sexta-feira, 14 de novembro de 2014

PT saudações


Símbolo de passado distante; imagem do século XX

Mais do que a derrota de Dilma Rousseff na Baixada Santista, o resultado das eleições presidenciais e legislativas apontou a necessidade do PT fechar para balanço. De maneira séria e definitiva, e não com movimentos teatrais e discursos, como aconteceu em 2010 e em 2012.

Na eleição para presidente, Dilma venceu apenas em Cubatão, cidade governada pelo Partido dos Trabalhadores há quase seis anos. Em 2010, a candidata do PT venceu em três municípios: Guarujá, São Vicente, além da própria Cubatão.

O desastre foi maior no Poder Legislativo. Pela primeira vez, neste século, o PT não terá representantes da região na Assembleia e na Câmara dos Deputados. Telma de Souza não se reelegeu. Maria Lúcia Prandi, que assumiu o mandato como suplente no ano passado, também fracassou.

A crise não é nova nem recente. Os avisos foram dados na década passada, mas a vaidade partidária impediu a renovação dos quadros, a construção de novas lideranças. A perda de espaço eleitoral aconteceu gradativamente, com redução da porcentagem de votos em diversas cidades.

Há 22 anos, o PT detinha as duas maiores Prefeituras do litoral. Em São Vicente, a era França transformou o partido de personagem principal da oposição a coadjuvante de aliança. Hoje, é uma das siglas em torno do prefeito Luiz Cláudio Bili.

Santos, por sua vez, gritou em alto e bom som. Não se trata somente da vitória de Aécio Neves, com 69% dos votos válidos. Os dois últimos prefeitos, João Paulo Tavares Papa e Paulo Alexandre Barbosa, venceram no primeiro turno. O PT, com candidato próprio, ficou em segundo.

Papa, em 2008, conseguiu mais de 70% dos votos válidos. E lembrar que, quatro anos antes, ele venceu Telma por 1771 votos, na disputa mais apertada da história da cidade.

Proporcionalmente, o PT diminuiu de tamanho conforme aconteceu o crescimento do PSDB e de outras siglas mais conservadoras. O PSDB é, hoje, o partido que controla o maior número de cidades – Praia Grande, Itanhaém e Santos. Na Câmara de Santos, os tucanos possuem 30% das cadeiras, fora os partidos coligados.

O Partido dos Trabalhadores não dá sinais de reação imediata. Os velhos caciques falam em mudança, assim como o fizeram nas eleições internas em 2013, mas não se movem de forma efetiva. E parte dos filiados, cúmplices, preferiu assim.

Em Santos e São Vicente, que foram os principais redutos petistas no século passado, as perspectivas de um candidato que enfrente a situação parecem miragem na desertificação eleitoral. Em Cubatão, Márcia Rosa não poderá concorrer e, no momento, não existe consenso sobre o candidato à sucessão dela.

A derrota de Dilma Rousseff e a ausência de parlamentares a partir de 2015 são a ponta da corda. Nas próximas eleições, se não houver mudança de rumo, o PT pode deixar o clube dos grandes e se sentar ao lado de muitos nanicos, que sobrevivem das migalhas do poder alheio.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A falsa divisão



Fonte: Revista Fórum

O resultado das eleições presidenciais provocou uma série de leituras estranhas, que não sobrevivem ao olhar frio dos números das urnas eletrônicas. As interpretações sugerem, acima de tudo, a procura por estatísticas que alimentem o preconceito, talvez a maior lembrança de uma campanha tão suja quanto equilibrada.

O primeiro equívoco trata de um país dividido. A tese inicial dava conta de que Dilma Rousseff representaria as regiões Norte e Nordeste. Aécio Neves, por consequência, seria o presidente escolhido pelas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Dilma venceu em 15 Estados. Aécio, em 12. A divisão não é geográfica. Dilma, por exemplo, venceu em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, o que derruba o argumento de que o Sudeste era tucano. São Paulo, por mais que seja quintal do PSDB há mais de 30 anos (se somarmos os primórdios da legenda, dentro do PMDB), não é o Brasil, muito menos decisivo para selar uma eleição, como muitos pregaram durante a campanha.

Por outro lado, a candidata do PT perdeu no Acre, onde o governador Tião Viana, do mesmo partido, se reelegeu. Dilma perdeu também em Rondônia e Roraima. No Centro-Oeste, Aécio perdeu em Tocantins.

Apostar em um país dividido por geografia é arranhar a superfície e desconsiderar os regionalismos na política. Por que nos assustamos com as alianças estaduais bizarras e não esperamos resultados condizentes nas urnas?

Se tivermos que desconfiar de uma divisão, mesmo assim torta, que se creia – duvidando sempre - que o país está rachado no aspecto socioeconômico. Ou seja: PT seria o partido dos pobres. PSDB, o dos ricos. Nos 12 Estados onde o tucano venceu, Dilma teve, no mínimo, 35% dos votos. Em sete deles, mais de 40%. Na verdade, está mais com cheiro de leitura atravessada de classe média.

Compreender a tendência de votos não é, de longe, acreditar no erro da generalização. E também não levar em conta a minoria barulhenta como o todo. Corrida aos aeroportos, metamorfose cubana, comunismo, nada mais antigo quanto o século XX, mais perto da Segunda Guerra Mundial do que do mundo contemporâneo.

No governo Lula, deu-se o paradoxo. Enquanto os bancos lucraram como nunca, as camadas mais pobres tiveram acesso aos bens materiais domésticos. Ambos os extremos foram beneficiados pela política econômica baseado no crédito e consumo, marca do mundo globalizado. Na ocasião, ninguém ameaçou comprar passagem só de ida para o exterior.

A eleição deste ano apenas reacendeu uma característica sempre presente, desde a formação deste território. O preconceito social é inerente a todos os outros tipos de violência discriminatória. Como qualquer preconceito, é baseado em desinformação e insegurança. Um comportamento regado à ameaça de quebra de privilégios e manifestado como o individualismo mais virulento.

Discutir políticas públicas é apenas um detalhe. Fazer política, para essa gente, é o exercício cotidiano do moralismo e da hipocrisia.

Em tempo: o pedido de auditoria sobre a apuração dos votos soa como choro de mau perdedor. O PSDB acompanhou a eleição de perto e sempre foi defensor do sistema eleitoral brasileiro, inclusive porque também se beneficiou das regras atuais e nunca se esforçou pela reforma política, por exemplo.

Comprar as teorias conspiratórias que nascem nas redes sociais ou na pena dos escribas destemperados parece berreiro infantil. Na prática, será perda de tempo de quem poderia se preocupar mais em estruturar uma oposição construtiva e presente.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Entre petralhas e coxinhas


Independentemente de quem será o próximo presidente da República, a campanha definiu o maior derrotado: nós, os eleitores. Antes que se vista o manto das vítimas, o gosto amargo do veneno nos aponta, na verdade, como cúmplices.

Somos coautores porque aceitamos os mesmos dois partidos disputando o poder há duas décadas. Não cobramos por renovação, nem dentro destas siglas, quanto mais na política no sentido mais amplo. Engolimos os mesmos discursos, nascidos dos mesmos lábios, apenas com trocas de cargos.

Somos cúmplices porque toleramos um nível de campanha que cheira a esgoto. Ficamos calados diante da ausência de propostas, de programas tão mal explicados quanto inconsistentes, da nulidade de um projeto de país para longo prazo. Assistimos aos debates como programas de humor ou como ringue.

Caímos na armadilha de uma campanha eleitoral marcada pelo marketing rasteiro e virulento. E reproduzimos a estratégia no cotidiano, como seres dominados que desconhecem o cárcere em que vivem. Levamos ao pé da letra a ideia de que democracia funciona pelo conflito, e não pelo diálogo.

A busca pelo eco entre os eleitores virou, para mim, quase uma obsessão. Padarias, pontos de ônibus, locais de trabalho, redes sociais (aliás, tão mal usadas que nunca entendemos as lições de Barack Obama. Talvez porque sejamos assim, truculentos).

De todos com quem conversei (ou das conversas que testemunhei), nenhum deles foi capaz de debater política e eleições sem descambar para as críticas ou ofensas ao candidato adversário. Tenho que admitir, claro, que alguns se esforçaram para colocar na pauta a agenda do candidato escolhido, mas aí faltavam argumentos diante do vazio do presidenciável.

Usamos como muleta a imprensa, instituição deformada pelos próprios interesses. Salvo exceções, mais individuais do que empresariais, testemunhamos um jornalismo panfletário, que oscilou entre a assessoria publicitária gratuita e o denuncismo sem evidências.

Coniventes, os eleitores atenderam ao chamado da superficialidade, quando não passaram das capas e das primeiras páginas. Poucos questionaram o tom hostil da cobertura, os erros de informação, a ausência de provas. Pelo contrário. A imprensa era a chave da credibilidade para um discurso anti-PT ou anti-PSDB, conforme o olhar do freguês.

Qualquer eleição é um festival de mentiras, de distorções estatísticas, de destruição de reputações e construção de heróis com pés de barro. O problema mora na ingenuidade infantil de assinar cheques em branco, movido pelo ódio de ver um ou outro perder nas urnas.

É a imaturidade de quem esquece que sempre haverá um vencedor, que, a partir de 2015, governará com um Congresso Nacional composto por 28 partidos. O novo presidente ganhará, de presente, sem ser o dono, um armazém de secos e molhados. E comprar, por lá, custará bem caro, mas a ser pago com dinheiro alheio.

