quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Di Renzo: o animal político

Fotos: Marcos Piffer
Marcus Vinicius Batista

* Este é o quarto (e último) dos perfis que foram publicados na revista Guaiaó, n.12, em novembro de 2016. A capa: "Aqueles que nos inspiram."


O diretor teatral Renato Di Renzo entrou em processo de desintoxicação. O tratamento exige disciplina, consultas periódicas - cinco, seis vezes na semana - e dosagens cavalares de um medicamento que ele toma desde 1989. O uso contínuo tinha sido suspenso por 45 dias. Os sintomas não o surpreenderam, mas - pelo sim, pelo não - Di Renzo correu para as origens, para onde se sente seguro há 27 anos.

A cura pelo teatro político foi o caminho que ele encontrou para se "limpar" da política eleitoral. Ainda que toda a obra dele seja marcada pela reunião umbilical entre teatro e política, Renato - aos 62 anos - nunca havia vivido a experiência de uma campanha eleitoral, não na linha de frente.

Renato não se candidatou - mantém a promessa de que nunca o fará -, mas organizou e trabalhou na campanha de sua parceira de quase três décadas de trabalho, desde a Casa de Saúde Anchieta, em 1989. Cláudia Alonso experimentou o gosto amargo de uma corrida eleitoral pela primeira vez. Entre os 21 vereadores eleitos, ela terminou em 29º lugar, com 1713 votos. O resultado foi considerado muito bom, por ser primeira tentativa e por concorrer entre 381 pessoas, índice comparável à vestibular da USP.

O diretor teatral aprendeu e ensinou em 45 dias de campanha. Embora o prazo seja curto demais para vender o "produto", a política-partidária o permitiu entender que arte e política vivem misturadas. "Existe um elemento artístico na política, na cena, na troca com o eleitor."

Para ele, a campanha apresenta muitas semelhanças com a montagem de um espetáculo. Contudo, há um lado perverso, no qual prevalece a exibição dentro de temas da moda, o ato de oferecer desejos, em vez de necessidades. "As pessoas não querem ouvir ideias. Com ideias, a gente perde a eleição. Na política, vale o grito maior, a indecência maior."

Arte e política correm no sangue. O casamento começou no final da década de 80, quando Renato - pedagogo de formação - foi contratado para trabalhar na Casa de Saúde Anchieta, hoje um cortiço atrás do Hospital Beneficência Portuguesa, mas vivo na mentalidade histórica da cidade como um dos símbolos do horror humano nas instituições psiquiátricas brasileiras.

Em uma das salas do Anchieta, Renato começou um dos projetos mais duradouros da área de arte e educação. O TamTam sobreviveu não apenas ao descaso político e ao preconceito em 27 anos de vida, mas também à intervenção no hospital, no início da década de 90. O fechamento do Anchieta é um ícone na história da luta contra os manicômios no país.

Foi lá no hospital que Renato conheceu a então bailarina, recém-formada em Psicologia, Cláudia Alonso. Daqueles corredores de paredes descascadas e trânsito de pessoas com dores na alma, os dois montaram a ONG Projeto TamTam, que permanece na trincheira até hoje, com meses melhores e outros piores da perspectiva financeira. 



A ONG tem como sede o terceiro andar, lado oeste, no Teatro Municipal de Santos. O espaço abriga o Café Teatro Rolidei e é visto como "a casa de todas as gentes." Se o teatro tem a política como braço direito, o outro braço é a inclusão social. Todos os meses, Renato Di Renzo viaja pelo país para falar sobre o assunto. Em 2016, ele esteve, por exemplo, nas Paralimpíadas, no Rio de Janeiro. "O mundo hoje é inclusivo e espero que esteja por completo até 2025."

Além de um banheiro unissex, que abriga uma cadeira de barbeiro vermelha, daquelas tradicionais do século passado, a casa de Renato e toda a turma do TamTam possui um café e um palco com arquibancadas de madeira. Ali, as paredes são decoradas como bagunça organizada, que aponta a importância da diversidade cultural, como também a multiplicidade que pulsa dentro da condição do homem.

De flâmulas de times a fotos históricas, de bonecas quebradas a pedaços de tecido, de brinquedos a esculturas tradicionais, o ambiente é múltiplo em suas atividades. Do início na Casa de Saúde Anchieta e depois no programa de rádio que tornou o TamTam conhecido no Brasil, ficou a missão de reunir pessoas com todos os tipos de comportamentos, gente que escapa da utopia do padrão único, na estética e na Ética.

A leitura de mundo de Renato se materializa no uso cotidiano do Café Teatro Rolidei para a prática e o pensar artísticos. Encontros literários semanais, organizados por Regina Alonso e Maria Teresa Teixeira Pinto, aulas de dança, debates sobre arte, formação de atores, saraus e festas culturais.

Em 3 de outubro, um dia após a eleição, Renato Di Renzo retomou a criação teatral como o medicamento para curar surpresas e frustrações, além de cristalizar o aprendizado da campanha. Ele, Cláudia e seus atores e atrizes iniciaram os ensaios - que, de fato, é um processo coletivo - para montar a nova peça do TamTam.

Segundo o diretor, a indignação é o ponto de partida. O catalisador se traduz na residência, no tempo de permanência - todos juntos - no palco, nas mesas, no ambiente de ensaio. O espetáculo vai debater a ditadura da estética, por meio da boneca Barbie, o brinquedo mais vendido da história e paradigma de beleza no mundo globalizado.

Para isso, Renato partiu de referências que soam, em princípio, caóticas, como "Orlando", romance de Virginia Woolf; "Casa de Bonecas", peça de Henrik Ibsen; e "Tudo sobre minha mãe", filme de Pedro Almodóvar. Os primeiros laboratórios aconteceram no banheiro unissex da ONG. O banheiro, explica Renato, é o local máximo de solidão e intimidade.

O teatro como política, na visão do diretor e de seu grupo, é mais do que desintoxicação, é o tratamento que o mantém saudável. É o único remédio para dizer o que precisa ser dito. "O público está sempre lendo. Pode até ser 'Gostei pra caralho, mas não entendi nada'. Se é isso, o espetáculo já é alguma coisa."

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Fixxa: a bruxa e a queimadura


Fotos: Marcos Piffer

Marcus Vinicius Batista

* Este é o terceiro de quatro perfis, que foram publicados na revista Guaiaó, n.12, com a capa: "Aqueles que nos inspiram".



Aline Benedito, a Fixxa, tomava uma cerveja em um bar, ao lado de uma grafiteira francesa, em Coloz, na Espanha, quando Arí apareceu. Minutos antes, a francesa afirmara que elas estavam sendo seguidas por uma mulher. Fixxa pensou em brincadeira da amiga.

Arí se apresentou às duas como bruxa e garantiu que a grafiteira brasileira havia sido uma delas em gerações anteriores. Embora Fixxa estudasse o assunto desde 2014, ela permaneceu em dúvida. Até que Arí foi taxativa: "você tem uma queimadura no corpo. E é de outras vidas."

Fixxa cedeu. Não só mudou de opinião como acompanhou Arí em um ritual específico. A bruxa recomendou que a grafiteira voltasse para um novo ritual, ainda nesta existência. Por enquanto, Fixxa mantém contato e tira dúvidas com a espanhola via Whatsapp.

Fixxa passou uma semana na Espanha, em 2016, para participar de um festival de arte urbana, como prêmio por vencer um concurso cultural, em São Vicente, numa parceria entre a Prefeitura e a Unibr.

A queimadura ocorreu nesta vida e é recente. Foi em 27 de março de 2015, Dia do Grafite. Fixxa colocou uma coxinha - destas de festa - no óleo fervente. A coxinha explodiu e provocou queimaduras de segundo grau na mão direita da artista. Foram cinco meses sem poder trabalhar. A cicatrização aconteceu em 30 dias. "Eu conversava com a queimadura, como forma de energia. Foi uma das coisas mais bonitas da minha vida". 



A queimadura levou Fixxa para uma jornada interior, que mudou o relacionamento consigo mesma, com a arte e com pessoas próximas, como os pais. "A queimadura me ensinou a perceber mais o outro e me reencontrar com todas as partes do meu corpo."

A bruxaria sempre teve relação direta com a arte dela. Fixxa desenha o que denomina, em termos conceituais, de meninas-bruxas. Elas representam "o monte de mulheres que tenho dentro de mim, boas e más." O trabalho dela de street art se apoia em linguagens como estêncil, stick (adesivo), cartaz lambe-lambe e grafite.

Os desenhos de figuras femininas, que integram a militância feminista da artista, se juntam a elementos da natureza e atraem as crianças. "Muitas vezes, elas me cercam na rua. Elas me protegem e falam o que eu não tinha percebido."

O estêncil foi o começo da relação com a arte urbana, quando tinha 21 anos, em 2001. Recém-casada com o artista Colante, ela saiu de Tambaú, no interior do Estado, para morar em Santos. Aqui, ficou fascinada como o estêncil produzido pelo marido e partiu para o estudo e produção artística. De início, junto com Colante, até que ele sugeriu - em 2006 - que seguissem caminhos próprios. "Você está preparada, ele me disse", explica Fixxa.

A primeira saída para as ruas aconteceu perto de casa. Fixxa usou estêncil num muro de uma casa abandonada, na rua Tocantins. Quando viu o trabalho pronto, chorou. Hoje, o estêncil serve para o desenho de detalhes, como uma flor, inclusive porque depende de uma parede lisa.

