valentões. Pacatos e até palermas quando sozinhos, eles enchem o peito e pegam em armas quando juntos, quando massa de manobra de quem gritou: "Pega, mata e come!" Eles têm sangue nas mãos e desaparecem quando o corpo jaz no solo, disforme e sem nome.

Os linchadores são individualistas. Usam o outro, o do lado, o próximo para colocar para fora, via pancadaria e berros, o que nunca conseguiram fazer no cotidiano. Abaixam a cabeça nas filas, pagam o que é devido e o que é ordenado, cagam as regras que nunca pensaram em perguntar porque existem.

Os linchadores são pontuais. Execram, julgam e condenam num piscar de olhos, numa porção de cliques, na meia de dúzia de xingamentos. O contexto não lhes serve. Eles servem ao contexto. Não entendem a estrutura. Desprezam a análise e o pensamento. Amam a sessão de descarrego.

Os linchadores estão entre nós. Agora, eles vivem em silêncio. Ajudaram a criar um cadáver. Mentiram. "Vamos pegar o próximo. Ele tem muito a temer." O dono da fazenda Brasil maneja seu gado como quer. As panelas voltaram para os armários ou foram terceirizadas nos fogões.

O relógio começa a contagem regressiva para a velha volta, onde o pássaro, em vez de gritar cuco, pergunta: "quando eles vão perceber que foram enganados?"

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 11 de outubro de 2016.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Kayo Amado - a voz da resistência


Marcus Vinicius Batista

Se Carina Vitral foi a candidata do amor e ódio nas eleições da Baixada Santista, Kayo Amado (Rede) foi a maior surpresa nas urnas. A eleição em São Vicente só não foi ao segundo turno por 800 votos. Amado conseguiu 48.641 votos, ou 28,1%. Isso representa, de saída, que três em cada dez eleitores não quiseram Pedro Gouvêa, antes dele começar a gestão. Descontentes com quem e o que o novo prefeito representa.

Kayo, aos 25 anos, personaliza o desejo de parte da cidade, que encontrou na candidatura dele voz para protestar contra o domínio do grupo político do vice-governador Márcio França.

Kayo vem de um partido pequeno, a Rede, que não decolou em termos nacionais. Vive de uma cacique - Marina Silva - e não aparece entre os dez maiores partidos, em número de prefeituras.

O candidato da Rede encaixou a estratégia de marketing. Imagem de juventude, discurso progressista, o novo na forma de se comunicar, via redes sociais. O "pulo do gato" se materializou na campanha na Internet e a decisão judicial para participação no debate da TV Tribuna. Todos ganharam visibilidade, inclusive a emissora.

Ele é a cara da renovação, numa cidade que opta por repetições. O atual prefeito, Luiz Cláudio Bili, não foi a mudança. Ele simbolizou o protesto contra os Franças. Tanto que, na noite da vitória, Bili reconheceu que a derrota de Caio França foi maior do que a própria vitória. Aliás, a diferença de letra inicial (K e C) do nome talvez reforce discursos distintos.

A questão agora é: o que Kayo Amado fará com 48 mil votos na bagagem? A eleição atual serviu de vitrine para 2018, quando ele poderá tentar ser deputado estadual. O cargo o afastaria da cidade, mas daria poder de fogo financeiro para interferir, de forma indireta, na gestão de Gouvêa.

A votação dele também pode funcionar como válvula de crescimento do partido, em São Vicente. Seria uma voz da oposição? Mas como fazê-la, já que a Câmara Municipal é - historicamente - um anexo do gabinete do prefeito, desde a chegada de Márcio França ao poder?

Até que ponto Kayo Amado resistirá, como fenômeno eleitoral? Quatro anos são muito tempo para o eleitorado. Para não parecer fogo de palha numa cidade de velhas tradições, Kayo tem que manter a Internet como amigo íntimo, enquanto pula os muros dela.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 8 de outubro de 2016.

domingo, 9 de outubro de 2016

O PT respira ... por aparelhos


Marcus Vinicius Batista

O desastre era previsível. O Partido dos Trabalhadores, estigmatizado como único responsável pela corrupção no país, tomou o maior tombo de sua história nas eleições municipais. Em São Paulo, por exemplo, o PT tinha 70 prefeituras. Ficou com oito.

A Baixada Santista, como qualquer região, tem particularidades políticas e eleitorais. Isso nos conduz a outro caminho de análise, sem se prender de forma exclusiva ao cenário nacional.