Perdemos esta eleição. Os protestos de junho de 2013, que abriram o sorriso do otimismo, foram inúteis. As promessas de mudança por parte do governo foram ocas. A irritação dos opositores era jogo de cena. Em ambos os casos, fingir que se mude para manter a paralisia. Um crime imperdoável cuja sentença já saiu para os eleitores-cúmplices: pena de quatro anos, em regime fechado. A prisão? Um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A batalha do trânsito


A decisão da Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos em proibir o estacionamento de veículos na avenida Washington Luiz provocou reações inesperadas até para a própria empresa, acostumada com medidas impopulares. A proibição começa a vigorar no final do mês, atinge o trecho entre a praia e a avenida Francisco Glicério e valerá entre 7h e 20h, nos dias úteis.

Normalmente, as reações em torno de mudanças no trânsito não passam de conversas irritadas nos botecos, xingamentos contra agentes da companhia ou surpresas para motoristas apressados. Desta vez, os moradores e comerciantes transformaram o trânsito numa batalha política.

Nasceu o Movimento Canal 3, que resultou em um abaixo-assinado com três mil nomes, um protesto na Câmara Municipal e a adesão de moradores de outros bairros, temerosos por ações semelhantes por toda a cidade. O passo seguinte foi uma reunião entre representantes do movimento e da CET.

Os integrantes do Movimento Canal 3 alegam que não foram consultados e que a medida é, no mínimo, arbitrária. A avenida serve para moradores da região, cujos prédios não possuem garagens, e para clientes do comércio local.

A CET defende que a proibição de estacionamento eleva a fuidez do tráfego em 40%, pois o Canal 3 é rota de ligação entre os bairros centrais e os da orla da praia.

O embate, no entanto, esconde – logo abaixo da superfície – dois pontos que merecem reflexão. O primeiro ponto é que os governantes seguem mal acostumados com reações populares. Assustam-se com isso. E demoram para lidar com o problema. Os protestos do ano passado – guardando as óbvias proporções – indicaram a lentidão de quem defende a democracia desde que controle as regras do jogo.

A reação do Movimento Canal 3 é legítima, sem entrar no mérito das reivindicações. É legítima porque o processo democrático funciona pelo conflito de ideias, pelo diálogo contínuo entre a comunidade e os representantes dela nas esferas de poder. É uma pena que a palavra “contínuo” – usada na frase anterior – pouco seja adotada por aqui. Os Poderes Executivos e Legislativo, que vivem abraçados, costumam tomar as decisões nos corredores e plenários, sem que a maioria das pessoas sequer tenha ciência das mudanças.

O segundo ponto é a fragilidade da política pública municipal de transporte e trânsito. Os problemas de tráfego nas principais avenidas da cidade existem há mais de uma década. E as soluções, sempre que anunciadas, beiram a megalomania. Em ano de eleição, nunca se viu tanto termos como VLT, túnel e mobilidade urbana nos lábios da classe política.

Ao mesmo tempo, explodem as medidas paliativas. Mudanças de mão em dezenas de ruas e proibições de estacionamento são exemplos que confirmam como Santos se ajoelhou diante da cultura do automóvel. Enquanto o carro é símbolo de status – veículos cada vez mais parecidos com naves, por sinal -, a administração municipal permanece quase em silêncio sobre o transporte coletivo.

Quando se manifesta, prefere discutir congelamento do preço das passagens – diria uma obrigação -, internet e ar-condicionado em pequena parte da frota ou cobrança por cartão, rezando para o inverno chegar e as queixas esfriarem.

Nenhum prefeito, até o momento, teve a coragem de mudar o perfil da cidade para o transporte coletivo ou outras alternativas individuais. É de se esperar que outras doses de remédios de efeito breve sejam aplicadas. Até quando os pacientes seguirão parados, em silêncio, nos congestionamentos que se multiplicam como sintomas de um planejamento urbano doente?

Vaidade e política

A Baixada Santista manteve o resultado histórico nas eleições do domingo passado. No Poder Executivo, repetiu – em linhas gerais – a postura pró-tucana, em rejeitar o governo Dilma e dar a liderança de votos para Geraldo Alckmin.

No Poder Legislativo, se permanecermos na leitura inicial, podemos esconder ilusões e mascarar certos equívocos que se repetiram durante a campanha. Historicamente, a região manteve a média de três deputados federais – João Paulo Tavares Papa (PSDB), Beto Mansur (PRB) e Marcelo Squassoni (do mesmo partido).

No caso de deputado estadual, a situação foi um pouco mais complicada, mas o resultado aponta causas semelhantes. A Baixada Santista emplacou três parlamentares - Caio França (PSB), Cássio Navarro (PSDB) e Paulo Côrrea Junior (PEN). A região chegou a ter cinco parlamentares em outras gestões.

Nenhum dos três eleitos ao Congresso teve uma votação de assustar os analistas. Pelo contrário. Mansur e Squassoni tiveram votações tímidas, 31.301 e 31.315, respectivamente. Os dois devem a Celso Russomano, o mais votado do Estado, as cadeiras em Brasília. Mansur repetiu a estratégia da eleição anterior, quando se elegeu por conta do resultado de Paulo Maluf. Na época, Mansur era filiado ao PP.

Até João Paulo Tavares Papa correu riscos. Durante a apuração, chegou a ser o último da lista de eleitos pelo PSDB. O número de votos (117.590) não se compara com os resultados de Márcio França, o mais votado do litoral sul, em 2006 (215.388 votos) e 2010 (172.005).

Para deputado estadual, Caio França fez uma campanha mais equilibrada, fruto também da influência paterna. Ficou com 123.138 votos, sendo cerca de 60% da região e 40% de outras áreas do Estado. O quadro é muito parecido com o de Paulo Côrrea Júnior. O votação foi mais apertada (38.489), ele entrou na lista de eleitos no final da apuração, mas distribuiu os votos na mesma proporção de Caio pelo Estado.

Cássio Navarro, genro do prefeito de Praia Grande, Alberto Mourão, teve 50.093 votos. Dois terços foram em Praia Grande, 85% na Baixada Santista. Um risco alto, que aponta o maior problema dos candidatos da região.

Muitos indicaram Samuel Moreira, eleito deputado federal pelo PSDB, como o sétimo parlamentar do litoral sul. No entanto, a base dele é o Vale do Ribeira. O que importa, no entanto, é que Moreira fez campanha além dos limites do domicílio eleitoral. 60% dos votos de Registro, principal cidade do Vale, foram para ele, é verdade, mas são apenas 19 mil dos 227 mil votos.

A lição está neste aspecto. Samuel Moreira conduziu uma campanha agressiva na Baixada Santista e em outros pontos do Estado. Teve quase o dobro de votos de João Paulo Tavares Papa, do mesmo partido. Aliás, por aqui aconteceu o contrário, em várias cidades. Vereadores de vários municípios – em Santos, pelo menos três parlamentares – apareciam em fotos de campanha com candidatos de outras regiões, além de fazer propaganda no corpo a corpo.

Além disso, a Baixada Santista nunca teve tantos candidatos. Foram 115 contra 100 em 2010. 49 candidatos a deputado federal e 66 a estadual. A maioria deles serviu para tirar votos dos grandes concorrentes, reforçando apenas a legenda e fazendo vitrine para a eleição municipal em 2016.

Voltamos às lições de Samuel Moreira. No Vale do Ribeira, há relativo consenso em torno do nome dele, que canaliza votos e o torna – com clareza – o representante daquela região. Assim o fez na Assembleia Legislativa, assim aconteceu na eleição de domingo. Isso sem discutir os méritos do mandato dele; avalia-se somente o número final da votação.

A eleição também apontou o desgaste de nomes antigos da política. Beto Mansur entrou raspando pela segunda vez. Telma de Souza ficou como terceira suplente do partido. Professor Fabião será segundo suplente do PSB. Maria Lúcia Prandi não se reelegeu deputada federal, assim como Luciano Batista, estadual. Mariângela Duarte teve a pior votação da carreira.

Os partidos não se renovaram, em linhas gerais. No PT, o cenário é mais grave, porque apareciam sinais claros nas eleições municipais de 2012. Os políticos mais novos, como Caio França e Cássio Navarro, devem ser relativizados porque representam dinastias familiares, no poder há 20 anos.

O resultado final é que os candidatos da região tiveram 34% menos votos para deputado federal, comparando com 2010. São aproximadamente 225 mil votos a menos.

O índice percentual se repete para deputado estadual. São cerca de 326 mil votos em concorrentes de outras áreas de São Paulo. Pode-se considerar que Bruno Covas aparecia, em 2010, como candidato da Baixada Santista, antes de mudar de domicílio eleitoral. Mas, na prática, soa como desculpa para uma série de erros de campanha.

As urnas não mentem e fornecem lições, mas somente para quem tem interesse em aprender. Talvez seja a hora de descer do pedestal da vaidade e compreender que se tornou caso de sobrevivência voltar ao banco escolar eleitoral. A nova prova já está marcada: 2016.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Conversa inútil


Marina Silva, Dilma Roussef e Aécio Neves

Os debates na TV entre os principais candidatos à Presidência da República garantem duas certezas: pérolas de humor e a necessidade de se rever, com urgência, um formato que se tornou inútil para o processo eleitoral.