O traço fica a cargo das latas de spray. Ela teve que se adaptar à nova técnica. "Tive que mudar a respiração e o posicionamento de mãos e dedos. O excesso de força, por exemplo, faz a tinta escorrer na parede." O fundo do desenho, por sua vez, é produzido em látex.

A arte tem origem familiar. O pai, chamado de Réu, produzia vasos de cerâmica. A mãe, Dita, os pintava. Réu é um apelido que vem do tribunal. Quando adolescente, Réu se apaixonou por uma garota da cidade. Ele inventou que havia transado com a menina. O pai dela, enfurecido, conseguiu que fosse levado para uma audiência no fórum. Embora no banco dos réus, ele acabou absolvido.

O nome Fixxa nasceu de um sonho. Aline procurava um nome artístico. No sonho, ela era uma garota que voltava da escola rabiscando paredes. Rabiscava uma única palavra: Fixa. O marido sugeriu que a letra X fosse dobrada.

Fixxa se vê como sensitiva, como uma bruxa. "Sinto o que acontece muitas vezes. Tenho presságios que se manifestam por sonhos." Ela os escreve em um caderno, que permanece ao lado da cama. Os sonhos mais perturbadores, com mais símbolos, viram desenhos. "Sonhar é o jeito para me ouvir, para ver o mundo." O caderno é um sketchbook, que aprendeu a fazer com o cartunista DaCosta.

Antes de ir para a rua, Fixxa permanece em silêncio durante uma hora. É uma forma de se preparar para a turbulência, para as variadas energias que vem da rua. Depois, coloca um esparadrapo no umbigo, para evitar a entrada de energia do outro. Na volta, mais uma hora de silêncio no escuro, para renovação energética.

Aos 36 anos, Fixxa é várias mulheres numa só. O misticismo da bruxaria que se casa com o ativismo da feminista. Como padrinhos, a arte-educação e a arte urbana. "O grafite é a realidade de uma sociedade enquanto expressão. É o DNA de uma sociedade que pode ser feia e suja."

Em meados de outubro do ano passado, Fixxa conheceu outra "bruxa". Ela participou, por uma semana, de um encontro chamado Cores Femininas, em Pernambuco. Ela e outras grafiteiras foram trabalhar com crianças em Totó, bairro da periferia de Recife. O bairro fica entre um cemitério e um presídio.

Na visita ao presídio, Fixxa conheceu uma senhora que se dizia presa há 40 anos. No final da conversa, a senhora disse: "Todo dia é o mesmo dia." A grafiteira pediu para sair da sala e chorou.

Só uma bruxa reconhece outra. Só elas identificam quem sobreviveu à fogueira de uma Inquisição particular e interior, seja na Espanha ou no Recife.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Da Costa: o último desenhista de humor

O cartunista Osvaldo DaCosta, em seu quarto-ateliê
(Fotos: Marcos Piffer)

Marcus Vinicius Batista

*** Este é o segundo perfil que escrevi para a Revista Guaiaó, n.12, com a capa: "Aqueles que nos inspiram". 

O cartunista Osvaldo DaCosta contou, certa vez, que Ziraldo o fascinava. Além dos desenhos e das histórias infantis, DaCosta ficara impressionado com a capacidade do colega mineiro de nunca parar de desenhar. Ziraldo rabiscava em folhas de papel até ao telefone. O chão do escritório estava inundado de ideias em forma de traços, que morreriam de incompletude artística.

DaCosta é como Ziraldo. Não está artista. É sempre cartunista, com o perdão da rima. Quando não desenha em papel, produz uma gravura. Quando não está envolto em aquarelas, carrega um sketchbook (caderno de desenhos, em tradução livre) para retratar algum canto de Santos ou de outros endereços, para onde viaja como professor ou para ganhar prêmios. Quando não esboça alguma imagem, fabrica os próprios cadernos ou ensina seus alunos.

Um dos mais premiados cartunistas brasileiros se esconde no quarto dos fundos de um apartamento térreo, na rua Bento de Abreu, no Boqueirão, em Santos. O quarto é local de estudos, dormitório, biblioteca, estúdio musical e ateliê. Ali, ele recebe pessoas e dá vazão à ansiedade cultural, à crítica do mundo cotidiano e da política.

Nas estantes, descansam biografias de astros do rock, como Eric Clapton e Jimi Hendrix, obras de História da Arte, História Cultural, romances, Estética e História em Quadrinhos, todas compatíveis com um sujeito quase sessentão que valoriza o estudo e a técnica para lapidar um talento. Talento que começou quando moleque e o levou à Faculdade Belas Artes de São Paulo, onde se formou na década de 80.

DaCosta saiu dos bancos universitários para a imprensa. Trabalhou nos principais jornais de São Paulo, como Folha de S.Paulo e Folha da Tarde (hoje Agora SP), além do Diário do Povo, de Campinas, e da Tribuna, de Santos. Ilustrou também capas para a revista Exame, da editora Abril, entre outras publicações.

No entanto, ele sofre do mal que acomete muitos artistas brasileiros: ser mais conhecido no exterior do que no próprio país. DaCosta foi premiado várias vezes na Europa. Só no PortoCartoon, em Portugal, duas vezes. Ganhou prêmios também no Irã e na Espanha. No Brasil, venceu várias vezes o mais antigo Salão de Humor, de Piracicaba, a ponto de se transformar em jurado.

Inquieto, DaCosta descansa dos pincéis e lápis com uma guitarra nas mãos. Ele é fanático por Jimi Hendrix que, para ele, é uma espécie de corintiano do rock, uma forma de casar duas paixões que convivem em um dos cantos do quarto-ateliê.

À esquerda, reprodução da capa do livro
"O berro da Ovelha Negra"

Insatisfeito consigo mesmo, o cartunista se transformou em escritor em 2015. Depois de defender a dissertação de mestrado em Comunicação na Universidade Municipal de São Caetano do Sul, ele a publicou como livro. "O berro da Ovelha Negra" (Ateliê de Palavras) conta a história do Ovelha Negra, o único jornal alternativo ao regime militar feito por cartunistas e ilustradores. O jornal, editado em São Paulo, sobreviveu por oito números e chegou a ter 70% das páginas com cartuns, charges e caricaturas.

DaCosta, fora da sala de aula, transfere o ateliê para as ruas, onde capta, quase sempre em aquarela, imagens mínimas, as entrelinhas da cidade. Ele e a namorada, a artista plástica Nat Cunha, organizam a cada dois meses o SketchCrawl, evento que ocorre simultaneamente em dezenas de cidades pelo mundo. A reunião é aberta para quaisquer pessoas interessadas em desenhar ao ar livre.

Os dois escolhem um endereço para que todos possam retratá-lo, sempre em um sábado à tarde. Os encontros já aconteceram na praça em frente ao Sesc, no Museu de Pesca, na praça das Bandeiras, entre outros lugares. Depois, os desenhos são postados em um site que reúne a produção de todo o planeta.

Para Ziraldo, a recíproca é verdadeira. Quando editava o Pasquim 21, uma ressurreição do jornal alternativo mais famoso do período militar, Ziraldo dedicou uma página para DaCosta. O título da matéria: O último desenhista de humor. Alguém se atreve à contestá-lo?

sábado, 5 de agosto de 2017

Preta Rara: múltiplas mulheres, uma voz

Joyce Fernandes - Preta Rara (fotos: Marcos Piffer)

Marcus Vinicius Batista

* Este é o primeiro de quatro perfis que escrevi para a revista Guaiaó, número 12, com a capa "Aqueles que nos inspiram".

A professora de História Joyce Fernandes, de 31 anos, só percebeu que a voz de Preta Rara ecoava acima de seu controle, em agosto do ano passado, em Salvador. Ela participava de um encontro de estudantes e o show dela só foi anunciado pela organização meia hora antes de entrar de palco.

Três mil pessoas assistiram à apresentação da rapper Preta Rara, nome artístico da professora desde 2011. Ela saiu do palco escoltada por seguranças. "As meninas queriam tocar em mim. Muitas choravam."

Assim como na capital da Bahia, Preta Rara se tornou uma voz importante no ativismo social. Na metade do ano, ela criou a página Eu#Empregada Doméstica, endereço que reúne relatos de empregadas de todo o país.

A página viralizou na Internet e levou Preta Rara ao centro da mídia. Participação em programas da Rede Globo, entrevistas para toda a imprensa nacional, além de veículos americanos e europeus. Da imprensa colombiana à polonesa. No início de novembro, ela falou para 1.200 pessoas na sala São Paulo, na capital paulista, no projeto TEDxBrasil, que reúne personalidades com projetos sociais.

A exposição assustou a rapper que, cinco anos atrás, sofria para cantar de graça em palcos da periferia, num gênero musical ainda dominado por homens. Muitos rappers viam aquela moça como "café com leite", que poderia ocupar uns minutos no final da apresentação. Cachê mesmo, só fora de Santos.

Joyce Fernandes sabe o que é preconceito, de várias formas. Mulher, negra, moradora de periferia, pobre, gorda, ex-empregada doméstica. Ela faz questão de se vestir como uma mulher de raízes africanas, roupas coloridas que chamam a atenção, da admiração à intolerância. Certa vez, ela estava numa esquina, em São Vicente, quando um carro passou, a passageira colocou a cabeça para fora e gritou: "Sai, macumbeira!" 



A rapper é a voz da coragem de quem enfrenta a opressão. A professora de História é o sussurro de quem tem medo. Joyce trabalhou como empregada doméstica por sete anos, seguindo o ofício da mãe e da avó. Hoje, Joyce se apavora com a ideia de que a Preta Rara perca espaço e não consiga pagar as contas do mês. "O serviço não pode ser hereditário. Tenho medo de ser empregada doméstica de novo."