Na Baixada, o PT vem perdendo espaço há mais de uma década. A região é de natureza conservadora e, neste sentido, o PT nunca foi uma potência soberana, diferente do Grande ABC, onde o partido nasceu e cresceu e agora vê sua força posta em dúvida.

O Partidos do Trabalhadores só teve prefeito em São Vicente na década de 90, com Luiz Carlos Luca Pedro. Na Câmara, dois vereadores, Brito Coelho e Mara Valéria. Hoje, ninguém.

A única representante da sigla em Cubatão, uma cidade operária, foi Márcia Rosa, que entrega o segundo mandato no final do ano. Lá, ela indicou Fábio Inácio como sucessor, mas ele acabou em quinto e último lugar. A cidade terá dois vereadores, em 2017: Rafael Tucla e Jair do Bar.

O PT teve - e ainda tem - seu maior reduto em Santos. Dois prefeitos seguidos - Telma de Souza e David Capistrano - no século passado ainda geram resposta de parte do eleitorado. No município, restaram cerca de 3 mil filiados, um terço do PSDB, que reelegeu Paulo Alexandre Barbosa.

O PT oscila na maior cidade da região, pois deixou de ser uma legenda de retórica ideológica e caiu na vala comum do personalismo. Isso ficou claro com o desaparecimento da estrela, da sigla do partido e a troca do vermelho pelo rosa. Uma estratégia de marketing incapaz de enganar o eleitor e que soou como vergonha do passado recente.

O PT não teve candidato a prefeito pela primeira vez. Ajudou a construir Carina Vitral, do PC do B, e ficou com o vice. Acabou no pacote suicida da oposição. Terminou em segundo, mas com pouco mais de 6% dos votos, pior desempenho da história na disputa pela Prefeitura.

A compensação foi a volta à Câmara Municipal. Parte da gestão atual não teve representantes petistas, com as saídas de Evaldo Stanislau e Adilson Júnior para outros partidos. O PT voltará ao Castelinho com Telma de Souza - com 40% da votação de oito anos atrás - mais Chico do PT, com origem no setor portuário.

O Poder Legislativo terá vereadores do PT também em Praia Grande e Guarujá. Em Praia Grande, Janaina Ballaris conseguiu a reeleição. No Guarujá, Edilson Dias. O partido não terá parlamentares nas outras cinco cidades da região (Bertioga, Itanhaém, Peruíbe, Mongaguá e São Vicente).

O PT, de maneira involuntária, retorna à origem de representação parlamentar e de oposição. As perguntas: será que o PT ainda tem fôlego para dar conta deste trabalho? Até que ponto a surra nacional impedirá o partido de se recuperar? Será preciso mudar de nome para que as lideranças atuais sobrevivam em termos políticos?

Na Baixada Santista, o partido pagou pela soberba. Não formou novos quadros, exceto um ou outro nome que navega sozinho. As lideranças foram para as sombras, parte delas nos gabinetes de Brasília nos últimos anos, parte aposentada pelas urnas.

O PT perdeu, inclusive, espaço como liderança da esquerda, embora tenha flertado e namorado com o centro muitas vezes desde que assumiu a Presidência. Não me refiro aos acordos políticos para governar, mas a política econômica, a relação com o meio ambiente, entre outros pontos.

As eleições municipais abriram espaço para o PSOL, frágil na Baixada Santista, mas com surpresas em diversas cidades brasileiras, a maior delas o segundo turno, no Rio de Janeiro.

O PT, pela história que construiu antes do estigma (e da prática) da corrupção, precisa definir qual rota seguir. Se mantiver a empáfia daquele que um dia foi, só restará a transformação em legenda nanica. Na região, chegou bem perto desta fronteira.

sábado, 8 de outubro de 2016

Política é coisa de homem


Marcus Vinicius Batista

As eleições costumam provocar uma série de fantasias. Fórmulas que nada representam além de especulações. O eleitor como vítima, e não cúmplice, por exemplo.

Outra das ilusões é a crença de que mulheres votam em candidatas. Gênero nunca significou critério de escolha de voto, exceto para uma minoria militante e voltada aos partidos à esquerda.

Nas últimas eleições, sete das nove cidades da Baixada Santista escolheram prefeitos do PSDB. As Câmaras também optaram por partidos de postura conservadora, o que resultou na confirmação do predomínio masculino no cenário político local.

Por ironia, a cidade de São Vicente terá uma vice-prefeita: Prof. Lurdinha. No entanto, haverá uma queda importante no número de mulheres que comandam o Poder Executivo. Somente Praia Grande, Santos e Guarujá registraram candidatas a prefeito.