Os debates políticos tornaram-se meros enfeites. São conversas em que sobram ataques pessoais, frases melancólicas e a ausência quase completa de propostas e de programas de governo. Ironicamente, não discutir além das generalizações nos poupa de peças de ficção científica, embora não nos proteja de promessas ocas.

Os debates cometeram suicídio político. Há debates em excesso na TV brasileira. Todos os canais resolveram montar o próprio ringue. Quem tem audiência e prestígio fica para o final da campanha. O SBT chegou ao cúmulo de promover um debate no horário improvável das 17h45.

Os índices de audiência comprovam a ineficácia do formato. Nenhum debate registrou mudanças substanciais de público. Aliás, as pesquisas indicam que os debates pouco alteram as intenções de voto. Pelo contrário, reforçam teses do eleitorado, tanto o engajado quanto o que caiu de paraquedas via controle remoto. As brigas entre os candidatos confirmam o amor e o ódio por eles.

Além disso, os debates viraram um rosário de restrições, por pressões das equipes de campanha. Com o formato engessado, sobrou pouco espaço para manifestações espontâneas. Dois candidatos combinam entre si para atacar um terceiro. Os cidadãos comuns, ao contrário do modelo americano, foram calados e ficaram distantes do processo.

Quem lidera também ficou mais protegido, paradoxalmente. O modelo atual dá margem para ataques, mas expõe o agressor como alguém que abriu mão de propostas em detrimento da briga de rua. Em situações nas quais o líder das pesquisas pode vencer no primeiro turno ou com folga no segundo turno, é muito mais cômodo simplesmente não aparecer na TV. Isso aconteceu, por exemplo, com Lula e com o então prefeito de Santos João Paulo Tavares Papa.

Os eleitores mais saudosistas, neste momento da corrida, se lembram dos primeiros debates, no final da década de 80. Lembram-se de concorrentes como Mário Covas, Ulisses Guimarães, Paulo Maluf, Leonel Brizola, Lula e até Fernando Collor. Sem entrar no mérito das paixões, os primeiros debates eram conduzidos por grupos de veículos de comunicação e aconteciam em quantidade menor. As regras eram mais soltas e davam maior mobilidade aos candidatos. 

Da esquerda para a direita, Paulo Maluf, Mário Covas,
Maria Gabriela (mediadora), Lula, Ronaldo Caiado e
Guilherme Afif Domingos

Os debates presidenciais começaram nos Estados Unidos, em 1960, ainda no tempo da TV preto e branco. Os candidatos eram o republicano Richard Nixon e o democrata John Kennedy. O primeiro debate foi transmitido simultaneamente no rádio e na TV, pela CBS.

O impacto foi curioso. Nixon teria vencido para quem ouviu pelo rádio. Para os telespectadores, o ganhador foi Kennedy, visto como mais bonito, carismático e de voz sedutora. Nixon suava em bicas dentro do estúdio, o que dava a impressão de nervosismo. As reações contraditórias causaram tamanho estrondo que os Estados Unidos ficaram sem debates na TV por 16 anos.

Assisto aos debates por obrigação profissional, e penso que não precisamos ignorá-los. Talvez tenha a esperança de que o circo dê lugar a uma conversa séria. Ou que a palhaçada assuma de vez o lugar no picadeiro.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Pelé e a bruxa


Pelé se tornou o rei do futebol por sempre surpreender, uma das características inerentes aos gênios. Mas os gênios também possuem uma particularidade: a ingenuidade diante de certas coisas do mundo.

Pelé, cada vez que se manifesta sobre racismo no futebol, deixa de ser exemplo e reforça – espero que sem saber – o discurso dominante da discriminação. Pelé colabora com a ideia de que o racismo representa um problema social menor, que deve ser tratado na esfera privada. Assim o fez no caso do goleiro Aranha. 

Tinga e Arouca também foram vítimas de racismo

De que maneira tratar um assunto, presente na raiz da formação da sociedade brasileira, como um tema entre quatro paredes? Foi desta forma que, durante décadas, prevaleceu a retórica de que não havia racismo no país. Racismo era um problema norte-americano, pois aqui vivíamos sob a miscigenação democrática. Era o caminho mais eficiente da dominação, que se cristaliza pela invisibilidade. Ninguém fala, muitos negam, todos amenizam, a chaga permanece viva.

As palavras do rei do futebol são contraditórias. Ele defende punições, mas afirma que tocar no assunto é aguçar ainda mais a violência. É o argumento distorcido da invisibilidade. Quando, então, vamos colocar o dedo na ferida? Quando vamos, de fato, aplicar a legislação e punir os responsáveis?

Pelé, enquanto jogador, sofreu inúmeras agressões. E calou-se. É claro que o contexto histórico era outro, da quase ausência de reação, da impunidade absoluta para os selvagens. É famoso o episódio em que o então jogador do Santos, ainda menino e desconhecido, foi barrado em um clube da cidade, onde os negros só entravam pela porta dos fundos.

Em 1963, o Santos enfrentou o Boca Juniors, em Buenos Aires. Pelé foi chamado várias vezes de “negro sujo” e “macaco” pelos torcedores argentinos. Xingamentos já haviam ocorrido na Suécia, durante a Copa de 1958, vencida pelo Brasil.

As agressões ao goleiro Aranha indicam como estamos despreparados para lidar com o racismo. O futebol é termômetro da sociedade brasileira, sob quaisquer ângulos de análise. Existem pilhas de estudos, inclusive na área de História, que apontam o futebol como rio onde deságuam todos os tipos de violência presentes no país.

A discriminação contra o goleiro do Santos, até o momento, parece ser mais uma chance perdida de realmente alterar o estado de coisas. A punição ao Grêmio, pelo histórico da Justiça Desportiva, será amenizada. O rigor é seguido do barulho, que dá lugar aos panos quentes quando o tempo esfria. 

Daniel Alves ironiza torcida do Villareal

Ao mesmo tempo, a superficialidade se manifesta na caça às bruxas. Ou melhor, uma bruxa, vestida de bode expiatório. A torcedora gremista foi caçada no melhor estilo inquisitório medieval. Ela deve ser punida pelo crime que cometeu? Sim.

No entanto, o que vemos é a confusão entre justiça e linchamento. Não é a primeira vez este ano, apenas para ficar no passado recente. Ou nos esquecemos de mortes e pessoas amarradas em postes? O percurso é muito semelhante: o tribunal virtual é rápido em condenar, veloz em se esconder das consequências. A torcedora gremista ainda estava na arquibancada quando abriu a temporada de caça.

A garota foi ameaçada de morte e de estupro. Depois, transformou-se em celebridade-vilã da semana e, por conveniência, ninguém procurou saber quem eram os demais torcedores. Será que o goleiro Aranha possui superaudição capaz de detectar um único xingamento numa arquibancada lotada?

Agora, a casa da moça foi incendiada. Esta novela é repeteco da TV, que só termina com a morte da vilã? Historicamente, todas as sociedades adeptas do olho por olho, dente por dente, terminaram em barbárie. E nenhuma delas colocou em pratos limpos suas sujeiras sociais, como o racismo.

Entre palavras equivocadas do rei e reações animalescas de seus súditos, infelizmente, só sobraram botinadas e gols contra.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O preço de uma campanha


A vida mudou para Marina Silva. E não me refiro à mudança de candidatura por causa da morte de Eduardo Campos. A trajetória de Marina se alterou por conta das ações políticas que podem conduzi-la à vitória no segundo turno. 

Marina Silva, em capa de 2010. O que mudou?

Em 2010, ela era a candidata de protesto. Hoje, ela é uma candidata de fato. E isso vira do avesso o papel da ex-senadora do Acre e o peso de suas palavras e atos. A chance de acabar com a polaridade PSDB-PT expõe suas posições mais polêmicas e – acima de tudo – suas alianças e seus grupos de apoio. Marina Silva virou o alvo preferencial de quem ainda não entendeu o que se passou no último mês, mas compreende que ela personifica o peão que sacudiu todo o tabuleiro.

A proximidade da eleição e o crescimento de Marina nas pesquisas fazem com os dois maiores partidos brasileiros se agarrem em todos os fios desencapados de seus comitês de campanha. A ordem é atirar contra a candidata do PSB. Qualquer opinião dela será dissecada e transformada em espetáculo, mesmo que seja parecida com a dos candidatos adversários.

A desinformação é a arma para tentar conter um segundo turno, sem Aécio Neves. Boatos e fofocas valem mais do que fatos. Se os fatos por acaso forem mais sólidos, por que não requentá-los em microondas?

O debate vazio sobre o aborto foi ressuscitado. Todos se esquivam, ninguém fala sobre políticas públicas. A mudança de posição sobre o casamento gay no programa de governo de Marina pariu bandeiras de protesto, como se fosse uma novidade diante de uma candidata com raízes religiosas fortes e como se programa não fosse peça de ficção científica.

Marina Silva canalizou também a intenção de voto útil. Nas conversas do cotidiano, muitas pessoas passaram a prestar atenção nela pelo espírito anti-PT e pelo cansaço do modelo tucano, multiplicador de projetos e marketing.

Neste sentido, o discurso ambiental – que seduziu na corrida eleitoral de 2010 – virou fundo de prateleira. Não seria coerente agora um olhar sustentável de mundo, ao lado de um vice que carrega a influência do agronegócio.