Ela fez parte do curso de História, na Universidade Católica de Santos (Unisantos), trabalhando como empregada. A última patroa, de quem se desvinculou em 2010, a permitia estudar e emprestava livros. A mudança aconteceu quando conseguiu estágio como monitora no Engenho dos Erasmos, que fica no Jabaquara, em Santos, e é mantido pela USP. "Depois, ainda vivi preconceito de gente que, ao ver meu currículo e olhar para mim, duvidava que me formei em História e estagiei no Engenho."

Por isso, Joyce seguiu como professora no Colégio Exemplo, escola privada no bairro do Humaitá, na Área Continental de São Vicente. Ela trabalhou lá por quatro anos. Muitas vezes, alunos a convidam para ir até a porta da escola para provar que a professora deles é a Preta Rara. É o jeito de dizer que sentem orgulho dela.

A exposição a colocou em dúvida sobre seu papel. Os questionamentos a levaram para o divã há um ano e meio. A terapia, além de evitar que adoecesse, foi o caminho para compreender mudanças tão rápidas e tamanha visibilidade. "Não sou guru. Cometo falhas. Erro como qualquer pessoa."

Na última eleição, ela foi convidada para se candidatar à vereadora por quatro partidos. Pessoas perguntaram em quem votaria para repetir o voto dela. Joyce recebe muitas denúncias, como exploração do trabalho, assédio moral e estupro. Por outro lado, Preta Rara recebeu até consultas sobre qual cor de cabelo usar.

Para ela, o público não compreende que existe a Joyce por trás da Preta. São fantasias em torno de uma mulher forte, infalível, guerreira. É uma luta para resistir ao padrão. "Há patrulha. Tenho que ser sempre séria."

A rapper e ativista se apoiou na experiência como professora para aumentar o trabalho com crianças. Nasceu a Oficina de Rimas. "As crianças se identificam. Minha imagem também está ligada a eles."

Eu#Empregada Doméstica transformou Joyce Fernandes, Preta Rara, na porta-voz de 6 milhões de mulheres, sendo 80% negras.

A agenda de shows e palestras já virou o ano. Preta Rara lamenta não ter mais tempo para compor. É o preço de uma voz que ecoa.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

DNA inglês, modelo brasileño

O escritor John Mills, ao lado do busto de Charles Miller
Fotos: Marcos Piffer

Marcus Vinicius Batista


Quando chegou ao trabalho, John Mills viu repousar em sua mesa um calendário da Pirelli, famoso pelas 12 mulheres bonitas que enfeitavam e seduziam os homens a cada mês do ano. Naquele ano de 1969, no entanto, o calendário trazia a história do futebol, por causa da Copa do Mundo no México, no ano seguinte.

Entre os jogadores-modelos, um sujeito de bigode comprido, chamado Charles Miller. Para nós, brasileiros, o pai do futebol por estas terras. Para John, o começo de um relacionamento com o personagem que o acompanha por 45 anos.

O fascínio por Miller o levou a escrever a principal biografia sobre o homem que trouxe o futebol ao Brasil. As pesquisas renderam um primeiro livro chamado "Charles William Miller - 1894/1994", que contava a história dele, mas mesclada com a trajetória do São Paulo Athletic Club (SPAC), que reúne a colônia inglesa na capital paulista.

Após o primeiro livro, publicado em 1996, John Mills resolveu se aprofundar nas pesquisas até concluir "Charles Miller: o pai do futebol brasileiro", editado pela Panda Books e hoje esgotado.

John chegou ao Brasil em 1967, aos 29 anos. Veio com um contrato de quatro anos de trabalho. O país era atraente para estrangeiros por conta do chamado milagre econômico. Politicamente, a ditadura se preparava para os anos de chumbo, entre 1968 e 1974, com medidas que incluiriam o Ato Institucional nº 5, com suspensão de todos os direitos civis.

John nunca mais saiu do Brasil, a não ser em férias. Chegou solteiro, conheceu Mônica numa festa do SPAC, casou-se com ela em 1972 e teve três filhos: Lawrence, Robert e Charles. Hoje, são sete netos, cinco meninas e dois meninos.

John Mills é um sujeito predestinado a lutar contra o acaso. A história dele tem tantas coincidências que beiram o inesperado. Ou seria um daqueles apaixonados por futebol, que conectam os acontecimentos da vida às metáforas do esporte?

A conversa com John Mills aconteceu na ante-sala da biblioteca do SPAC, um ambiente com paredes de madeira e móveis de estilo clássico. A 10 metros dali, fica a sala de troféus, inclusive com fotos das primeiras equipes, no início do século 20, de rugby, críquete - hoje não mais praticado no clube - e futebol. O bigode de Charles Miller permite a rápida identificação dele nas imagens do time. O xodó é o troféu de tricampeão paulista, de 1902 a 1904.

Na entrevista abaixo, John Mills, que fala um português corretíssimo, mas com sotaque britânico, sempre volta na palavra coincidência, seja para falar da presença inglesa no Brasil, do futebol e das relações entre ele, o esporte e Charles Miller.

Como preliminar, duas das coincidências, pois outras surgirão ao longo da entrevista: 1) Charles Miller, quando morava na Inglaterra, enfrentou duas vezes o então temido Corinthian Casuals (sem s). John Mills é membro honorário do clube inglês; 2) No Brasil, foi Miller quem sugeriu o nome do alfaiate Miguel Bataglia como primeiro presidente do Corinthians, time de coração de John Mills.

Guaiaó: O senhor, biógrafo de Charles Miller, concorda com a tese de que ele e o futebol estão dentro de um processo maior de influência inglesa no Brasil?

John Mills: Sim, sim, sim. Todo esse caminho começou com a Revolução Industrial e Dom João VI, que chegou em 1808. Ele abriu os portos para os ingleses em troca do transporte da corte para o Brasil. Tinha que ter trade, tinha que ter comércio. Os ingleses não eram comerciantes. Comerciante é dono de loja. Os ingleses já eram negociantes, trades, com suas colônias. Era um país marítimo. Os ingleses queriam café, açúcar, milho, tudo o que a terra dava. Foi o caminho natural. Vieram, então, os bancos, os comerciantes, os corretores de café, em Santos.

Guaiaó: E os ingleses dominavam a tecnologia de transportes?

John Mills:
Precisava trazer a matéria-prima do interior do Brasil. E os ingleses já tinham experiência em ferrovias, no século 18, e depois nos Estados Unidos. Fizeram a ferrovia D.Leopoldina, no Rio de Janeiro, que D.Pedro II inaugurou e depois veio a de São Paulo, construída pelo Visconde de Mauá. Aí começaram a chegar os ingleses para trabalhar na ferrovia, e o pai de Charles Miller era um dos funcionários. E depois vem o casamento com Carlota Alexandrina Fox, ligada à família Rudge Ramos.

Guaiaó: Como era essa relação com a família Rudge Ramos?

John Mills:
O lado materno da família era Fox-Rudge. Os avós maternos eram Henry Fox e Harriett Mathilda Rudge Fox. Charles nasceu na chácara dos avós maternos.

Guaiaó: A influência inglesa se estende à energia elétrica.

John Mills:
Isso mesmo, a luz. A Light vem pelo Canadá, mas é também britânica. A companhia de gás, que veio fazer a iluminação de São Paulo. Tanto que o primeiro jogo, de 1895, organizado por Miller, envolveu a São Paulo Railway e a companhia de gás.

Guaiaó: A influência inglesa também se estendeu, claro, aos esportes. Surgiram muitos clubes. Qual é o contexto para o nascimento do São Paulo Athletic Club e, dez anos depois, do Santos Athletic Club (Clube dos Ingleses)?

John Mills:
Todos os ingleses que viajavam pelo mundo precisavam fazer seus esportes. Na escola, na Inglaterra, o esporte está no currículo. É obrigatório. A maioria das escolas tinha o rugby, o críquete ou futebol como esporte prioritário. Os ingleses, quando viajavam, levavam seus equipamentos de esportes. A criação de clubes foi natural. Aqui, antes da sede, o pessoal jogava críquete lá no Bom Retiro, perto da Estação da Luz, e numa chácara do tio do Miller, também no Bom Retiro, entre 1894 e 1899. Depois, com a sede, tínhamos campo de futebol, críquete e rugby. O primeiro jogo do primeiro campeonato paulista de futebol foi aqui, na sede.

John Mills, na sede do São Paulo Athletic Club,
primeiro campeão paulista de futebol

Guaiaó: No caso do Clube dos Ingleses, era o pessoal do café.

John Mills:
Sim. Depois, eu soube que Charles tinha três irmãos. Dois deles, Andrew e Willian, ficaram em Santos. Willian, inclusive, casou-se com uma descendente dos Andradas e Silva. Andrew foi um dos fundadores do clube. Um dos tios, Henry, também morava em Santos e foi sócio do Clube dos Ingleses. A primeira vez que estive lá foi em 1968. Todo sábado, tinha festa das nove da noite às três da manhã. Íamos e voltávamos de Fusca. Lembro-me dos jantares e das festas.

Guaiaó: Quais são os legados ingleses, em São Paulo e em Santos?