Guarujá tem chances de manter uma mulher como governante. Depende se Haifa Madi repetirá a vitória do primeiro turno contra Valter Suman e, assim, se tornar sucessora de Maria Antonieta de Brito. Os adversários, porém, alegam que Haifa concorre pela impossibilidade da candidatura do marido, o ex-prefeito Farid Madi.

Em Cubatão, Márcia Rosa deixa o governo depois de oito anos. O sucessor será Ademário, do PSDB. O próprio PT indicou um homem, Fábio Inácio, para sucedê-la. Inácio terminou em quinto e último lugar.

Peruíbe mudou 180 graus. Em 2012, três candidatos a prefeito. Todas mulheres, com vitória de Ana Preto. Ela dispensou a reeleição. A disputa teve oito candidatos, todos homens. Uma das candidatas em 2012, a ex-prefeita Milena Bargieri, concorreu à vereadora e foi a mais votada.

A ausência feminina se reflete nas Câmaras municipais. Em 2012, seis cidades não elegeram vereadoras. Na eleição deste ano, a situação melhorou um pouco. Quatro seguem sem mulheres no parlamento municipal.

Na prática, é somente uma brincadeira com números. A mentalidade segue intacta, cristalizada. As nove cidades terão 135 vereadores. Sete são mulheres, menos de 5% do total. A Câmara dos Deputados, em Brasília, tem 9% de participação feminina.

Bertioga reelegeu Valéria Bento, mas Beth Consolo ficou de fora. Praia Grande reelegeu Janaína Ballaris e Tati Toschi. Em Guarujá, Andressa Sales será a única representante na Câmara. Em Peruíbe, Milena Bargieri ocupará a vaga que era da Dra. Laila.

A cidade de Santos terá duas vereadoras: Audrey Kleys - bancada de apoio ao governo - e a ex-prefeita Telma de Souza, na oposição. A atual gestão não tem mulheres, a primeira vez desde a redemocratização do país, na década de 80.

Cubatão, São Vicente, Mongaguá e Itanhaém terão bancadas totalmente masculinas, a partir de janeiro. Estes municípios repetem a atual legislatura.

O cenário acima é previsível. O problema não reside nos resultados, mas na concepção de política e na estrutura interna dos partidos. O PSDB, maior vencedor deste ano na região, sempre teve homens no comando. Raras foram as mulheres com visibilidade.

A presença feminina é, historicamente, uma característica dos partidos de esquerda. Em Santos, com as exceções de Sandra Arantes - a filha do Pelé, já falecida - e da suplente Fernanda Vanucci, todas as mulheres com cadeira na Câmara tiveram passagem pelo Partido dos Trabalhadores. Em São Vicente, Mara Valéria foi por anos a única mulher no Poder Legislativo e era filiada ao PT.

As duas candidatas a prefeita de Santos, Carina Vitral e Débora Camilo, são de partidos de esquerda. PC do B e PSOL, respectivamente. Em eleições passadas, Telma de Souza foi a única candidata.

O ponto fora da curva aconteceu em 2008, quando Maria Lúcia Prandi (PT), Mariângela Duarte (PSB, na ocasião) e Eneida Khouri (PSOL) constituíram maioria feminina entre as candidaturas. Coincidência ou não, o vencedor foi João Paulo Tavares Papa (então PMDB), na maior votação proporcional, cerca de 77%, até hoje.

A política, triste dizer, continua como um universo masculino. Duvida? Ainda que as mulheres representem maioria do eleitorado no país e na Baixada Santista (em Santos, elas são 54%), os governos criam secretarias, ministérios ou departamentos voltados para a mulher, no pacote de atendimento às minorias.

No Brasil, ter uma mulher na presidência nunca foi tendência. Foi uma circunstância.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 6 de outubro de 2016.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O mundo, segundo os vicentinos



Marcus Vinicius Batista

O escritor Júlio Verne profetizou, na ficção, que a volta ao mundo dura 80 dias. Na vida real, o russo Fedor Konyoukhov fez o trajeto em 11 dias, num balão de ar quente. Já o britânico Kevin Carr precisou de 621 dias - quase dois anos - para correr 26 mil quilômetros em torno da Terra.

Numa eleição, a volta ao mundo costuma durar quatro anos. Em São Vicente, o vice-governador Márcio França aprendeu a ser paciente e levou este tempo para retomar, em absoluto, o controle da cidade. A vingança foi completa porque ele conseguiu, no roteiro de viagem, enterrar politicamente seus dois maiores adversários no mundo calunga.