É triste testemunhar que a campanha eleitoral caiu novamente na vala superficial dos ataques pessoais e dos temas desconectados de políticas públicas. Em outros momentos, os candidatos tratam educação, saúde e economia de maneira tão genérica que parecem discursar sobre entidades espirituais.

Os ataques contra Marina Silva também envolvem o cardápio de alianças da candidatura dela. O PSB, um partido até ontem no Governo Federal, tenta se exibir como baluarte de nova política, quando caminha com sapatos tão gastos que dá ver as meias pelos furos das solas.

Quem seria tão ingênuo em crer que se tornou possível, dentro do sistema político brasileiro, governar com chapa pura, sem esqueletos de alianças embaixo da cama? Ou alguém acredita que os amigos de hoje de PT e PSDB, se sentirem o cheiro de derrota, não mudarão de endereço como se nada tivesse acontecido?

Votar em Marina Silva é arriscar os dados não somente pela ausência de experiência administrativa dela, mas principalmente pelo novo cenário de alianças que se desenha. É apostar em loteria. Mas, fazendo o advogado do diabo, qual candidato não seria?

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Fulano, o candidato




Caro eleitor, cara eleitora,

Começou o Horário Eleitoral Obrigatório no rádio e na televisão. É o momento de me apresentar a você. Meu nome é Fulano de Tal e sou candidato a deputado nestas eleições. Sou filho, pai, irmão, cidadão e trabalhador. Sei o que você precisa e deseja para os próximos quatro anos.

Quero ser seu representante em Brasília. Quero ser seu porta-voz no Congresso Nacional. Serei o grito contra a exclusão, a desigualdade e a injustiça que dominam este país. Não vou me dobrar aos poderes do dinheiro e das velhas políticas dos antigos coronéis.

Nunca fui candidato, mas tenho experiência em trabalho social, porque sempre me preocupei com o bem-estar das outras pessoas. Desde criança, aprendi com meus pais o valor de praticar o bem em nome da sociedade. Passávamos fome, mas sempre soubemos o valor de dividir um prato de comida com o próximo. Ajudei idosos, crianças, altos, baixos, gordos, magros, doentes, santistas, corintianos, palmeirenses, são-paulinos e outras pessoas necessitadas.

Com muito suor dos meus pais, pude estudar e, com a força dos meus braços, sempre soube dar valor ao trabalho. Trabalho desde cedo, sempre preocupado com a cidadania, sempre alerta para os obstáculos da sociedade.

Sou o novo, aquele que ajudará você a testemunhar a renovação que precisa acontecer neste país. Também estou cansado das velhas políticas, do velho toma-lá-dá-cá. Assim como você, eleitor e eleitora, quero novidades, novas propostas para mudar São Paulo, para mudar a nossa cidade, a nossa região.

Prometo muito trabalho e honestidade para que o Estado de São Paulo possa respirar a mudança, o progresso e o desenvolvimento. Nasci na Baixada Santista e tenho muito orgulho da minha terra. Por isso, resolvi lutar pela minha população, para que a região esteja preparada para um novo cenário, que inclui o pré-sal, o turismo de negócios e o crescimento imobiliário.

Em Brasília, vou lutar por segurança, educação, saúde e habitação. Parece muito? É pouco pela força que carrego comigo, pela vontade de trabalhar pelas pessoas. Mais do que isso: vou trabalhar para melhorar a qualidade do nosso transporte coletivo. Vou brigar pela mobilidade urbana, por novos empregos para a região da Baixada Santista. Farei, junto com meus colegas de partido, uma nova região, voltada para a criação de projetos que garantam qualidade de vida para moradores e turistas que venham nos visitar.

Sou um homem de palavra e de família. Aliás, prometo lutar pelos direitos da família e meus semelhantes. Sou um homem de fé e, em nome de Deus e de minha religião, vou exorcizar os hereges e os pecados que dominam a política brasileira e os governantes. Chega de usar a política para fazer o mal.

Não caia na conversa daqueles que riem de vocês, eleitor e eleitora, desaparecem e só se lembram depois de quatro anos. Não deem ouvidos aos candidatos que te fazem de palhaços. Em Brasília, serei o símbolo da seriedade e da honradez na política. Não vou me render aos conchavos e aos acordos que tanto nos incomodam no Congresso.

Projetos concretos? Prazos? Dinheiro? O que faz um deputado? Isso é conversa dos adversários, daqueles que nunca pensaram na Baixada Santista e se alimentam de promessas. Daqueles que jamais pensaram na região como um polo de desenvolvimento. Garanto a você que, comigo, não faltará trabalho, 24 horas por dia, sete dias por semana, 30 dias por mês.

Para não se dar mal, vote em Fulano de Tal para deputado federal. Vou limpar o Congresso Nacional. Meu número é 9999. Conto com seu voto!

Obs.: Este texto é uma peça de ficção. Qualquer semelhança com o que você vê no Horário Eleitoral Obrigatório NÃO É mera coincidência!

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O candidato e os jornalistas


A morte de Eduardo Campos é, infelizmente, aquela história clássica que reacende o brilho nos olhos dos bons jornalistas. Imprevisível na origem e incontrolável nas consequências, o acidente – de impacto único na história brasileira – alterou drasticamente a rotina das redações. E, com o regime de exceção, nasceram as coberturas consistentes e os erros jornalísticos.

Em primeiro lugar, é irresponsável exigir respostas imediatas numa situação como um acidente aéreo, até porque elas não existem. Todos os fatos precisam de maturação. Todos os fatos apresentam múltiplas causas e variadas consequências. É infantil confundir a agilidade das redes sociais, que multiplicam as informações desencontradas, os boatos, as teorias conspiratórias, com a prática do Jornalismo, que precisa se equilibrar entre a velocidade da informação e o contexto dos acontecimentos. 

Local do acidente com o avião, em Santos (SP)
As redes sociais potencializaram o tradicional consumidor de informação como produtor e distribuidor de conteúdos eventualmente informativos, em outras vezes alarmistas. Esta relação horizontal entre jornalistas e opinião pública não pode ser vista sequer como competição, por conta dos papéis diferenciados no nascimento destas funções sociais. 

Uma cobertura como essa não fornece aos jornalistas a possibilidade do planejamento, como uma Copa do Mundo. As notícias e os ângulos de análise são, muitas vezes, construídos ao longo do processo, o que exige um olhar mais aguçado dos profissionais envolvidos, como também eleva o risco de erros e exageros.

Tais posturas sempre vão acontecer, e não somente em um caso especial. Os escorregões ocorrem no cotidiano. Por que insistir em apresentadores que especulam? Por que acompanhar certos repórteres que se comportam como abutres? Cabe também ao público duvidar deles e separar o palavrório da informação crível.

É evidente que muitas redações foram vitimizadas pelas próprias empresas jornalísticas, em quantidade e qualidade. Faltam profissionais, quanto mais especialistas em certos assuntos, como aviação e acidentes aéreos. É óbvio também que times pequenos não recebem salvo conduto para trabalhar sem limites éticos.

Mas há redações que sangram pelas boas histórias. Jornalistas que estavam de férias retornaram para cobrir o acidente aéreo e suas consequências. Jornalistas que vararam a noite ou fizeram horas extras que jamais verão em suas contas bancárias. Jornalistas que entenderam, desde os bancos das universidades, o que significa uma história importante, que afeta milhares de vidas. Vidas perdidas ou não. O resto são seguradores de gravadores ou microfones, dispostos a cavar por corpos e suas imagens horrendas.

Seria mais sensato que os jornalistas oferecessem apenas o que podem do que comprar o bilhete da esquizofrenia midiática e descumprir promessas. Depois do choque, sempre começa o processo de assentamento dos fatos. A velocidade do público – em sua maioria – não é em tempo real. Os leitores querem saber o que se passa minimamente, para depois entender o que aconteceu. É dever dos jornalistas esclarecer também o tempo dos acontecimentos. Assim, não assumem o que não podem entregar e evitam efeitos colaterais de uma cobertura jornalística histérica.

É ingênuo esperar que os jornalistas sejam capazes de atender a todas as demandas por informação. O que as pessoas de bom senso esperam dos jornalistas? Sensibilidade e solidez cultural para serem capazes de fornecer o maior número possível de variáveis de um cenário novo e pouco explorado. Conhecimento técnico deve ser buscado com quem o possui, de fato. Chutes e informações como loteria, em tempos de redes sociais, transformam a cobertura em capítulos vergonhosos de ficção rasteira.

É preciso compreender que o Jornalismo não depende de si mesmo para sobreviver. Depende da capacidade de localizar aqueles que podem auxiliar estas testemunhas a entender, com o mínimo de civilidade razoável, o que se deu no quarteirão do lado, atrás da minha casa, no bairro onde houve fumaça e uma explosão.

Coberturas como o acidente aéreo que vitimou o candidato à Presidência Eduardo Campos e outros quatro passageiros, mais os dois pilotos, estarão sempre sujeitas a equívocos. O andamento da própria cobertura é capaz de nos mostrar quem erra deliberadamente e quem deslizou por conta do excesso de conteúdo disponível ou dos ajustes das equipes de reportagem.