John Mills:
Hoje está meio perdido no tempo e no espaço. Mas sempre foram os compromissos, a disciplina, as tradições. Isso manteve os clubes até hoje. Mas como tudo na vida muda ... Antigamente, quando cheguei, 60% dos sócios do SPAC eram britânicos. Agora, não há mais novos sócios britânicos. Antes, tinham funcionários da GM americana, bancos e outras empresas inglesas. Tinha muito intercâmbio de representações comerciais. E os ingleses sempre vem pensando em jogar algum esporte. Hoje, ainda é um oásis para nós. Não há dinheiro que pague um domingo à tarde no clube.

Guaiaó: Fora esse legado comportamental, onde está a presença inglesa hoje, no espaço urbano?

John Mills:
Está na Estação da Luz (risos). Ainda temos o espaço do clube. Lota nos finais de semana. Há a escola inglesa, no Jardim Paulistano. Não há grande presença inglesa. O chá da cinco, no clube, pouco a pouco está morrendo. Até os pratos ingleses estão sumindo dos cardápios. Sobraram os pubs. A tradição britânica está se perdendo. É a vida. Em Santos, há o comércio do café e a empresa Metalock, que faz reparos em navios.

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John Mills mantém a pontualidade britânica em todos os compromissos. Veste-se como um lorde, mesmo que seja a casualidade de uma camiseta pólo e uma calça. Mas sua vida é marcada por três culturas diferentes. A família é origem londrina, mas o pai residiu na Espanha e no Peru. John nasceu em Vigo, no período da ditadura de Francisco Franco, que governou a Espanha de 1936 a 1975, quando faleceu.

A mãe, Dolores, era basca e de posição política contrária ao fascismo de Franco. A família fugiu de uma ditadura, e John acabou em outra, a brasileira, em 1967.

Guaiaó: Como nasceu essa relação de uma família inglesa com a Espanha?
John Mills: Meu avô paterno, Alfred Mills, saiu da Inglaterra para trabalhar com telégrafos em Bilbao, no país basco, no norte da Espanha. Havia estações de telégrafos em diversos lugares, Hong Kong, Santos, Buenos Aires, Valência, normalmente perto do mar, por causa dos cabos submarinos. Foi em 1896 para ficar a vida toda. Ele deve ter jogado futebol na Inglaterra porque, quando chegou em Bilbao, levou a semente e começou a jogar bola. Decidiram fundar um clube, o Atlético de Bilbao. Ele foi sócio e diretor. Meu pai, John, nasceu em Bilbao e também foi trabalhar em telégrafo. Meu pai era Juanito, para os amigos. Eu nunca fui Johnny. Sempre John.

Guaiaó: O que aconteceu? Como você foi viver no Peru, durante a Segunda Guerra Mundial?
John Mills: Em 1937, Franco invadiu o país basco. Não havia exército no país basco. Minha mãe Dolores era basca 3 mil por cento. Ela era anti-Franco e tudo mais. Não conseguiram parar Franco. Meu pai tinha passaporte inglês, os ingleses tiveram que deixar o escritório em Bilbao, e todos nós saímos num navio inglês para irmos à França. De lá, meu pai foi mandado de volta para Vigo, que era o único lugar onde o governo espanhol permitia o cabo submarino, para manter a comunicação com o mundo. Eu nasci em Vigo por acidente, em 1938. Dois anos depois, voltamos para Londres. Por causa dos bombardeios, em 1941, meu pai foi mandado para a Escócia, para pegar um navio para o Peru. Saímos em outubro de 1941 e chegamos no Peru em maio de 1942. 

John Mills, um homem de muitas bandeiras e culturas

Guaiaó: Sete meses?

John Mills:
Saímos de comboio, de Glasgow à Nova Iorque. O comboio também tinha petroleiros, que foram atacados pelos alemães. Tivemos que voltar e sair outra vez. Quando chegamos em Nova Iorque, pegamos outro navio para o Chile e aí chegamos no Peru. Estudei na escola britânica, em Lima, e depois me pai me mandou para o internato, em 1952.

Guaiaó: Como o senhor veio parar no Brasil?

John Mills:
Meu primeiro emprego foi na Goodyear. Depois, passei para a Atlantis, uma multinacional com filiais na América Latina. Estudei Administração em Lima. Mas não trabalhava em marketing ainda. Eu era vice-gerente de uma fábrica de produtos de limpeza, como o Poliflor. Aí, me ofereceram um estágio de quatro anos no Brasil porque o mercado era maior, mas similar.

Guaiaó: Como o senhor se sentiu quando chegou ao Brasil?

John Mills:
Não tive medo. Não conhecia ninguém. Como viajava desde os quatro anos de idade e meu pai já tinha falecido, vim sozinho. Minha mãe e minha irmã ficaram lá. Vim para ficar quatro anos, mas pensando em voltar. Só que, em 1969, eu já estava ambientado. Frequentava o SPAC, já jogava futebol, tinha amigos aqui, quando o presidente da empresa perguntou se eu queria ficar no Brasil. Como eu falava espanhol, foi fácil aprender o português. Era minha língua mater. E eu tinha estudado latim e francês na escola.

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Aos 77 anos, John Mills está aposentado das peladas de final de semana. Parou em 2002. Lateral direito modesto, ele se orgulha de ter atuado ao lado de Didi, ex-meia do Botafogo e bi-campeão mundial pelo Brasil, em 1958 e 1962. "Era só dar a bola para ele e não atrapalhar."

A paixão pelo futebol se desenvolveu quando viveu num internato no Peru. "Depois da guerra, voltei à Inglaterra. Em 1952, voltei ao Peru para estudar, num internato. Fiquei até 1956, quando meus pais foram me buscar porque tiravam férias a cada quatro anos."

Ele torce para três clubes: o Arsenal, pelas origens londrinas; o Atlético de Bilbao, por razões familiares; e o Corinthians, por adoção quando chegou ao Brasil. "Temos que ter um time em cada país." Quando conversamos, Mills estava animado com a última vitória do Bilbao, por 3 a 1. O Atlético, que só aceita jogadores bascos ou descendentes de pais que nasceram na região, é - ao lado de Real Madrid e Barcelona - um dos três clubes que nunca caíram para a segunda divisão do Campeonato Espanhol. O clube possui oito títulos nacionais, o último em 1984.

Guaiaó: Onde nasceu sua paixão pelo futebol?

John Mills:
Nasceu na Inglaterra. No Peru, no começo, eu até assistia aos jogos, torcia para o Deportivo Municipal (clube quatro vezes campeão peruano, a última em 1950), como se fosse a Portuguesa daqui. Meu pai sempre me falava do Atlético de Bilbao, que foi supercampeão na década de 30 (metade dos títulos nacionais foram conquistados neste período). Mas na Inglaterra, o futebol só acontecia na escola, entre o Natal e a Páscoa. O resto do ano eram rugby e cricket. Nunca joguei rugby realmente, gosto apenas de assistir. Não gosto das regras atuais, agora tem muitos choques. Quando eu fiquei em internato no Peru, só assisti a um jogo da Inglaterra. Gostava de um lateral-esquerdo galês, que jogava no Chelsea.

Guaiaó: Isso tem a ver com o fato de que o senhor jogava de lateral-direito?

John Mills:
Isso foi outra coincidência. Só que eu chutava com o pé direito. No Peru, eu jogava no Lima Club. Em 1964, o Didi tinha saído do Botafogo para treinar o Sporting Cristal (clube fundado em 1956, foi campeão peruano no mesmo ano. Possui 17 títulos, o último em 2014). Ele estava proibido pela Fifa de jogar futebol no Peru porque tinha contrato com o Botafogo. Ele tinha 36 anos. Então, foi para treinar. Numa semana, o capitão do nosso time disse que vinha um pessoal para jogar. E eu já tinha visto o Brasil na Copa do Mundo, no Chile, em 1962. Vi todos os jogos. E eu também tinha visto o Botafogo e o Santos de Pelé, que excursionavam no Peru todos os anos. Vinha também o River Plate, da Argentina. Esses times eram um colírio para os olhos.

Guaiaó: E como foi jogar com o Didi?

John Mills:
Eu era lateral e ele era meia. Era só tocar a bola para ele. Não tinha o que fazer. Ele era tranquilo, sossegado. Uma maravilha. Foi só uma vez na vida.

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John Mills se tornou conhecido além dos muros da comunidade inglesa como o biógrafo de Charles Miller. São 45 anos de relacionamento com o pai do futebol no Brasil. John, inclusive, rechaça as demais teorias sobre o começo do esporte no país, seja pelos padres jesuítas no século 19, seja por Thomas Donahue, em Bangu, no Rio de Janeiro.

Nascido no bairro do Brás, Charles Miller retornou à São Paulo, em novembro de 1894, aos 20 anos, depois de dez anos de estudos no Banister Court School, em Southampton, na Inglaterra. Lá, ele era considerado uma grande promessa do futebol. Marcou 45 gols em 34 partidas. Ao chegar no Brasil, Charles desceu no Porto de Santos e tomou o trem que subiria a Serra do Mar, na ferrovia que o pai dele, o perito industrial escocês John Miller, ajudou a construir.

São Paulo fervilhava com a imigração europeia. Era uma cidade de 300 mil habitantes em rápido crescimento. A cidade passava a conhecer uma série de esportes, de pelota basca ao ciclismo, cada vez mais difundidos numa imprensa esportiva que também se desenvolvia. A capital começava a ver o nascimento de diversos clubes, muitos deles ligados às colônias de imigrantes.