O primeiro foi o atual prefeito Luiz Cláudio Bili, com o pior índice de popularidade da história. Os 94% de reprovação simbolizaram a desistência dele em se reeleger.

O segundo foi Luciano Batista, também ex-aliado de França, que não conseguiu a reeleição para deputado estadual há dois anos e que amargou a quarta posição na corrida para prefeito, no último domingo.

Márcio França teve que engolir a pior derrota da carreira política, em 2012. Os apressados o deram como morto na cidade que governou por oito anos e fez o sucessor por mais oito. A derrota de virada de Caio França para Bili provocou um silêncio de seis meses em pai e filho.

Depois do luto, nasceu a estratégia. França se aproximou de Eduardo Campos e se tornou liderança nacional no PSB. Os laços estreitos se solidificaram com Geraldo Alckmin. A morte acidental de Campos aumentou a luz sobre França, que comanda o partido no Estado e se tornou vice-governador de São Paulo.

Em paralelo, o filho Caio ganhou a eleição para deputado estadual. Era a sequência de golpes que balançaram Bili no ringue. A gestão desastrosa dele amaciou o terreno para que França reassumisse o controle. As feridas estavam curadas, enquanto São Vicente sangrava na saúde, na coleta de lixo, nos salários atrasados, nas creches sem comida.

O nocaute que colocou os adversários em coma aconteceu no domingo, 2 de outubro. Um novato chamado Kayo Amado ameaçou levar a eleição para o segundo turno. Ameaçou!

O último capítulo foi a vitória de Pedro Gouvêa, o cunhado do Márcio França que - oficialmente - governará São Vicente a partir de 2 de janeiro, com a concordância de 87.365 súditos.

O mundo deu voltas no reino de São Vicente.

Obs.: Texto publicado no jornal Diário do Litoral, em 5 de outubro de 2016.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O trator PSDB


O maior vencedor da eleição

Marcus Vinicius Batista

O PSDB venceu de goleada a eleição na Baixada Santista. O partido elegeu sete dos nove prefeitos. Em São Vicente, terá a vice-prefeita (Prof.Lurdinha). O prefeito eleito, Pedro Gouvêa, é do PMDB, mas também é cunhado do vice-governador Márcio França. Tudo em casa.

Dos sete tucanos, quatro prefeitos foram reeleitos. Três deles (Paulo Alexandre Barbosa, em Santos; Alberto Mourão, em Praia Grande; e Marco Aurélio, em Itanhaém) ganharam com mais de 75% dos votos válidos. Em Santos e Praia Grande, poderia haver segundo turno.

Artur Parada Prócida, de Mongaguá, não alcançou maioria simples. Ganhou com 38, 41%.

Entre os novatos, o grande vencedor foi Caio Matheus, em Bertioga. Ele havia perdido para o atual prefeito Mauro Orlandini, em 2012. Este ano, derrotou o candidato indicado por Orlandini, numa coligação de 11 partidos. Caio Matheus venceu com 63,4% dos votos válidos.

Em Cubatão, Ademário teve mais 41% dos votos, mais do que o dobro que Wagner Moura, do PMDB. Uma curiosidade: Fabio Inácio, candidato da prefeita Márcia Rosa, do PT, ficou em quinto e último, com apenas 5% dos votos. Um fracasso da máquina.

O PSDB só passou aperto em Peruíbe. Lá, Luiz Maurício vai governar com minoria de votos (28%). Ele venceu Emer, do PSDC, por 0,8%. Em números absolutos, 205 votos de diferença.

A única derrota, em termos, aconteceu no Guarujá. Gilberto Benzi ficou em terceiro e não vai disputar o segundo turno. Por outro lado, um dos concorrentes, Valter Suman, é do PSB, partido do vice-governador do Estado, Márcio França. O problema é que Suman precisa desintegrar uma diferença de 30 mil votos para Haifa Madi (PPS), em quatro semanas.

A Baixada Santista dominada pelos tucanos, em tese, abriria as portas e os cofres do governador Geraldo Alckmin. O arquiteto da vitória de João Dória na capital se credencia à disputa para a Presidência da República, em 2018. A combinação destes fatores talvez renda mais recursos para as cidades, principalmente aquelas que tem hoje governos nada alinhados com o PSDB.