Neste sentido, nós, jornalistas, não podemos trocar as histórias humanas – natureza de nossa profissão – por momentos de morbidez ou de voyeurismo perverso. Eduardo Campos é, por exemplo, o ator principal deste evento trágico, mas não o único sujeito. Muitos repórteres perceberam, de cara, a necessidade de contar o que aconteceu pelos olhares das pessoas comuns, muitas delas com a rotina completamente destroçada tanto quanto suas próprias moradias.

Não há espaço para maniqueísmo ou enfoques baseados em dramalhões novelísticos. A cobertura eleitoral é também essencial, inclusive porque – indiretamente – provoca impacto no cotidiano dos mesmos indivíduos afetados pelo acidente, claro que de maneira menos perceptível. Um lado complementa o outro e enriquece a cobertura jornalística.

Vamos dar mais tempo aos bons jornalistas. Sem generalizações moralistas, deixemos que nos contem – no devido tempo e com profundidade – as histórias que precisamos saber. Mais do que a instantaneidade dos aplicativos e das redes sociais, precisamos da profundidade que reside nos sentimentos humanos. E só podemos alcançá-los com serenidade e reflexão.

Os jornalistas que fazem jus ao nome têm olhos e ouvidos atentos. São os mensageiros dos gritos das testemunhas. E entendem que precisam também demonstrar o que sentem, sem afetações. Numa cobertura como esta, marcada pela morte e pela dor, a relação entre público e jornalistas deve ser horizontal sim, mas na cooperação pela transparência dos relatos, procurando nos pormenores os pedaços que talvez ajudem a concluir um quebra-cabeça, que não nasceu pelas conspirações paranoicas, mas por razões que só o tempo de apuração, de checagem, de elaboração e publicação poderá responder, ainda que parcialmente.

Os próximos passos, sem Eduardo Campos


A hora é de luto, de condolências, de demonstração mínima de civilidade e de compaixão pelos familiares do candidato à presidência Eduardo Campos, dos pilotos e dos assessores, além da preocupação com as vítimas e seus parentes que moram nas imediações do local do acidente aéreo, em Santos. Não é o momento para piadas, divulgação de imagens bizarras e teorias conspiratórias ou de manifestações via Fla-Flu da política eleitoral. 


Ao decretar luto de três dias e informar que paralisaria sua campanha pelo mesmo período, a presidente Dilma Rousseff deu o recado. É necessário dar a devida atenção aos funerais, reforçar os sentimentos aos familiares de todos os envolvidos. É um cessar-fogo numa campanha eleitoral mais curta e que dava sinais de que começava a esquentar. Os candidatos à presidência deram entrevistas aos principais canais de TV. O horário eleitoral entrará no ar no dia 19.

Por outro lado, analistas e a própria classe política não podem abrir mão, mesmo que discretamente, das perguntas: como vai ficar a campanha eleitoral? Quem vai substituir Eduardo Campos?

Se muitos políticos bem mais velhos não deixaram herdeiros ou não se preocuparam em formá-los, como esperar um sucessor político de um candidato que estava no auge da carreira, aos 49 anos? Em Pernambuco ou no PSB, onde era a maior liderança, não há substitutos. Campos era visto como um menino prodígio, maior herdeiro – ainda com diferenças ideológicas – do avô Miguel Arraes, um mestre na política.

Eduardo Campos, provavelmente, não seria eleito, mas deixaria o próprio nome mais sólido para a campanha presidencial em 2018. Ele tinha afirmado, esta semana, que a campanha nacional era um grande aprendizado, diferente das corridas regionais que o levaram ao Governo de Pernambuco. A disputa nacional tinha menos corpo a corpo, menos caminhadas e mais discussões, reuniões, eventos de caráter regional, que pudessem aglutinar lideranças políticas.

Na coligação em torno do PSB e mesmo dentro do partido, não há nomes disponíveis para uma campanha com apenas 45 dias de duração. Nomes conhecidos, que não dependam de uma construção de imagem do zero. Corrigindo, dentro do partido (e por um acordo único), há Marina Silva. O PSB tem dez dias para decidir se terá outro candidato, comunicar os demais partidos da aliança e aguardar as aprovações regionais da decisão.

Segundo analistas políticos que acompanham de perto a campanha, Eduardo Campos e Marina Silva tinham boa relação e lidavam bem com as diferenças ideológicas e de programa de governo. O problema está entre as patentes mais baixas, com a inadequação de membros da Rede dentro do PSB. A turma da Rede é vista com mal necessário, aqueles parentes agregados em um casamento.

Marina Silva tem a seu lado as pesquisas eleitorais. Sempre que o nome dela foi colocado na disputa, Marina teve um desempenho melhor do que Campos. Mais do que isso: ela era o único nome capaz de enfrentar a presidente da República. 


Se Marina se candidatar, certamente tirará votos tanto de Dilma quanto do candidato do PSDB, Aécio Neves. Em tese, pois o que podemos esperar do próprio PSB com uma “estrangeira” como cabeça de chapa? Marina Silva acompanhava Campos na tentativa de atrair simpatia de fatias da sociedade, assim como torná-lo mais conhecido nas regiões Sul e Sudeste.

Caso se torne candidata, Marina ganhará uma intensidade de poder que o PSB não deseja conceder. Ela passará a dar as cartas da campanha, elevando consigo as frentes da Rede que seguiam adormecidas ou silenciadas. O programa de governo mudará, assim como o tom dos discursos. Os demais partidos da aliança seguirão com ela? E o tempo no horário eleitoral?

Se o PSB quiser manter o caminho de crescimento nacional, talvez tenha que engolir Marina e o lastro de 20 milhões de votos da eleição anterior. Haverá o risco de fortalecimento da instituição partidária, enquanto nomes importantes da sigla encolhem.

A morte de Eduardo Campos cria uma situação inusitada no cenário. Na década de 50, o então candidato Salgado Filho, que havia sido o principal nome da Aeronáutica, morreu num acidente aéreo. O aeroporto de Porto Alegre leva o nome dele. Obviamente, o contexto político era extremamente diferente.

Depois dos três dias de luto, a campanha recomeça, pelo menos às claras. Nesta encruzilhada, todos esperam pelo movimento do PSB e, depois, por Marina Silva, principalmente os adversários.

Onde elas estão?


Com o início da campanha eleitoral, ficaram claros quais tipos de estratégia serão usados numa corrida cada vez mais padronizada, com a diferença da conta bancária entre os favoritos e os azarões.

Neste cenário, houve a queda no número de concorrentes aos cargos de deputado federal e estadual. O primeiro fator é a falta de dinheiro na praça. Os investimentos estão mais concentrados nas campanhas dos tubarões e sobrou pouco alimento para os peixes menores, muitos deles dispostos em aparecer na vitrine para a eleição de 2016. Acabaram de fora na primeira curva.

Como segunda causa, muitas alianças partidárias optaram por enxugar o número de corredores, com foco em poucos nomes, mas com maiores chances de vencer ou abocanhar uma suplência. Isso reduziu o quadro de renovação e manteve, óbvio, ex-prefeitos e ex-parlamentares – além dos candidatos à reeleição – como favoritos no páreo.

Uma das decepções é a baixa presença feminina. São 13 mulheres entre 85 candidatos. Com pequenas variações, é o mesmo índice das duas eleições anteriores. Para variar, nenhuma coligação conseguiu alcançar a cota exigida de 30% da chapa composta por mulheres.

Mesmo entre as mulheres, a renovação não é elevada. A presença de uma mulher na presidência ou de três prefeitas nos nove municípios da Baixada Santista são exceções históricas. A única boa notícia é que, no país, o número de mulheres candidatas cresceu 45,6%, mas a estatística é limitada diante de um eleitorado que representa 52% do total. Como votantes, as mulheres são maioria.

A história da Baixada indica que as mulheres ocupam algum espaço nos partidos teoricamente mais à esquerda. Uma das três prefeitas da Baixada, Marcia Rosa (Cubatão), é do PT. Maria Antonieta, do Guarujá, foi do mesmo partido. As duas deputadas do litoral sul com mandato, a federal Maria Lúcia Prandi e a estadual Telma de Souza, militam no mesmo endereço.

Infelizmente, a política ainda representa uma prática machista e, acima de tudo, controlada por homens. Os partidos, em grande parte, enxergam as mulheres como enfeites. Em outras palavras, como representantes de políticas assistenciais ou em áreas historicamente femininas, como a educação. Na visão machista, política social não integra o conceito de progresso ou de desenvolvimento econômico.

Lembro-me de uma professora que foi convidada para entrar em um partido político. Na primeira reunião, soube que ajudaria na organização da ala feminina. O dirigente a informou que um dos objetivos era aumentar a presença das mulheres na sigla.

No segundo encontro, a professora descobriu o que significava “mais mulheres na sigla”. A presença feminina ficaria restrita à organização de chás e campanhas beneficentes. A professora agradeceu pelo convite, alegou falta de tempo e nunca mais voltou ao partido. O dirigente perdeu uma eleitora.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O mal em silêncio


A Aids padece de um sintoma tão perigoso quanto as consequências provocadas pelo vírus HIV. Se antes predominava o preconceito, hoje prevalece o silêncio em torno da doença. Médicos e agentes de saúde têm falado com frequência sobre as dificuldades em convencer as pessoas de que os cuidados preventivos nunca devem ser esquecidos e que as campanhas devem ir além das datas comemorativas.