Quando voltou ao Brasil, Charles Miller trouxe uma bola e um livro de regras. O primeiro jogo aconteceu em 14 de abril de 1895, na Várzea do Carmo, e reuniu amigos de Charles, todos funcionários da São Paulo Railway e praticantes de críquete, contra The Gas Work Team. O jogo terminou 4 a 2, com dois gols de Charles. Nesse tempo, ele trabalhava na empresa ferroviária, seguindo o caminho do pai. 

Taça do tricampeonato paulista
(1902-1904)
Miller foi tricampeão paulista pelo SPAC. Foi artilheiro do primeiro campeonato, em 1902, com 10 gols. Em 1904, também foi artilheiro, ao marcar nove vezes. Nos anos seguintes, ele se revezou nas posições de atacante e goleiro, além de ser árbitro em diversas partidas. O último jogo aconteceu em 1910, pelo Campeonato Paulista. No mesmo ano, porém, enfrentou o Corinthian Casuals, com derrota por 8 a 2. Miller marcou os dois gols e pendurou as chuteiras aos 36 anos.

Depois, chegou à presidência do SPAC e atuou como dirigente em várias modalidades esportivas, como rugby e tênis. Ele morreu em São Paulo, aos 79 anos, em 1953.

Guaiaó: Como o senhor "conheceu" Charles Miller?

John Mills:
O calendário da Pirelli caiu na minha mesa. Eram sempre mulheres bonitas, mas - em 1969 - ficou mais intelectual. Era sobre a história do futebol brasileiro, por causa da Copa de 70. Quando abri o calendário, vi aquele homem de bigode e eu não sabia quem era. Depois, li São Paulo Athletic Club. Pô, esse é meu clube. Nunca mais parei. Em 1973, conheci Helena, a filha dele. Ele sempre era o pai do futebol brasileiro, mas não se tinha mais nada sobre ele. E só. Se você perguntar para um garoto quem é Charles Miller, ah, é uma praça (local onde fica o Estádio do Pacaembu, "casa" do Corinthians antes da construção do Itaquerão. Outra coincidência?). Só os antigos que sabiam.

Guaiaó: E depois?

John Mills:
Comecei a coletar, coletar material. Em 1975, eu já era capitão do time de futebol e comecei a pesquisar nosso histórico contra o Niterói, antigo adversário. Pesquisei na Federação Paulista de Futebol. Li um livro sobre o primeiro campeonato paulista. Aí, eu fiz um livrinho que se chamou "Aconteceu em 1894". E comecei a guardar tudo que saía sobre o Miller. Sabia que, em 1994, faria 100 anos da chegada dele ao Brasil. A questão é que, em 1990, eu escrevi para o Southampton pedindo informações. Só recebi uma folha de sulfite com todos os jogos dele pela escola e pela seleção de Hampshire, equivalente à seleção paulista. E um jogo pelo Corinthians inglês, foi um acidente porque faltava um jogador. Em 1994, fui visitar minha mãe por 15 dias nos Estados Unidos, e assisti a um jogo da Copa do Mundo. Espanha e Suíça. Quinze dias depois da Copa, recebi uma carta de um jornalista inglês, chamado David, dizendo que havia cometido um pecado jornalístico. Como presente, me enviou uma carta de Charles Miller, escrita em 1904, sobre como havia encontrado São Paulo na volta ao Brasil. Todos os documentos sobre Miller na Banister Court School estavam na biblioteca de Southampton desde 1977, quando a escola fechou. Lá, tinha todo o histórico dele na escola, inclusive todos os jogos. Ele me mandou tudo.

Guaiaó: E as teorias de que o futebol chegou antes de Charles Miller?
John Mills: O que eu digo é ninguém inventou a bola. Os chineses chutavam crânios como bolas três mil anos atrás. Na Inglaterra, começaram a organizar a bagunça, com regras a partir de 1863. Donahue organizou uma pelada com seis jogadores de cada lado numa fábrica em Bangu. Foi só uma vez. E o Bangu foi fundado em 1904. Os padres batiam bola nas escolas, contra a parede. Não confundam alhos com bugalhos. Miller institucionalizou o futebol. Ninguém falou que não tinha bola antes. Ele trouxe o livro com as 17 regras originais.

Obs.: Texto publicado, originalmente, na revista Guaiaó, n. 10.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Uma guerra de trincheiras



Este texto é o discurso de Colação de grau para os formandos em Jornalismo, da Universidade Católica de Santos. Quarta-feira, 1º de fevereiro de 2017.

Marcus Vinicius Batista

Como é de praxe nos discursos de colação de grau, vou citar alguém para cumprir o protocolo. Como diria Claudio Abramo, o Jornalismo é o exercício cotidiano do caráter.

Como aprendi a respeitar os mais experientes e absorver os ensinamentos dos craques, levo esta frase debaixo do braço há quase 25 anos. E, por isso, não posso - como ex-professor e colega, mentir para vocês.

Vocês entraram numa guerra de trincheiras. Para explicar, uma guerra de trincheiras é marcada pelo alto índice de mortalidade. No nosso caso, de mortalidade profissional.

Uma guerra de trincheiras é longa, exaustiva, repleta de doenças, com comida e remédios escassos, além de inimigos não previstos no roteiro, como ratos, o frio, a chuva, o desespero dos colegas.

Por outro lado, a guerra de trincheiras te ensina o valor da solidariedade, da cumplicidade do soldado que cobre sua retaguarda, da convivência de quem divide as histórias mais íntimas que sustentarão uma trajetória de lealdade, companheirismo e amor, caso consiga chegar vivo em casa.

A guerra de trincheiras te ensina a dar valor ao mínimo; um cigarro que alguém te oferece numa madrugada de frio, uma caneca de sopa após horas de tiros e resistência ao inimigo, um ombro molhado, duro e cansado, que te acolhe quando teus colegas caem ao solo e tudo acima parece desabar.

A guerra de trincheiras te dá o inimigo, mas te surpreende com a amizade eterna. Esta guerra te apresenta a morte, mas te aponta a próxima curva da vida.

O Jornalismo atual está dentro de uma trincheira. E vocês se tornaram voluntários dela. Os mais apressados batem no peito que o Jornalismo morreu. São apressados e desinformados.

O Jornalismo foi baleado. Não posso enganar vocês com palavras empolgantes, primas da falsa inspiração. Minha obrigação é dizer a vocês que o Jornalismo sangra. Sangra na trincheira, em vias de encarar o frio da madrugada e os ratos - em forma de gente - que se alimentam de nossa profissão. Que encenam fazer parte dela, enquanto agem em benefício próprio.

Como disse antes, a trincheira é também terreno da amizade, da lealdade, da cumplicidade, do amor entre as pessoas. O Jornalismo só sobreviverá a esta noite de frio se os jornalistas - também entrincheirados - resolverem socorrê-lo.

Os medicamentos estão à disposição. Uma pílula de consciência social. Uma injeção de politização. 100 gotas de cidadania. O tratamento de olhar para o outro, respeitá-lo, compreendê-lo e enxergá-lo como alguém que também atravessa o campo minado.

O Jornalismo só estancará o próprio sangue se as feridas forem costuradas. A costura é fazer Jornalismo para quem sofre com o poder, para quem é atropelado por este tanque. O Jornalismo não é para quem comanda os exércitos, é para quem se tornou vítima da frente de batalha.

Vi, ontem, 15 colegas da rádio CBN-Santos caírem de pé depois do bombardeio que fechou a emissora e selou seus empregos. Todos me olharam de cabeça erguida. Preocupados, mas dispostos e ver o sol amanhã, após mais um tiroteio na trincheira

A vocês, meus colegas jornalistas, peço que lutem. Mais do que lutar por si mesmo, falo de combater quem tentar assassinar nossa profissão. Suas armas são informação, conhecimento, preparo diário, com a disciplina de um soldado. Lutem, escrevam, argumentem e informem.

E pratiquem o exercício cotidiano do caráter. Muito obrigado!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O último jornal da CBN-Santos


Marcus Vinicius Batista

Uma redação de jornal é um termômetro do humano. É o endereço perfeito para se aprender um pouco sobre comportamento, dos jornalistas aos entrevistados, dos proprietários ao público. 

Numa redação, cultivam-se os sete pecados capitais, mas colhem-se as virtudes que servem de alimento nas crises, dentro e fora dali.  Qualquer redação carrega nas costas o próprio paradoxo, da convivência entre a História instantânea e a construção contínua de fatos quase sempre inacabados, sedentos por explicação e contexto.

Hoje, foi a edição 1210 do jornal da CBN-Santos. A última edição depois de quatro anos. Em pouco mais de duas horas, jornalistas e técnicos da emissora transitaram por um caldeirão de sentimentos e emoções, que talvez resuma o que é o Jornalismo contemporâneo e o que significa a ausência dele.

Logo no começo do jornal, todos estavam concentrados em executar o roteiro como se fosse um dia normal. Uma batalha perdida, pois o jornal de terça-feira, 31 de janeiro de 2017, era único. Cedo ou tarde, todos se renderiam às evidências da quebra da rotina. Hoje, última vez. Amanhã, o vácuo da mudez.

O repórter Vitor Anjos tentava atender aos chamados de whatsapp, quase 100% cumprimentos e lamentações dos ouvintes. Ele parou o que fazia, se virou e disse: “estou me sentindo mal. Dia esquisito. Parece um velório.”

A melancolia se misturava com a resignação. Vitor e Alex Frutuoso, um profissional experiente e símbolo de serenidade, conversaram sobre as rescisões contratuais. A preocupação de quem têm filhos – Alex se mudou para Santos recentemente – diante de um cenário onde 15 profissionais foram demitidos. Ambos são o retrato do jornalista brasileiro, que precisa de mais de um emprego para conseguir equilibrar as contas e sustentar uma família.