Neste sentido, São Vicente e Cubatão gritam por dinheiro e devem ter as preces atendidas. A primeira se viu diante de uma disputa pessoal entre Márcio França e o prefeito Luiz Cláudio Bili por quatro anos. França se vingou por completo da derrota de seu filho Caio, em 2012. Não seria surpreendente o cunhado Pedro Gouvêa assumir a cidade em janeiro de 2017 e receber, de Natal um pouco atrasado, recursos para obras e projetos emergenciais.

Cubatão enfrenta a crise econômica com a perda de empregos no setor industrial. Além disso, o governo PT de Márcia Rosa viveu a bonança de Lula e Dilma e agora amarga os olhos fechados com os novos rumos políticos. Um prefeito novato do PSDB talvez receba o empurrão necessário para caminhar mais rápido do que a antecessora.

Outro aspecto seria a metropolização da Baixada Santista, que poderia ser implantada de fato, ultrapassando a paralisia das comissões, dos projetos sempre projetos, do revezamento de prefeitos, dos cafés e das reuniões. Prefeitos do mesmo partido não significam interesses comuns. O PSDB teve o comando e maioria no Conselho e nada avançou.

Em 20 anos, ficou claro que os prefeitos optam por seus umbigos e seus quintais. Autopreservação política, em primeiro lugar. Pensar a região de forma coletiva representa abrir mão de certas posturas, assumir problemas que pertencem ao vizinho e navegar em intersecções políticas.

A metropolização talvez fique em clima mais ameno, mas amigos e negócios não se misturam. Até porque partidos grandes se constituem por facções por vezes conflitantes.

O controle do PSDB na Baixada Santista é histórico. Nunca se viu cenário semelhante na região. O pensamento único pode facilitar a concordância, mas mata o contraponto, elimina a voz dissonante que aponta as falhas e aquece o debate público. A tendência é a acomodação, a ação entre amigos, o relaxamento.

Como as nove cidades funcionam movidas pelas próprias particularidades, ainda que a vida urbana de parte da população seja metropolitana, é provável que assistamos à forma tucana de governar em intensidades múltiplas.

Que cada prefeito e seus moradores rezem para os santos que lhe agradem. Com a benção de Geraldo Alckmin, o maior vencedor da eleição na Baixada Santista.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Câmara de Santos: a paz reina no castelo

Câmara de Santos - o Castelinho. Foto: Diário do Litoral

Marcus Vinicius Batista

O castelinho, onde fica a Câmara Municipal de Santos, permanecerá como um reino de conto de fadas. Houve mudanças nos personagens, mas a direção da história continuará a mesma. Nove vereadores foram trocados para a próxima legislatura, muitos assumirão em primeiro mandato.

O prefeito Paulo Alexandre Barbosa manterá a base de apoio intacta. 19 dos 21 vereadores eleitos pertencem a partidos que apoiam o Poder Executivo.

A oposição será composta pelos dois vereadores do PT, Telma de Souza e Chico, do Settaport. Chico, ao contrário dos candidatos do Partido dos Trabalhadores, não só usou a sigla na campanha como manteve o nome no próprio registro eleitoral (Chico do PT). Um ato de coragem na maior crise da história do partido.

O PSDB continuará como maior bancada, com oito parlamentares. Hoje, tem dez vereadores, mas começou a gestão com meia dúzia. A tendência é crescer ao longo dos próximos quatro anos.

A maior novidade é o PR, liderado por Odair Gonzalez, atual presidente da Prodesan e ex-vereador. O PR chegou a chorar a vaga de vice-prefeito durante a pré-campanha e tem dois vereadores. Um deles, Sérgio Santana, se reelegeu. Murilo Barletta, não. Portanto, dois dos novatos são do partido.

A grande surpresa foi a votação de Kenny Mendes (PSDB), com mais de 24 mil votos, recorde histórico. Entre os nomes novos, as principais respostas nas urnas foram Fabiano da Farmácia (PR), com 4.481 votos, e Audrey Kleys (PP), com 4.375.

Audrey, aliás, era jornalista da TV Tribuna há quatro anos, quando foi trabalhar na equipe de campanha do então candidato Paulo Alexandre Barbosa. Depois da eleição, entrou na Secretaria de Educação, onde foi vítima de preconceito por conta de sua formação acadêmica. Tornou-se secretária-adjunta da pasta. Imagino como muitas supervisoras e diretoras devem se sentir com o resultado eleitoral.

Rui de Rosis (PMDB) foi o quinto mais votado, com 4.378, herança eleitoral do irmão Marcus, morto durante esta gestão quando era presidente da Câmara.