A Unaids, agência da ONU que trata da epidemia, divulgou um relatório sobre o avanço da Aids em todo o mundo nos últimos oito anos. No Brasil, houve crescimento de 11% no número de casos. O número de mortes aumentou 7%. São 16 falecimentos para cada mil soropositivos.

No planeta, houve queda de 27,6%, inclusive na África, continente que concentra 1,5 milhão dos 2,1 milhões de infectados. Ali, reside a soma de preconceito, miséria e ausência de políticas públicas na maioria dos 54 países. Em muitos endereços, ainda persiste a ideia de que o homem não precisa usar preservativo porque quem adquire e transmite a doença é a mulher.

Do lá de cá do oceano, a situação não é reconfortante. Na América Latina, a liderança em número de casos é brasileira. Na região, são 10 novos casos por hora. Seis em cada dez infectados são homens. Um terço das contaminações acontece entre jovens de 15 a 24 anos. A pior situação é na Guatemala, onde houve aumento de 95% no número de casos.

Na Baixada Santista, a situação é de estabilidade, o que não significa boa notícia. Pelo contrário! A preocupação é que a doença se movimenta sem alarde, diante da perspectiva de que a prevenção pode ser aliviada, principalmente entre jovens e idosos.

A região registrou 4 mil casos, nos últimos oito anos. O número é subestimado porque não considera os soropositivos que não apresentaram problemas de imunidade. Santos lidera com cerca de 1450 casos. Na prática, a média é superior a um caso por dia na Baixada.

No ano passado, participei de um debate com profissionais de saúde e representantes de ONGs sobre o tema. O discurso era unânime. A doença reduziu o ritmo, mas nunca deixou de avançar na região. Os infectados por drogas injetáveis se concentram em bolsões de consumo de crack e outros entorpecentes, como a área do Valongo.

No entanto, o maior problema está entre os jovens do sexo masculino, que se dividem em dois grupos: 1) aqueles que abrem mão da camisinha por ter um número reduzido de parceiros; e 2) aqueles que possuem múltiplos parceiros e preferem jogar na loteria, em comportamento de onipotência.

Entre os idosos, ressurge o preconceito machista, que prevalecia do início da epidemia, na década de 80, até o começo dos anos 2000. Um estudo do fisioterapeuta Elton de Freitas, professor da Universidade Católica de Santos, indica que muitos idosos se tornaram soropositivos por conta de alta quantidade de parceiras e a recusa do uso de preservativo, não pela autoconfiança, mas pela crença de que a camisinha reduziria o prazer. É a ressurreição da expressão “chupar bala com papel”.

Soma-se a isso a entrada de medicamentos no mercado, como Viagra, e a expansão de centros de sociabilização, com bailes e outros eventos. Muitas mulheres, envergonhadas e temerosas de perder o parceiro, aceitam o relacionamento sexual sem camisinha e acabam contaminadas. Por trás de todos os fatores, não importa a idade do paciente, a falsa crença de que o coquetel de medicamentos garante a sobrevivência por décadas, sem sofrimento.

A Aids ainda é um problema central de saúde pública. Mais do que empilhar números, como fiz neste texto para convencer você, leitor, a Aids representa um quadro de dor e preconceito, humanizando um mal incurável que, infelizmente, se move com a conivência do silêncio.

sábado, 26 de julho de 2014

As fotos que nos condenam

Vivemos afogados em imagens. O fenômeno não é recente, mas hoje nos indica o caminho do suicídio. Vivemos afogados em imagens produzidas por nós mesmos. A maioria delas inúteis, inclusive para quem as criou, destinadas ao esquecimento instantâneo, à indiferença pelo banal, à ausência de afetividade contínua.

Com o início da campanha eleitoral, os peões se movem na guerra da informação. E, numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Mais do que isso, a luta é para se construir uma nova “verdade”, artificial, sorridente, cheia de promessas, sem contexto. 

Lula, Haddad e Maluf, em 2012

As fotos assinam os casamentos de ocasião eleitoral. Apoios e alianças, que rendem cargos e acesso aos contratos, são chamados de governabilidade, aquela entidade espiritual que justifica as incoerências éticas e históricas.

Mas as fotos, quando bem selecionadas, não naufragam no mar de uma rede social. Imagens podem ser emblemáticas. Fotografias podem ser o documento histórico que mancha a biografia e ressuscita o pecado político sem a presença do confessionário.

As fotos entre os políticos soam como tragicômicas. Experiente na arte de esconder, Paulo Maluf sabe que uma foto é o contrato de cobrança para participar das refeições políticas no poder. Mas ele também sabe que uma imagem pode ser negada com enxurradas de palavras desconexas. O que importa é a frequência e a violência dos argumentos. 

Alexandre Padilha e Paulo Maluf, em amor de verão

Maluf repetiu com o candidato do PT ao Governo de São Paulo, Alexandre Padilha, a famosa imagem que fez com Lula e o prefeito Fernando Haddad, em 2012. Dias depois, assim como negou que nunca mais se candidataria se Celso Pitta fosse um prefeito ruim, Maluf anunciou apoio a Paulo Skaf, concorrente de Padilha ao mesmo cargo, só que pelo PMDB. 



O ex-presidente Lula, sempre simpático para os fotógrafos e cinegrafistas, já tirou fotos com todas as espécies. Sarney, Collor, Maluf, FHC, todos sorriram – em circunstâncias diferentes – para selar uma união pela “governabilidade”. Como interesses e pessoas mudam, Lula e FHC – irmãos na luta pela democracia – hoje parecem velhinhas que implicam com a barra da saia da outra. Lula diz que não lê o que FHC escreve, mas o próprio também já pediu outrora que esquecessem o que escrevera. 

Aquele abraço, em Palmeiras dos Índios, Alagoas

Na semana passada, um episódio da corrida eleitoral na Baixada Santista reforçou a adoção das velhas estratégias de uso da imagem. O candidato a deputado estadual Junior Bozzella apareceu, em cartazes, ao lado do prefeito de Santos, Paulo Alexandre, e o candidato a deputado federal João Paulo Tavares Papa. É a surrada aposta de associar o produto à marca e fisgar o eleitor-consumidor pela desinformação.

Menos de 24 horas depois, os cartazes sumiram dos muros. O prefeito de Santos, bem treinado nas técnicas do marketing político, joga suas fichas na lei do lixo e não poderia ser associado à sujeira da campanha eleitoral. Uma imagem, na política, pode valer como mil palavras, quando surfa na ignorância dos cidadãos.

Na Era da Imagem, as fotos perderam – em sua maioria – o poder de perpetuar um cenário, uma experiência, uma história. Mas, na sabedoria popular, fotografias não mentem sobre um ditado: diga-me com quem andas que te direi quem és.

sábado, 19 de julho de 2014

Na terra de Julio Verne


Com o início da campanha eleitoral, eles se multiplicam, elevam o tom de voz para aparecer na multidão, se tornam mais criativos e tagarelas. A política se transforma numa competição em que vence o campeão da megalomania. Se somarmos todas as propostas de obras mirabolantes que apareceram por aqui nos últimos dez anos, a Baixada Santista seria cenário nos livros do mestre Julio Verne. 

Julio Verne teria imaginação para tantas obras?

Na verdade, nem Verne teria a imaginação de reunir, numa mesma região, tantas fábulas que prometem a revolução econômica e social ao mesmo tempo. Do milagre da multiplicação de empregos à pós-modernidade do sistema de transporte. No discurso de ocasião, os eleitores não sabem qual gênero literário escolher. Não sabem se ficam entre a ficção científica, a fantasia mágica de Harry Potter ou a transformação de homens de gravata em super-heróis de histórias em quadrinhos.

O último capítulo delirante foi o túnel entre Santos e Guarujá. A ideia, nascida na primeira metade do século passado, deveria se manter nas páginas da História, como uma metáfora entre o mar bíblico que se abre para os peregrinos e as vinte mil léguas submarinas. Implantar o submarino Nautilus poderia amenizar as filas nas balsas?


Nautilus: solução para as filas das balsas

A saga do túnel envolveu uma dúzia de projetos diferentes, múltiplas audiências públicas, protestos de moradores que seriam desalojados, balões de ensaio com assinaturas jurídicas e até vídeos – por que não passaram nas salas de cinema, como trailers de animações em 3D? – que detalhavam todo o trabalho. Era o calvário imaginativo de mais uma obra que existe somente no papel. As ilustrações estão lá, agora começa o romance.

O capítulo da vez é a suspensão do processo licitatório. O texto não passou por erros jurídicos. Mais dinheiro no ralo para que o equívoco teoricamente seja corrigido. No meio do caminho, uma eleição. Dependendo de quem vença, o vídeo do túnel poderá enriquecer o museu de arte contemporânea, ao lado da maquete da ponte, inaugurada em 2010.

A ciranda política roda, mas a mentalidade permanece. Todos seguem a cartilha surrada de ícones como Adhemar de Barros e Paulo Maluf, na qual obras gigantes simbolizam progresso e desenvolvimento. Políticas públicas de longo prazo, com viés social e de infraestrutura, queimam como água benta nos braços dos pecadores.

Mesmo a mentalidade de grandes obras é falha. O passado recente é prova arquitetônica disso. De Peruíbe a Bertioga, a classe política coleciona trabalhos atrasados ou incompletos. Todos ganham fita, tesoura e sorrisos. De ginásios no Litoral Sul a teatros na carcaça em terras calungas. Se não se conclui quiosques da praia de Santos no prazo, o que esperar do VLT, antes metropolitano, agora ligação dentro da Ilha de São Vicente e traçado polêmico?