O apresentador e editor Oswaldo Júnior parecia ter formigas subindo pelas pernas. Indignado no ar, marca pessoal do âncora, ele tentava manter o sorriso e a descontração fora dele. Oswaldo estava mais inquieto do que o tradicional. Entrava e saia do estúdio a cada intervalo. Não dava as broncas habituais. Dava a impressão de contar até dez a cada matéria no ar, momento em que olhava para o estúdio à procura pelo diagnóstico do ambiente além dos vidros.


Oswaldo Júnior, comandante da CBN-Santos

O cozimento virou fervura quando Oswaldo viu os técnicos da Saudade FM, rádio que assumirá a frequência da CBN-Santos a partir de meia noite, trabalhando nos cabos, dentro e fora da redação.

Um deles sorriu para o estúdio. Entre a ironia e a simpatia, Oswaldo absorveu a primeira hipótese, o que não surpreende nem representa demérito frente aos bastidores da troca de microfones.

O sorriso bastou para que Oswaldo se mexesse e relatasse o desrespeito com que os profissionais da CBN estavam sendo tratados. Era um serviço que poderia esperar, que poderia ser feito após o programa, quando o movimento da redação fosse menor. Oswaldo entendeu como provocação e, após uma queixa aos tubarões do aquário, os técnicos deixaram a emissora. O serviço e o constrangimento ficariam para mais tarde.

A redação ficou mais apertada com a chegada de três repórteres que passaram pela emissora. Mayara Rached, Guilherme Pradella e Carol Bertholini são filhos da escola Oswaldo/CBN e adicionaram pitadas de nostalgia e saudade no caldeirão chamado jornal n.1210.

Mayara, de maneira involuntária, injetou bom humor numa atmosfera de incerteza. Fazer o café da redação foi o detalhe que se torna essencial para virar o leme diante do vento instável. Alivia as dores e conduz os rostos para outro horizonte, pelo menos por cinco minutos. Os direitos trabalhistas foram para trás da cortina e as perguntas sobre o cotidiano de cada um receberam a luz para empurrar o espetáculo adiante.

Fora do estúdio, os repórteres ressuscitavam lembranças do comportamento do Oswaldo, o chefe-professor que os colocou no fogo, ou seja, os “intimou” a apresentar o jornal nos sábados de Cultura, entrevistas longas e música ao vivo.

Lá fora, o temor pela instabilidade do mercado, as possibilidades de retorno da rádio e a recontratação dos colegas eram assuntos insistentes, que teimavam em aproximar as conversas informais de uma reunião de pauta tradicional. Não há repórter que resista a um cardápio de notícias que os engoliu.

No ar, os três entraram numa zona de cessar-fogo, onde falaram sobre suas experiências como repórteres, as coberturas importantes, como a morte do então candidato à presidente Eduardo Campos. Notícias ruins, momento de alta performance de cada um dos jornalistas.

Na redação, Alex Frutuoso tentava domar a concentração que sempre lhe foi cúmplice. Entrevistas precisavam ser feitas, textos a serem escritos, pensar no programa de esportes a seguir. “Um segundo só, por favor”, era o que pedia para aqueles que entravam e saiam da sala.

Era quase o sussurro de quem tentava cumprir a última missão sem levantar a bandeira branca ou hastear a bandeira da CBN a meio pau. “Oswaldo, espere um pouco, estou escolhendo uma foto”, era o recado sem alterar a voz, pois o site ainda carecia de alimento.

Do outro lado da redação, Vitor Anjos repassava as mensagens dos ouvintes, lia e-mails e mexia no Facebook. Uma dúvida: apagar as páginas ou deixá-las inativas? Vitor conversava com Roberta, responsável pela área, e com um dos técnicos. Os pormenores avisavam que o jornal, embora seguisse para o final da última edição, ainda deixaria arestas a aparar. Quatro anos não falecem em duas horas, lição que nenhuma faculdade pode dar.

Todos os jornalistas, sempre que voltavam a conversar sobre o final da programação, citavam a colega Roberta Caprile, recém-formada e contratada há um mês. Ela cobria a presença do governador Geraldo Alckmin, que visitava Santos para inaugurar mais um trecho do VLT. Roberta entrara ao vivo pouco antes e retornaria à redação ao final do jornal.

“E aí, professor?, me perguntou assim que chegou. “Tudo bem?” “Tudo, na medida do possível.” Só pude dizer que tudo daria certo. Que tinha competência para continuar a trabalhar no Jornalismo. Qualquer outra frase soaria artificial e mentirosa.

Naquele momento, Oswaldo anunciava – no ar – que em duas semanas teria novidades. Ele garantia que todos os profissionais seriam recontratados. Era a busca por uma nova frequência.

Minha relação com a CBN-Santos é afetiva. Estive lá como entrevistado, entrevistador, comentarista, assessor de imprensa, funções variadas que me permitiram testemunhar como a rádio que toca notícia costuma digeri-las.

Entre erros e acertos, jamais o ouvinte passou mal ou se sentiu enfastiado. O ambiente – como minha esposa Beth lembrou – reacende em mim o bichinho que sobrevive no sangue. Sai da redação, mas ela não saiu do meu organismo. Bom, me levou de volta às coberturas de Carnaval.

Hoje, de surpresa, Oswaldo Júnior me convidou para uma entrevista no estúdio. Os últimos 20 minutos do jornal. Antes de entrar, pensei que deveria ser simpático, animado, empolgado até. Uma forma de celebrar o Jornalismo praticado pela rádio, enquanto deixava a condição de observador.

Falhei. Quando me vi, respondia às perguntas em um tom que beirava o melancólico, de quem tinha dificuldades em se despedir. Refletia sobre o vazio que o Jornalismo deles deixará na imprensa da região. Lembrava-me das conversas preocupadas sobre desemprego, recolocação no mercado de trabalho e na perspectiva de retomada em outra frequência. Dificuldade para me concentrar, luta para não ser dispersivo. Oswaldo que me perdoe. Falhei com quase 25 anos de experiência. Humano.

Até logo, meus colegas da redação CBN-Santos, a história de vocês não teve um ponto final. Foi somente a respiração de uma vírgula.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Os tons de cinza




Marcus Vinicius Batista


O mundo nunca foi preto ou branco. O mundo de duas cores só existe entre os ingênuos e os maniqueístas que, no fundo, costumam ser as mesmas pessoas.

O mundo pode ser cinza. Em múltiplos tons, como tatuagens dos autoritários e insensíveis que, sempre, costumam ser as mesmas pessoas. E nada glamourosos como mentem os livros de literatura pseudo-ousada.

O mundo deveria ser colorido. Em todas as nuances, como retratos da diversidade, da diferença, da tolerância, do amor, sentimentos nobres que - juntos - habitam a mesma pessoa. O mundo que se manifesta na arte urbana, como marca de politização, consciência social, pluralidade de opiniões, conteúdos, estilos e estéticas.

Em 1984, romance clássico de George Orwell, as pessoas viviam vestidas de branco e residiam em um mundo acinzentado. Nas cidades operárias, fruto das revoluções industriais, o lazer é supérfluo. A cultura é badulaque. As cores da artes distraem e, por contradição, fazem pensar quem deveria somente trabalhar, servir, se escravizar e se submeter.

O prefeito de São Paulo, João Doria, é um ícone da obsessão pelo trabalho, pela propaganda que defende uma vida de aparências. O prefeito que torna São Paulo uma cidade apagada é o empresário-construtor de imagem, que se veste de gari, que anda em cadeira de rodas, para encenar preocupações, para mascarar violência.

Quando deixa a cidade cinza, Dória externa - na camuflagem do sorriso branco de publicidade - o desejo de controle. O desejo de manter o pensamento paulistano no cabresto da uniformidade. Todos iguais, todos de joelhos perante o Grande Irmão, único capaz de decidir o que todos devem rezar, por obrigação.

Enxergar e governar em tom de cinza é sinal de visão embaçada. São Paulo é uma aquarela, e não as cores do pintor preferido do prefeito, que finge não repetir sempre o mesmo desenho. Ele é cinza também, mas com um verniz que tagarela, vende e pouco pensa.

O autoritarismo, presente nos ismos de esquerda e de direita, sempre teve uma cor: o cinza. Às vezes, travestido de vermelho. Às vezes, fantasiado de verde e amarelo. Que os muros e viadutos suem em arco-íris.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Os presos errados


Cadeia Velha de Santos. Foto: Matheus Tagé/Diário do Litoral

Marcus Vinicius Batista

Os carrascos deste século não usam capuzes pretos. Eles expõem seus rostos, protegidos com status de “autoridades”. Os carrascos não andam armados de foices ou posam ao lado de guilhotinas ou forcas. Eles prendem canetas, muitas vezes importadas, aos paletós, para degolar suas vítimas com assinatura em papel timbrado.

Os carrascos não sentem remorso, culpa ou temem ser estigmatizados pelo que fazem. Eles sorriem, falam em pausas programadas, oferecem café e água antes de fingir que negociam rendição. Para os carrascos, as decisões são tomadas com antecedência. Eles recebem o pedido de execução e seguem a cartilha na qual nunca consta misericórdia.

Os carrascos estiveram em Santos, na semana passada. Treinados para ignorar o passado alheio e negar as próprias mentiras recentes, eles vieram com o discurso costurado em pele de carneiro. Era a hora de matar a Cadeia Velha de Santos. Matar com um único disparo, no coração.