Os demais novatos são: Bruno Orlandi (PSDB), Lincoln Reis (PR), Fabrício do DVD (PSB) e Augusto Duarte (PSDB). Os três primeiros bateram na trave, em 2012, aumentaram suas votações e passaram no vestibular. O nono nome é de Telma de Souza, que retorna à Câmara depois de oito anos.

Entre os vereadores que deixarão o cargo no final do ano, quatro eram previsíveis: José Lascane (PSDB), que não concorreu; Sandoval Soares (PSDB), que será vice-prefeito de Paulo Alexandre; Evaldo Stanislau (Rede), que saiu como vice na chapa de Paulo Schiff; e Marcelo Del Bosco (PPS), que ficou em quarto na disputa para prefeito.

Outros cinco tentaram a reeleição para vereador e perderam ou vão amargar a suplência. São eles: Murilo Barletta (PR), Professor Igor (PSB), Douglas Gonçalves (DEM), Geonísio Pereira Aguiar, o Boquinha (PSDB) e Jorge Vieira, o Carabina (PSDB).

Com exceção de Douglas, todos os demais estão em partidos da coligação vencedora. Os derrotados serão contemplados com cargos no governo ou voltarão às antigas atividades profissionais?

A próxima composição da Câmara, em termos políticos, será mais do mesmo. O prefeito não correrá riscos e sabia disso quando construiu a estratégia que resultou numa coligação de 16 partidos.

O Poder Legislativo, é provável, manterá sua postura de subserviência, salvo os gritos dos petistas ou demandas específicas de um ou outro parlamentar. O castelinho seguirá em harmonia, com finais felizes para o governo atual.

Só tenho curiosidade sobre qual será a moral da história, em 2020.

O fenômeno Kenny

O vereador Kenny Mendes (PSDB), no estúdio da CBN-Santos

Marcus Vinicius Batista

O vereador Kenny Mendes, do PSDB, teve 24.765 votos, o mais votado de toda a história de Santos. A votação dele representou 10,98% dos votos válidos. Ou seja: um em cada dez votos para vereador é dele. Nem o próprio candidato poderia sonhar com tanto.

Kenny quebrou a marca de Telma de Souza, que - em 2008 - conseguiu 20.631 (8,47% dos votos válidos). A ex-prefeita, aliás, volta a Câmara e é um dos dois representantes do PT. O outro é Chico, do Settaport, o último da lista de 21 eleitos.

O resultado coloca Kenny em outro patamar, dentro da Câmara e, principalmente, no relacionamento com o prefeito reeleito Paulo Alexandre Barbosa. Kenny subiu de degrau nas três eleições que disputou. Auge ou ascensão?

Em 2008, Kenny ficou na suplência. Entendeu-se que sua votação foi concentrada em estudantes de idiomas, seu público-alvo na época. Kenny é professor de inglês e francês na Universidade Santa Cecília. Na ocasião, a universidade tinha oito professores-candidatos. Kenny foi o mais votado, com 1.532 votos.

Quatro anos depois, Kenny conseguiu se eleger pela primeira vez. Foi o décimo mais votado, com 3.376 votos, o dobro da tentativa anterior. Ele estava, inclusive, em outro partido, o Democratas.

Kenny, como professor, aprendeu com rapidez como o sistema eleitoral funciona e como o eleitor se comporta. Ele fez campanha durante quatro anos e colhe os frutos deste processo, claro que muito mais nutritivos do que se poderia esperar.

Ele se comunica muito bem. Fala com clareza, é didático e se apresenta com uma postura mais jovem, sem afetações. Seu processo de comunicação é profissional, tanto em redes sociais como no audiovisual. Uma equipe de vídeo o acompanhou pela cidade nos quatro anos. Visita a bairros, por exemplo, queixa comum dos eleitores quando pensam na ausência dos políticos. Se ajudou a resolver problemas, são outros quinhentos, mas ele se fez presente.

Houve exageros na divulgação midiática, como o vídeo em que Kenny aparecia entregando água e Gatorade aos bombeiros que trabalhavam no incêndio do tanque de combustível, na Alemoa. Ele provocou muitas críticas em redes sociais, com acusações de oportunismo político. O vereador deu sinais posteriores de que a lição foi bem digerida.

Kenny sempre foi da base de apoio governista e termina a gestão na Mesa Diretora da Câmara. Ele sofreu pressões políticas, dentro e fora de seu ambiente de trabalho, quando votou a favor do aumento do IPTU. Rezou a cartilha do governo outras vezes e detectou a hora certa para mudar de barco e remar de vez com os tucanos.