Nos próximos três meses, além das obras que lembram ficções apocalípticas, a dramaturgia política deverá nos premiar com o casamento entre projetos anunciados e promessas milagrosas de mudança de vida. É o enredo perfeito para o horário eleitoral gratuito, o programa humorístico de riso nervoso e graça discutível.

Como me disse um amigo escritor, a ficção jamais consegue competir com a realidade. Nem Julio Verne.

terça-feira, 15 de julho de 2014

A lei contra os porcos


A aplicação das primeiras multas para as pessoas que sujam as ruas de Santos reforçou os holofotes sobre a lei do lixo. Apesar da aprovação elevada da população e da importância de colocar o tema em pauta, a lei esconde aspectos culturais, passíveis de reflexão. 

Ele não precisa de lei. Só suja o próprio quintal

A lei se encaixa no comportamento cultural de que é preciso a mão forte e paterna do Estado para que problemas coletivos sejam amenizados ou resolvidos de vez. O pai é sempre provedor, juiz e carrasco e, desta forma, sabe o que desejamos para nós mesmos. A surra vem da mesma mão que acaricia.

Não digo que esta lei é desnecessária. Sabemos, contudo, que o país acolhe os atos jurídicos como leis que pegam e leis que não pegam. É a voz silenciosa, a reação muda de todos os envolvidos, no paradoxo de quem aceitou uma canetada de cima para baixo, excluindo-se da criação da legislação.

Implantar uma lei seria, na visão de muitos políticos, a maneira de mostrar serviço aos eleitores, ainda que não represente mudança na estrutura de fiscalização. Para os eleitores, é o conforto da transferência de responsabilidade, de quem não se vê como elemento essencial no problema.

Por outro lado, a legislação ilumina um comportamento selvagem, independentemente da conta bancária. Falta de educação não está ligada a diploma, local de moradia, classe social ou custo do carro financiado. Jogar lixo na rua significa a ausência de consciência político-cidadã, na qual o indivíduo é capaz de compreender que o espaço público é de todos e deve ser zelado pela coletividade.

A lei do lixo também expõe que certas posturas só podem ser construídas se o bolso fica mais pesado. Multas alteram ações cotidianas. Multas geram medo, fazem o sujeito pensar duas vezes. Mas daí nascem duas ideias. A primeira é que talvez o sujeito não incorpore ou entenda a necessidade de se portar de outro jeito. Apenas o faz porque teme a punição. O outro aspecto é que, sem fiscalização contínua, transgredir seja usual. Dirigir falando ao celular funciona como exemplo.

A nova legislação merece que pensemos sobre outro ângulo. Até que ponto a Prefeitura está preparada para manter um sistema de fiscalização? Por enquanto, as luzes da imprensa, o impacto político imediato e a reação das pessoas no dia a dia mantém acesa a chama que aproxima fiscalização e marketing político. Câmeras acompanham fiscais. Os primeiros infratores vestem o manto da crucificação.

A lei seca se enquadra em ambas as hipóteses. Depois de tanto alarde, entre blitz policiais e comandantes desfilando palavrório na TV, a fiscalização desapareceu. Motoristas bêbados reativaram suas máquinas de matar. Mortes e sobreviventes com sequelas povoam o noticiário todas as semanas. Tragédias que são lamentadas até nas mesinhas de bar.

Numa leitura das entrelinhas, a lei do lixo deveria servir ainda para elevar o nível de consciência ambiental. Mas um passo por vez. Com a leitura consumidora de mundo (traduzindo: “estou pagando”, para lembrar de um bordão humorístico), muitas pessoas encaram meio ambiente como aquele enfeite de decoração na mesa da sala.

Santos segue esta mentalidade. É uma cidade cada vez mais cinza, marcada pelo concreto e ferro dos espigões que se multiplicam como coelhos. A lei do lixo precisa ser enquadrada em um pacote mais extenso e profundo. Caso contrário, vai engrossar a coleção de ações ambientais isoladas, que servem de badulaques eleitorais e sequer arranharam o estilo de vida adotado pelo município nos últimos 20 anos.

Peço desculpas pelo título desta coluna. Não a você, leitor civilizado. Desculpem-me os porcos, que vivem sem aparências e com a coerência de sujar somente a própria casa.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O fator França


A decisão do PSDB em escolher o deputado federal Marcio França como candidato a vice-governador do Estado, ao lado de Geraldo Alckmin, não é para causar espanto. Pelo contrário. França cantava em verso e prosa há seis meses, o que representou, para adversários, mais um blefe do que uma costura política. O tempo confirmou a segunda hipótese.

Marcio França, ao lado do governador Geraldo Alckmin

Depois de um ano e meio, Marcio França prova que aprendeu com a maior derrota política da carreira. O ex-prefeito de São Vicente protagonizou a surpresa da última eleição na Baixada Santista. Ele aprendeu como a soberba afoga um político em águas rasas. Assistiu, nos últimos minutos, a virada de Luiz Cláudio Bili – um ex-aliado – sobre o filho Caio França, na Prefeitura local. E a derrota veio justamente da Área Continental, endereço que a turma no poder considerava um curral sob o cabresto.

Marcio França é um político à moda antiga, excelente aluno dos velhos caciques, até que se tornou um deles. Conhece como poucos a fórmula para alianças, a dança de distribuição de cargos, as palavras e os assuntos que o eleitor costuma ouvir com atenção. Domina também a dinâmica da mesa de cartas, com blefes e exageros na propaganda.

Entre 2012 e 2013, França ficou sete meses fora dos holofotes – quase sem falar com a imprensa. O cenário atual indica que, após digerir o nocaute, ele trabalhou atrás das cortinas, com paciência, conforme reza a cartilha da política tradicional. Fingiu-se de morto enquanto lia com clareza o cenário no horizonte.

Ele estreitou as relações com Eduardo Campos, sem se descuidar do namoro com Geraldo Alckmin. Neste sentido, pôde valorizar – ainda que em demasia – seu papel no casamento entre Campos e Marina Silva. Vendeu um peixe maior dentro de casa e contou com o óbvio: poucos vão até o rio para conferir a história do pescador. Na política e na guerra, propaganda é a chave da sobrevivência.

Desde que Marcio França começou a se destacar na política regional, logo no início da gestão como prefeito, fala-se que o sonho dele é ser governador do Estado. Em 2012, os mais apressados diziam que França se escondeu numa secretaria estadual irrelevante, a de Turismo, argumento reforçado com a derrota em São Vicente. O sonho dele estaria sepultado, em definitivo.

A política ensina que sempre há uma segunda oportunidade, desde que o sujeito compreenda que cargo e poder não são sinônimos. Relacionamentos são bem mais importantes do que plaquinhas na mesa, assessores e carros oficiais.

Para Marcio França, a vida na secretaria serviu para garanti-lo no círculo político de Alckmin, personalidade mais discreta do que ele, mas com doutorado no teatro das sombras, onde o palco somente sela os pactos das coxias.

Ao se candidatar à vice-governador, Marcio França adota relativo risco. Uma derrota – em princípio, improvável – o deixaria sem mandato, o que poderia atrasá-lo na caminhada. A vitória daria a ele tempo (e poder) para se preparar para a eleição seguinte, quando poderia se ver perto do sonho de infância política.

Por outro lado, a proximidade com Eduardo Campos é a segunda canoa onde colocou os pés, o plano para uma surpresa em São Paulo. Perder em âmbito federal é previsível, mas o número de votos é a garantia para reatar o namoro em Brasília, o que arrastaria França de volta para os braços do poder. Um peixe pequeno – é verdade -, mas no aquário com melhor alimentação.

Ver o filho perder a eleição em São Vicente abriu, de fato, os olhos do pai. França compreendeu a real dimensão da cidade e seu provincianismo político. Até o momento, na campanha eleitoral, ele deu o passo para subir a escada, com a vantagem maquiavélica de não jogar as fichas numa só roleta e sem abandonar o quintal de casa.

domingo, 29 de junho de 2014

A Copa e a urna

A Copa do Mundo é quase sempre previsível. As falsas surpresas costumam atender e alimentar as paixões, mas a proximidade das finais confirma que os tubarões dominam o aquário. A cadeia alimentar acaba sempre preservada.

A política-eleitoral adora a festa do futebol. Gols contra, faltas mais duras, mordidas financeiras e mudanças de esquema tático acontecem com a frequência desejada, sem que os torcedores percebam a virada de campo, sem que os juízes apliquem suspensões.

Em tempos de Copa do Mundo, a política-eleitoral assume escandalosamente o futebol de resultados. É hora de definir os elencos que disputarão o campeonato em outubro. Contratações e convocações, cortes por contusão ou naturalizações de última hora movimentam o mercado de seleções partidárias.

Como as partidas ainda não começaram de fato, os treinos abertos servem de aperitivo para a imprensa, políticos locais – que sonham em atuar em clubes de maior visibilidade – e torcedores-eleitores de facções organizadas. Nesta semana, Santos testemunhou o treino aberto de um dos favoritos ao título. A presidente Dilma Rousseff fez sua estreia na cidade e provocou reações sintomáticas dentro de um esporte cada vez mais carnavalesco. Muito barulho, pouco conhecimento, parafraseando Tostão.