Atirar no coração é tática de quem deseja liquidar a essência histórica do condenado. Antes, porém, foi preciso torturar a Cadeia Velha. Fazê-la entender que 35 anos de vida como formadora de artistas não apagam o passado anterior de prisão. Os carrascos absorvem, talvez pela lavar os próprios pecados, a raiva do que nunca viveram.

Admitamos: os torturadores são criativos, ricos em se aproveitar dos detalhes. Primeiro, reabrem a Cadeia, injetam uma dose de esperança de que a essência seria preservada, depois de meses de uma obra arrastada, dentro das tradições brasileiras.

O passo seguinte é abrir para fechar. Dinheiro é a desculpa-coringa. Empurrar para o outro; no caso, a Prefeitura, que gastou como dondoca em shopping e vive de bolso murcho. Novamente, a dança em torno do dinheiro, que some feito ilusão de mágico para crianças.

Os carrascos, porém, são seletivos. Eles se esquecem, por conveniência, que a Cadeia Velha foi morada de presos políticos, de gente que lutava pelas ideias que os carrascos tanto abominam, que viram pústulas tamanha a alergia à liberdade.

A crueldade se esgueira pelos sorrisos amarelados, pela falsa descontração de conduzir uma morte lenta e dolorosa. 35 anos de vida como formadora de artistas não seriam extintos da história. Virariam rodapé dela, com a lembrança viva pelo Projeto Guri, que seria transferido para as dependências de uma Cadeia morta.

O Projeto Guri, antes na Zona Noroeste, criará mais uma despesa, desta vez para as famílias que veem na Cultura um porto seguro de uma rotina na qual se contam as moedas. E agora, viajar atrás de Cultura em um ônibus mais caro? Os burocratas de salários europeus só enxergam o mundo pela janela de vidro envelopado.

Quando o moribundo cambaleia pelo tiro no peito, os carrascos descem a marreta na nuca. Na dúvida, é preciso garantir que não haja ressurreição. A marreta é da marca Agem, a Agência Metropolitana da Baixada Santista. A serpentina que envolve com carinho a Metropolização, a melhor fantasia política dos últimos 20 anos.

Os carrascos são perversos. Não bastou sorrir para os artistas enquanto assassinavam a Cadeia Velha de Santos. Para dar o recado aos “subversivos” – palavrinha do século passado, mas retomada por quem ainda acha que vive nele -, a ordem foi expressa: lotar a Cadeia com burocratas, com gente que nunca foi apresentada à arte e, se foi, não conseguiu estabelecer o mínimo diálogo.

Lotar a Cadeia de seres que se alimentam de projetos, de programas requentados, de café e reuniões e mais cafés e reuniões e comissões, mas que passam mal de pedir auxílio médico quando ouvem que é necessário trabalhar na vida prática.

A Cadeia Velha de Santos lacrimeja e pede socorro aos artistas, mas sinto que os sujeitos com algum poder na cidade os abandonaram no meio da Praça dos Andradas. Os artistas têm a voz, o suor, a criatividade e a força de trabalho para medicar a Cadeia, hoje sonhando em contradizer suas origens.

Se no passado a Cadeia Velha prendia quem fazia política, hoje ela reza para que expulsem os políticos de dentro do seu ventre.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Fora do ponto

Foto: Juicy Santos
Marcus Vinicius Batista

A decisão do Poder Judiciário em reduzir o preço da passagem de ônibus estipulada pela Prefeitura é só mais um capítulo na desastrosa política de transporte público em Santos. Antes, uma ressalva: a Justiça manteve o aumento, pois o preço foi fixado em R$ 3,45, vinte centavos a mais.

Vamos pegar um desvio e sair da rota que nos leva a velhos problemas, como tempo de espera, monopólio no transporte de ônibus convencional, ar-condicionado e Internet apenas em parte da frota. Vamos discutir matemática, mexer no bolso para entender como o planejamento perdeu a viagem.

A Prefeitura aumentou a passagem em 18%, ou seja, R$ 3,85. Isso significa cinco centavos a menos que os ônibus Seletivos, que operam em três linhas. Neles, não há passageiros em pé, todos os veículos têm ar-condicionado, o ônibus estaciona fora do ponto. Por R$ 3,90.

Quando anunciou o reajuste, a primeira justificativa oficial foi a redução de passageiros da Viação Piracicabana. Depois, vieram os dois anos sem aumento, entre outros argumentos. Nesta equação de segundo grau, entrou um novo X: o Uber.

O Uber, quando não está com preço dinâmico, que pode torná-lo mais caro do que um táxi, vira uma pechincha ao transportar três ou quatro pessoas. Uma corrida do Shopping Praiamar, por exemplo, até o Campo Grande - entre os canais 1 e 2 - custa, em média, R$ 14. O tempo de espera é mínimo; o de viagem, mais rápido, com ar-condicionado e bom atendimento.

Faça as contas, com a passagem de ônibus a R$ 3,45 ou R$ 3,85. Dá quase no mesmo. Os motoristas de Uber costumam relatar que transportam muitas famílias de classe média baixa, antes usuárias de ônibus, e não de táxis.

Os vereadores, cuja principal função é monitorar e fiscalizar o Poder Executivo, alegaram impossibilidade de intervir no aumento das passagens de ônibus. Se hoje lavaram as mãos, aprovaram sem ressalvas, no final de 2015, o projeto de lei que proibia o Uber na cidade. Nesta história, taxistas compraram brigas que mal sabem onde começam e onde vão terminar. Lutam para melhorar o atendimento e conter o êxodo de passageiros.

A Prefeitura criou uma Comissão de Mobilidade Urbana - você já viu por aí? - e nada mudou na política de transporte público, exceto elevar o preço das passagens de ônibus dois meses depois das eleições.

Realmente, a conta não fecha. Não há proporcionalidade, porcentagem ou fórmulas matemáticas capazes de explicar os critérios para os preços de transporte na cidade de Santos. Ao passageiro, só sobrou tirar o lápis que dorme atrás da orelha.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Anchieta - a "Casa dos Horrores"


Casa de Saúde Anchieta, em foto de 2007

Este é o quarto de uma série de seis textos sobre os 25 anos do projeto TamTam. Nesta postagem, a importância da Casa de Saúde Anchieta para as discussões sobre saúde mental e para a criação de um projeto cultural liderado pelo arte-educador Renato Di Renzo.
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Marcus Vinicius Batista

O projeto TamTam nasceu dentro da Casa de Saúde Anchieta em 25 agosto de 1989, quando o arte-educador Renato Di Renzo foi ao local apenas disposto a ajudar, mas sem uma ideia profunda do que poderia fazer. Ali, brotaria uma iniciativa de arte, inclusão social e saúde mental que sobreviveu à extinção de uma das piores manchas na história da psiquiatria brasileira.

Enquanto o projeto TamTam voou para outros endereços, o que aconteceu com o Anchieta depois da intervenção da Prefeitura no mesmo ano? O que resta hoje do antigo manicômio, inaugurado na década de 50? Por que o hospital é tão importante não apenas para a história da saúde pública, mas também para a biografia do Teatro, em Santos?



Renato e pacientes do Tam Tam

Hoje, o imóvel que abrigou a Casa de Saúde Anchieta não apresenta rastros dos tempos de hospital psiquiátrico. Muito menos de espetáculos teatrais, como a peça em que o Papa e um pirata assaltam o Vaticano e dividem o produto meio a meio. A primeira encenação envolveu dois pacientes, um deles Ercílio, que hoje trabalha no programa municipal de reciclagem de lixo, em Santos.

O Anchieta é apenas uma carcaça do lugar que abrigou o principal manicômio do litoral de São Paulo. O local se transformou em um cortiço, onde residem 54 famílias. São cerca de 150 pessoas. As condições de vida são insalubres, com sérios problemas estruturais no edifício. A desapropriação do imóvel se arrasta no Poder Judiciário.

Em 27 de setembro de 2012, um dos cômodos do imóvel pegou fogo. Ninguém se feriu. No cômodo, residiam sete pessoas, de duas famílias, que perderam tudo. O incêndio teria sido provocado por um curto-circuito.


Incêndio em 2012. Foto: G1-Santos

A história da Casa de Saúde Anchieta começa em 1951 bem antes do projeto TamTam. O hospital, de propriedade privada, tinha teoricamente capacidade para 450 leitos. Até o final da década de 80, pouco se sabia sobre a instituição, uma caixa-preta tanto para a imprensa como para as autoridades de saúde. O Anchieta seguia à risca o silêncio da cartilha dos manicômios que se espalharam pelo país.

A intervenção na “Casa dos Horrores” aconteceu em 3 de maio de 1989 por parte da Prefeitura de Santos. A gota d´água foi a morte de três internos. O lugar colecionava denúncias de maus tratos, mortes e superlotação de pacientes, muitos deles espalhados por corredores e pátios. O Anchieta, nome popular do hospital, era um dos símbolos dos manicômios como depósitos de pessoas.

Uma equipe multidisciplinar promoveu uma avaliação dos pacientes, muitos deles com marcas de violência pelo corpo e desidratados. Em outros casos, internos não recebiam alta por conta da desorganização dos prontuários. Nas instalações, a precariedade se repetia: cadeados que isolavam pátios, enfermarias fechadas e chuveiros sem água quente.

Havia também o “chiqueirinho”, apelido para o espaço onde os pacientes eram trancafiados. Eram celas fortes, de dois metros quadrados, com pouca ventilação, sem luminosidade e local para as necessidades fisiológicas.