Ele também soube escapar de armadilhas como a votação que proibia o Uber em Santos. Ademir Pestana, do mesmo partido e autor do projeto de lei, obteve o apoio de taxistas e também se reelegeu, mas Kenny capitalizou votos por ser um dos dois vereadores contrários.

Foi o final do caminho que o levou ao terceiro degrau. Kenny deixou de ser o candidato dos estudantes e depois dos jovens e ampliou sua base eleitoral em quase oito vezes, o que incluiu discursos e ações pontuais na área do meio ambiente. A retórica de sustentabilidade não arranha a política pública conservadora do PSDB para o setor, mas o afasta desta imagem. Pelo contrário, o aproximou da classe média simpática ao tema.

Não se assuste se a campanha sucessória de Paulo Alexandre Barbosa começar nesta segunda-feira, dia 3. Em quatro anos, muita gente vai se apresentar como o potencial prefeito de Santos, em 2020, e vários ficarão pelo caminho.

Kenny largou na frente com o capital de 24 mil votos. Seria segundo lugar, na eleição para prefeito este ano. A pergunta: ele será paciente como foi até agora e vai cimentar um apoio de Paulo Alexandre ou correrá o risco de ser um cavalo paraguaio numa maratona de obstáculos imprevisíveis?


domingo, 2 de outubro de 2016

Câmara de Santos: o que se pode esperar dela?

Plenário da Câmara de Santos (Foto: Diário do Litoral)

Marcus Vinicius Batista

A Câmara de Santos terá, pelo menos, quatro vereadores novos. Da atual gestão, três são candidatos ao Poder Executivo (dois a vice-prefeito e um a prefeito) e um vereador se aposentou da vida eleitoral. Se mantivermos a coerência histórica, outros quatro parlamentares ficarão de fora pelos próximos quatro anos.

Mais do que trocar nomes, a Câmara precisa de um banho de mentalidade. O Poder Legislativo se tornou, de forma gradativa, uma extensão da casa do prefeito em exercício. Não se chegou ao nível da Câmara de São Vicente, onde todos os parlamentares apoiavam o então prefeito Tércio Garcia, mas passou bem perto da unanimidade burra.

Hoje, somente três vereadores podem ser considerados de oposição. Os demais costumam assinar embaixo em todos os assuntos que interessam à Prefeitura. Neste sentido, a Câmara ficou exposta em temas como o aumento do IPTU, a criação de Organizações Sociais para administrar alguns serviços públicos, o veto pela gratuidade nas passagens de ônibus para quem tem entre 60 e 64 anos e a lei inconstitucional que proibia o uso do aplicativo Uber.

Os vereadores também se tornaram, a olhos vistos, distribuidores de medalhas e autores de requerimentos, como podas de árvores, uma espécie de ouvidoria informal da Prefeitura. Um ofício muito abaixo do que se espera, como a fiscalização do Poder Executivo e a apresentação de projetos relevantes para a cidade. Até um projeto de lei para reduzir a entrega de medalhas foi apresentado em 2016.

A relação entre Prefeitura e Câmara Municipal é o retrato, em três por quatro, do que acontece no país. Para uns, é a chamada governabilidade. Por outros, o nome é presidencialismo parlamentar. Para administrar com tranquilidade, qualquer governante constrói um relacionamento íntimo com os vereadores.

Em Santos, o partido do Governo começou a gestão com seis representantes na Câmara. Hoje, são dez. Cinco vereadores vieram para o time com mais estrutura. Somente um foi jogar numa sigla de menor expressão.

Espero que a renovação seja a maior possível. Talvez a mudança de nomes, com gente de primeira viagem, seja capaz de amenizar os vícios que fizeram com que a Câmara trabalhasse, muitas vezes, de costas para a cidade.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 1º de outubro de 2016.
    

sábado, 1 de outubro de 2016

O político-sabonete



Marcus Vinicius Batista

Ele usa calça cáqui, com a camisa para dentro, nas cores azul ou verde. O cabelo está sempre penteado. As mangas da camisa dobradas de forma simétrica, para dar a impressão de ordem, de organização e equilíbrio em se vestir. Ou seria uma construção artificial?

Ele não sua, mesmo que o sol nos lembre o interior da Somália. Calma ou insensibilidade? O sorriso está sempre presente, ainda que se questione seu trabalho. Preparo para as críticas ou falsidade? A disposição é a demonstração de juventude, que atrai a maturidade de uma retórica equilibrada, cheias de conexões informativas. Ou se está diante de alguém sedento por poder?