Ao contrário deste texto, transformar a política numa partida de futebol é pouco saudável. Culpar, por exemplo, a presidente pelo trânsito em Santos é tão infantil quanto responsabilizar a tia-avó do interior pela cerveja quente no churrasco. É previsível, evidentemente, que esta reação aconteça, diante da metamorfose da política eleitoral em um Flamengo e Fluminense. Se não é culpa do PT, deve ser coisa do PSDB. E vice-versa, como diria o velho atacante filósofo.

Dilma veio para uma solenidade de anúncio de obras, assim como o governador Geraldo Alckmin faz todos os meses. Se as obras vão acontecer, é outro episódio. Quem se lembra da visita do governador, no ano passado, com seis projetos anunciados que não existiam?

O caos no trânsito reforça o delírio que é chamar a Baixada Santista de região metropolitana. Os congestionamentos indicam como Santos e seus vizinhos são mal preparados para qualquer evento que saia do roteiro cotidiano que, aliás, é marcado pela degradação contínua da mobilidade urbana, para usar uma expressão surrada na boca da classe política.

Acusar a visita da presidente de eleitoreira é como dar ouvidos ao comentarista que repete as palavras do narrador após o gol. Nada acrescenta, assassina o contexto, distrai do real objetivo. É óbvio que tem a capitalização eleitoral em qualquer passeio. Ou os eleitores não capazes de discernir a velha tática?

Analisar o jogo significa conhecer a história dele, estudar cada um dos times envolvidos, acompanhar a fundo – bem antes da competição – a trajetória de cada atleta-candidato. Ler um time e seu principal jogador por apenas uma partida significa apostar todas as fichas na Costa Rica como campeã do mundo.

Copa do Mundo e eleições são quase gêmeas. De perto, é possível notar uma pequena diferença entre elas. Se na Copa do Mundo são permitidas surpresas na primeira fase, as eleições costumam ser previsíveis nesta etapa. A irmã eleitoral raramente apronta e, quando o faz, prepara o susto para a decisão. O problema é que, neste tipo de jogo, times milionários geralmente atropelam os nanicos e ganham de goleada.


sexta-feira, 27 de junho de 2014

A bomba-relógio


Cubatão é uma granada. A cidade tem potencial explosivo, seja para se desenvolver economicamente, seja para estilhaçar a política local. Todos sabem onde fica o pino de segurança, capaz de evitar mudanças ou tragédias. O problema é que ninguém se interessa, de fato, em guardar o armamento em segurança.

O atual prefeito, Wagner Moura, testemunha um período de cessar-fogo e talvez consiga fazer a transição sem sobressaltos. Por enquanto, a dança política segue o caminho da obviedade. Moura adapta o governo à imagem e semelhança, com trocas de secretários e outros cargos de confiança. Marcia Rosa luta para retomar o poder, sem entrar para a História do município pela porta dos fundos.

O Poder Legislativo costura em silêncio, com um olho no Paço Municipal e outro, no Tribunal Superior Eleitoral. A Câmara Municipal é parecida com as demais casas da Baixada Santista. Salvo exceções que não fazem verão, os vereadores se agarram ao poder e aos seus privilégios, abandonam o comandante do barco ao primeiro sinal de naufrágio e não se incomodam em saltar em outra embarcação, mesmo que o estilo de navegar seja distinto.

Cubatão é politicamente predestinada. Nenhuma gestão conhece a paz plena. A diferença, aparentemente, é que desta vez os rumos da montanha russa foram resolvidos no Poder Judiciário. Mas Wagner Moura precisa se proteger de estilhaços. Ele ainda é visto como transitório, mas virará alvo se entrar na disputa eleitoral.

Entre franco-atiradores, turistas e velhos coronéis, meia dúzia de pessoas levantaram o braço para se tornar o próximo prefeito. Esta turma heterogênea só se une para torcer pelo enterro político de Marcia Rosa. Entre blefes e acertos, a campanha política fora de hora é como uma Copa do Mundo na cidade.

A calmaria política, contudo, é ilusória. A guerra pelo poder, mesmo que nos bastidores, nunca deixou de existir. Na verdade, as decisões judiciais colocaram a política local em falso ponto morto. Ninguém se arrisca. É hora de se ter paciência, algo incomum na biografia política da cidade.

Se pensarmos na história recente, Cubatão não costuma solucionar problemas com conversa. As decisões são na bala. Assessores e vereadores foram mortos. Falava-se até em lista de procura-se, como no Velho Oeste. Anos antes, o então prefeito Clermont Silveira Castor foi vítima de atentado. Crimes políticos sem solução.

O próprio prefeito interino, Wagner Moura, teve as duas filhas sequestradas por 38 dias, em 2013. Os sequestradores acabaram presos.

Numa encruzilhada político-eleitoral como esta, o que se pode esperar no município? A decisão do TRE será mesmo soberana? Podemos apostar no diálogo como meio para desatar os nós da discórdia?

Enquanto isso, Cubatão permanece desigual e com graves problemas sociais. Os rios de dinheiro que correm pelo ICMS, por exemplo, nunca desaguaram em desenvolvimento ou redução das diferenças no município. A economia da cidade é tão cinzenta quanto os muros que nasceram nas vilas operárias.

A área da saúde enfrentou, recentemente, denúncias de ambulâncias que viraram sucatas. O déficit habitacional parece insolúvel, quando não acontece gritaria pela revenda ilegal de apartamentos em conjuntos entregues pelo CDHU.

Cubatão, como qualquer peça interessante de não ficção, é um roteiro vivo. É uma história com múltiplos elementos cinematográficos, que envolvem traições, reviravoltas, paixões instantâneas, violência e mortes. Mas é uma combinação explosiva em que o público – parte omisso, parte conivente – é mero espectador da narrativa.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

A estação-símbolo


A quem pertence a Estação da Cidadania?
A Estação da Cidadania, encravada na esquina das avenidas Ana Costa e Francisco Glicério, é um símbolo de Santos. Como qualquer endereço histórico, a Estação testemunhou as escolhas feitas pela cidade e assistirá como o município pretende se comportar nos próximos anos.

A antiga Estação da Sorocabana foi um ícone da minha infância. Madruguei no sábado para embarcar no trem que partia às 7 horas em ponto rumo ao Litoral Sul e Vale do Ribeira. Era o início de uma viagem de cinco horas até Juquiá, com dezenas de paradas, muitas delas aos pés da Mata Atlântica.

Com o sucateamento do sistema ferroviário e a opção cristalizada por rodovias e milhares de caminhões, a Estação se reinventou e se tornou um exemplo de cidadania e de combate político, com senso crítico e pluralidade de opiniões. Estive lá inúmeras vezes, de espectador em lançamento de livro sobre o Porto de Santos a palestrante em debate sobre racismo.

O Fórum da Cidadania é morador ilustre da Estação há 12 anos. Mas pode ser despejado, vítima da retórica política. Na semana de aniversário, Pão de Açúcar – responsável pelo espaço -, Polícia Militar e Prefeitura de Santos começaram a empurrar um para o outro a responsabilidade sobre o futuro do Fórum e a nova função da Estação.

Na prática, o Fórum recebeu a notícia de que não poderia mais permanecer lá, assim como a Orquestra Pão de Açúcar, um exemplo de união entre cultura e formação de jovens. A Estação passaria a ser um cobertor de pobre, numa ciranda de ausência de tato político. A Estação passaria a abrigar um posto da PM, que seria desalojada do imóvel na avenida Francisco Glicério, no Campo Grande. O imóvel será demolido por causa das obras – símbolo de falta de planejamento – do VLT. 

O prédio atual foi construído em 1936
A saída do Fórum da Cidadania reforça o caminho que a cidade escolheu nos últimos anos. Santos carrega feridas psicossomáticas de uma cidade que sempre espera um futuro glamouroso. Do turismo de negócios ao maior porto da América Latina. Dos espigões-ostentação aos projetos mirabolantes, o município e seus gestores creem que as demandas sociais somem como mágica. O ilusionismo está gravado nos índices educacionais medianos, nos pronto-socorros lotados e carentes de médicos mal pagos, nos mil moradores de rua que viraram estatísticas.

Despejar o Fórum da Cidadania talvez engrosse a lista de sinais da cidade do futuro. Santos se vende como um lugar pronto para a farra da Copa do Mundo, com museus inacabados e estimativas especulativas de turistas, enquanto vira as costas para um espaço – ainda que tímido – que deveria se espalhar, e não encolher, como centro nervoso de reflexão sobre a vida urbana cada vez mais apertada e cara.

Na última semana, representantes de vários setores da sociedade civil protestaram contra o despejo do Fórum da Cidadania. Gritos e abraços pouco mudam, mas simbolizam a raiva e a frustração de um jogo que não pode parecer perdido, mesmo que os adversários sejam os donos da bola.

Ao contrário de teleféricos e túneis virtuais, a Estação da Cidadania – que um dia simbolizou o sistema de transporte público – é a testemunha real das escolhas que os políticos fazem. Mesmo que o Fórum da Cidadania engrosse a fileira dos sem-teto, a Estação é mais do que um ponto de embarque para o Samaritá, Itanhaém ou Juquiá, mais do que um posto de segurança patrimonial do Estado.

A Estação – Sorocabana ou da Cidadania – está cicatrizada em nós, como um termômetro da cidade que desejamos ser.