Como tratamento, pacientes recebiam eletrochoques e não existia controle sobre os medicamentos. A Casa de Saúde Anchieta abrigava todo o tipo de marginalizados, de doentes mentais até alcoólatras e usuários de drogas. Um mês depois da intervenção, em junho de 1989, o lugar ainda abrigava 350 pessoas.

Com a intervenção, o hospital reduziu, gradualmente, o número de pacientes até fechar as portas, em definitivo, em 1996. A intervenção é lembrada até hoje como um marco na reforma psiquiátrica e na luta antimanicomial, inspirada na experiência em Triste, na Itália.

Em Santos, a desativação do hospital marcou também a implantação de Núcleos de Apoio Psicossocial, os NAPS, modelo de atendimento descentralizado que existe até hoje. O primeiro começou a funcionar na Zona Noroeste de Santos, também em 1989.

Curiosamente, a legislação que deveria acompanhar o fechamento dos hospitais psiquiátricos só foi aprovada 12 anos depois no Congresso Nacional. O projeto de lei, apresentado pelo deputado Paulo Delgado (PT/MG), regulamentava os direitos dos pacientes com transtornos mentais e estabelecia o fechamento de todos os manicômios no país.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Santos em silêncio



Marcus Vinicius Batista

Santos é uma cidade sob efeito de entorpecentes. Uma cidade à base de sedativos. Um município dependente de Lexotan político, tamanha a anestesia diante das más notícias, dos truques eleitorais e do planejamento quase ausente por parte da administração municipal.

Poucos gritam. Ninguém nas ruas. Protestos no quintal de casa só quando os semáforos atrasam o passeio. A última má notícia foi o aumento do preço das passagens de ônibus. Quase 20%, a partir de segunda-feira. É a compensação depois de um ano de congelamento. Uma manobra política para enganar os usuários.

Os dois sindicatos que cuidam dos interesses do funcionalismo enfrentam dificuldades em mobilizar os funcionários. O 13º salário atrasou pela primeira vez neste século. Outros benefícios também seguem se arrastando na burocracia, como as licenças-prêmio. Os sindicalistas, combativos há quatro anos, inclusive com greve, conversam, conversam e conversam...

Quem utiliza hospitais como a Santa Casa sabe - com pós-graduação - o sufoco no atendimento público de saúde. As esperas para consultas em algumas policlínicas parecem tempo de gestante. A Prefeitura fez festa para (re)inaugurar um hospital, o dos Estivadores, que permanece fechado. Três datas diferentes só para a abertura da maternidade.

A dívida da Prefeitura explodiu em quatro anos e empresas como Prodesan e Cohab permanecem na conta sem justificar suas existências. Os moradores da Vila Telma conhecem, de carteirinha, a lentidão, ou melhor, a paralisia da Companhia de Habitação. Até hoje, o conjunto habitacional que seria construído para as vítimas do incêndio está na fundação, com a promessa (entenda, chute!) de inauguração em 2018.

Agora, há um segundo grupo, de centenas de desabrigados, do incêndio no Caminho São Sebastião para esperar por palavrório de quem perdeu dinheiro internacional por não executar um projeto de revitalização na Zona Noroeste.

A Santos com atmosfera parisiense sumiu depois do final do Horário Eleitoral Gratuito. As más notícias são dadas em doses homeopáticas, para que os pacientes se acostumem com os sintomas da doença.

Santos segue em silêncio. Ficaremos mudos até 2020?

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A festa à fantasia


Marcus Vinicius Batista

O prefeito de São Paulo, João Doria, caiu no conto do assessor mal preparado. Ou sucumbiu à mordida da mosca azul, que inocula o vírus do poder. Ou aceitou alguma baboseira de guru corporativo, vestida de marketing pessoal.

Só pensando desta forma para digerir que um empresário experiente como ele aceite, com sorriso no rosto, a demagogia de se vestir de gari por um dia. O que o prefeito deseja provar? Proximidade com o povo? Capacidade de se sentir como seus funcionários, que recebem num mês o que ele gasta num almoço?

Os políticos brasileiros costumam incluir no protocolo de estreia uma festa à fantasia. Vivenciar o problema alheio, muitas vezes crônico e de solução a longo prazo, poderia representar o primeiro passo de uma nova administração. A demarcação hipócrita de território perde a magia assim que começa. E olha que acaba mais rápido do que os quadros “...por um dia”, exibidos na TV.

Prefeitos adoram, por exemplo, transferir gabinetes, como se mudar de endereço os permitisse “sentir” melhor um cenário que qualquer eleitor conhece na pele. Esta mediunidade política normalmente resulta em promessas recicladas, programas velhos e obsoletos com novo sobrenome e paralisia depois que a poeira baixa e a imprensa vai embora.

Prefeitos decidem trabalhar em hospitais como se não soubessem que faltam remédios, consultas levam meses, médicos abusam nas ausências, entre outros sofrimentos tradicionais. Políticos não precisam frequentar hospitais que nunca usariam. A caneta e a competência têm o mesmo valor em qualquer sala com ar-condicionado.

O prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, assim que assumiu o governo, há quatro anos, resolveu andar de ônibus. Chegou às seis horas da manhã, na Zona Noroeste, para conferir as dificuldades dos passageiros em transitar pela cidade. A tal da mobilidade urbana. Feliz ideia de quem o alertou que não precisava repetir a encenação. Quatro anos depois, os problemas nos ônibus da única empresa operadora seguem os mesmos itinerários. Só que com wi-fi e ar-condicionado para algumas linhas.

Verdade seja dita que tomar transporte coletivo não é exclusividade dos tucanos. Marta Suplicy, entre outros petistas do passado e do presente, também gostava de se exibir no metrô em horário do rush. Passageiros que esperassem um pouco mais e dessem lugar à corte da então candidata/prefeita.

João Doria se enfeitou de gari para fantasiar uma nova cidade vestida de demagogia. Um novo figurino que o coloca na tradição política que inclui pastel na feira, refeição de arroz e feijão no Bom Prato, sinal da cruz em missa, joelhos ao solo e mãos aos céus em cultos, pontapé inicial em partida de futebol.

Na política, ser gari por um dia (ou poucas horas) é a antecipação do Carnaval, onde o pierrô que lacrimeja somos nós.

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Uma observação:
no dia 6 de janeiro de 2007, publiquei meu primeiro texto no jornal Boqnews. Dez anos e 403 colunas depois, tenho que agradecer aos meus colegas de redação, editores e leitores por acompanharem meus escritos. É com orgulho que digo: muito obrigado! 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Brincando de Lego


Hospital dos Estivadores de Santos - Foto: Diário do Litoral

Marcus Vinicius Batista

Políticos são sujeitos brincalhões. Adoram uma vida lúdica com seus eleitores. Brincam, por exemplo, de polícia e ladrão. De pega-pega, de esconde-esconde, queimadas, joão bobo, brincadeiras que sabemos quais papéis eles preferem escolher.

Santos adotou, a partir de 2010, um tipo de brincadeira mais moderna, compatível com as preferências das crianças no século 21. Nada de tradicionalismo. A ordem é ser futurista ou ao menos atualizado, conforme a popularidade da indústria.

Os políticos, visitantes ou nativos, aderiram à moda do Lego, aquele brinquedo de montar peças, tradicional, mas que se repaginou para as tendências da cultura pop. Esta fase de desenvolvimento das crianças começou com o primeiro brinquedo, presente de 12 de outubro, não exatamente na data, até porque pai político nunca entrega nada no prazo.

Na ocasião, os políticos se reuniram para celebrar o presente. Era uma ponte, pedida e implorada em cartinhas para o velhinho, manifestações, gritos na imprensa, birras de deitar em corredor de supermercado.

O encontro foi no Ferry-boat. Um monte de gente reunida para celebrar a ponte entre Santos e Guarujá. Uma maquete Lego digna de vitrine de loja de shopping. No ano seguinte, um dos políticos mandou quebrar o brinquedo, talvez revoltado porque não foi ele quem deu o presente, provavelmente também porque não gostava do amiguinho dono da festa. Não era desmontar, era jogar no lixo mesmo.

Esta semana, eles retomaram a brincadeira do Lego, estimulados pelo espírito natalino, porém aquele pai que divide o presente por partes. Diz que é muito caro; por isso, um pedaço do Papai Noel, outro do Coelho da Páscoa, outro no aniversário. Mas se prepare: ele ou a criança vão esquecer uma das partes no meio do caminho.

Toda a trupe estava lá para entregar a nova versão do Lego. A versão Hospital dos Estivadores. Seguindo o comportamento politicamente correto e a crise econômica, o brinquedo é de segunda mão. A estrutura das peças é antiga, passou por reciclagem, presente para tempos de cinto à beira do enforcamento.

A questão é que os pais políticos acreditam que as crianças-eleitoras não se comportaram bem. Como punição, cortaram a fita, mostraram o brinquedo e o guardaram na caixa. Agora não! Vocês vão receber as peças aos poucos, para pensar no que fizeram. Só faltou o chapeuzinho de burro na molecada.

Depois do prédio, a próxima peça do Lego é a maternidade. O Natal já passou. O réveillon também ficará para trás. Janeiro? Carnaval, entre lantejoulas e confetes? Os próximos pedaços ainda estão indefinidos. Afinal, o 13º salário atrasou, a crise está brava, o orçamento ficou quase no miojo e pão com ovo.

Paciência. Estes políticos adoram uma brincadeira de mau gosto.