Ela se cerca de rosa para negar o passado de terceiros. Ou traz a leveza do novo? O cabelo encaracolado passa por desconfianças de quem sugere uma tintura e, para as mais radicais, grita o alisamento amplo, geral e irrestrito. Ou seria um símbolo da diversidade que compõe a sociedade brasileira?

A voz deveria visitar uma fonoaudióloga, que teria a missão de acabar de uma vez por todas com a infância tardia. Ou a voz representa a autenticidade e o vigor da renovação? A juventude, em vez de denotar simpatia, exala inexperiência. Ou estamos falando de quem chegou para oxigenar velhas práticas?

A fala errada não seria boa propaganda para jovens, mas o crime de lesa-idioma, capaz de ruir com toda a imagem. Ou seria respeito pela linguagem real, das ruas, dos estudantes, da cultura popular?

A partir do momento que o marketing político passou a ditar as regras das campanhas eleitorais, a disputa se confirmou como um jogo de aparências. Os parágrafos acima, é claro, exageram na polaridade de opiniões, mas também reproduzem os argumentos utilizados por muitos eleitores, em Santos. Depende de quem vê!

É evidente que não se recomenda a nenhum político que se fale a verdade todo o tempo. Até porque ninguém faz isso na vida cotidiana, além de ser utópico e - por contradição - uma mentira. Acreditar nisso é padecer de ingenuidade a ponto de confundir as intenções de qualquer discurso com prova de caráter. É a crença numa mensagem que só nos fornece os benefícios; jamais os ônus de uma escolha.

Fazer política significa, em muitos momentos, falar o que se quer ouvir, inclusive como forma de atender os desejos coletivos. Quando a política vira peça publicitária, o discurso se transforma em eco de pesquisas, a ponto de soar como oco diante da inviabilidade das promessas.

Se o político ganha uma embalagem ao longo da campanha e se parece com um sabonete, em cheiro, aroma e textura, é porque há - na outra ponta - um eleitor que valoriza e compra a forma. E utiliza elementos da carcaça fofinha como essenciais para a escolha de um candidato. Beleza se confunde com competência. Vestimentas se misturam com consciência política. Estética é a ideologia do presente. 



A série House of Cards, produzida pelo Netflix, é uma aula sobre política e poder. Muitas das situações são perceptíveis como práticas usuais na mentalidade brasileira. A personagem Claire Underwood tinge os cabelos de loira porque o eleitorado feminino a vê como um exemplo de sucesso e beleza, visão que não prevalece quando ela está morena. Entre os homens, a resposta também é positiva; neste caso, a perspectiva da mulher como objeto sexual, como parceira ideal para um comandante competente.

A valorização da aparência, tanto dos políticos como do eleitorado, funciona também como máscara para encobrir os preconceitos de ambos os lados. É bobagem acreditar ou apostar que o eleitorado vota, exclusivamente, por causas coletivas e nobres.

Os critérios são múltiplos e o ato ou não de votar pode ser sustentado pela ignorância (desconhecimento) ou pela intolerância. Motivações pequenas, medíocres ou mesquinhas entram como dados no tabuleiro. O candidato pode representar o para-raios, a projeção do que o eleitor mais detesta em si mesmo, quase como um alvo abstrato. É um instrumento do que o eleitor precisa para si próprio, família e amigos.

Por outro lado, o marketing eleitoral trata - muitas vezes - o eleitor como um sujeito infantilizado, e joga suas cartas na limitação de informações, na preguiça em confrontar dados, em se aprofundar em políticas públicas, estatísticas, projetos e programas.

Ser vago, superficial ou genérico transfere para o candidato o peso da aparência, que pode ser diluído em ingredientes como carisma, beleza ou simpatia. O bom administrador pode ser entendido como tal somente se tiver o dom da oratória.

O eleitor e o político, ainda que critiquem um ao outro, constroem um relacionamento simbiótico, de dinâmica bem particular. Os dois conseguem localizar o argumento que precisam para justificar seu voto ou sua campanha. É só procurar. A interpretação é construída de acordo com a ocasião.

Uma candidata pode ganhar votos por ser feia. Ou não. Um candidato pode atrair simpatizantes por ser magro. Ou não. Um político recebe apoio por ser velho. Ou pode ser visto como ultrapassado, digno de aposentadoria.

Esqueça a fantasia de que, numa eleição, todos estão preocupados com o futuro da cidade ou do país. No jogo de aparências, o espelho é o que separa quem vota ou quem se candidata da urna eletrônica.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 29 de setembro de 2016.