sexta-feira, 31 de maio de 2013

Vida de gado


Os universitários que saem da Universidade Católica de Santos, na Vila Mathias, por volta das 22h30, costumam demorar cerca de uma hora e meia para chegar em casa. Eles dependem de ônibus da Viação Piracicabana para levá-los à Cidade Náutica e bairros próximos, na vizinha São Vicente. É o mesmo tempo de viagem para os estudantes que tomam ônibus fretados para Peruíbe, a 70 quilômetros da instituição de ensino. 

Na avenida Conselheiro Nébias, ônibus gastam até 10 minutos para percorrer um trecho de duas quadras no mesmo horário. O fluxo de passageiros cresce exponencialmente por conta da saída de universitários. Como agravante, a via é estreita e a empresa disponibiliza os maiores veículos, que travam a avenida e transformam o tráfego em carreata (ou romaria).

Um professor estava no Canal 1, no Marapé, às 18 horas, e precisava estar em sala de aula, no Boqueirão, uma hora depois para trabalhar. Diante de ônibus lotados e trânsito carregado, preferiu ir à pé. Estava em sala 50 minutos depois. Uma aluna, por coincidência no mesmo ponto, esperou pelo ônibus número 7. Chegou ao mesmo lugar meia hora depois que o professor.

Um passageiro me contou que cansou de esperar 30 minutos, em média, por ônibus da Viação Piracicabana na avenida Presidente Wilson, em São Vicente. Ele toma o coletivo às 13 horas e, quase todos os dias, enfrenta veículos lotados até a porta. Não é horário de rush. Nesta semana, tomou uma lotação e pegou um ônibus em Santos para cumprir a tempo um compromisso de trabalho. Ele não conseguia entrar no intermunicipal número 8.

È só parar em qualquer ponto de ônibus para verificar a insatisfação coletiva dos usuários contra a empresa que mantém o transporte coletivo em Santos. O debate sobre a cobrança em dinheiro e o uso de cartões apenas mascara o real cenário. Até porque o prefeito Paulo Alexandre Barbosa, anunciou a alteração na cobrança em fevereiro, naquele passeio de ônibus. Alteração adiada em abril porque a empresa não se preparou no sentido de instalar postos em quantidade suficiente. Lembram-se das filas de duas, até quatro horas, em março?

A discussão desvia o foco sobre a ausência de cobradores nos veículos. Isso sem falar na cortina de fumaça em forma de “benefícios”, como carros novos, ar-condicionado e Internet. É transformar obrigação em mérito.

Com a mudança, os motoristas se tornaram soberanos nos coletivos. Cada um toma a decisão que for mais conveniente. Alguns aceitaram dinheiro. Outros enfatizaram as recomendações pelas novas regras. Um terceiro grupo se recusou a receber pagamentos que não fossem em cartões. Crianças tiveram que descer do ônibus por conta do comportamento do condutor.

A ideia de que os passageiros poderão pagar em dinheiro três vezes ao mês soa ridícula. Os passageiros seriam filmados e as imagens, registradas em banco de dados. Como os motoristas vão verificar quem passou quantas vezes pela catraca? Outra função a acumular? Quem monitora a “lista negra”? A proposta parece piada pronta diante de tantas dificuldades.

O prefeito disse, em várias situações, que vai cobrar da Piracicabana melhor qualidade no serviço. Lembrou, inclusive, que o contrato – herdado por ele, faça-se justiça! – se encerra em 2015. Quando a data chegar, a cidade vai abrir concorrência no transporte coletivo? O passageiro poderá escolher por qual companhia viajar, assim como faz na ponte rodoviária?
Em tempo: os motoristas do ônibus Seletivo estão informando aos passageiros que levem trocados para pagar a passagem de R$ 3,50. As notas maiores serão guardadas nos cofres dos veículos para evitar assaltos. É a política da transferência. Mudam-se os cenários. Mudam-se as vítimas. Persistem os problemas.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Cultura do estupro II



Na semana passada, escrevi neste espaço sobre a violência sexual como epidemia global. Uma doença que não escolhe endereço, cultura ou nível de desenvolvimento econômico. E, em todos os lugares, persiste a sensação de impunidade, seja por conta de leis mal aplicadas ou inexistentes, seja por valores culturais enraizados até a medula. 

A violência sexual é utilizada, inclusive, como instrumento político. O Centro de Jornalismo Women Under Siege denunciou que os estupros contra homens e mulheres se tornou uma arma na guerra civil da Síria. Segundo a pesquisa realizada pelo Centro, oito em cada dez vítimas são mulheres com idade entre 7 e 46 anos. Sete anos! A maioria dos atos violentos são cometidos por soldados. Muitas vítimas afirmaram ter ouvido, enquanto eram estupradas, frases como: "Você quer liberdade? Isso é liberdade".

Mas vamos aproximar o assunto da janela de casa, conforme prometido. No Estado de São Paulo, quase 13 mil estupros em 2012. Um caso a cada 40 minutos. Em 2005, eram 10 estupros por dia no Estado. Hoje, são 35 vítimas. Na Baixada Santista, aconteceram 545 estupros em 2011. Guarujá lidera a lista com 139 casos. Santos registra, em média, quase dez estupros por mês.

Esta doença permite leitura de variados ângulos. Mas tenho a impressão de que aspectos sociais e econômicos soam como transferência de responsabilidade, na qual o sistema – ou qualquer outro nome que pareça uma entidade abstrata – assinaria a culpa por comportamentos individuais, ainda que muitos estupros sejam coletivos.

Prefiro pensar a questão, neste momento, pela perspectiva cultural. A violência sexual está associada à manifestação mais selvagem do machismo. O estupro é a visão asquerosa de uma sociedade dita civilizada quando se olha no espelho. A mulher não é vista como ser inferior, passível de agressão e posse, apenas durante a violência sexual. O corpo não pertence a ela. É do homem que se julga imbatível, inalcançável por causa de seu órgão sexual.

A mulher não possui voz nem condições mínimas de igualdade para ser capaz de contestar. A posição é servil, de submissão, diante de um dominador que necessita satisfazer suas vontades, necessidades que desprezam a existência do humano no outro.

Além de ser vista como coisa, fator que se estende a quase todas as instituições sociais, a mulher também é classificada como vilã, símbolo que perpetua o comportamento cultural e justifica como natural a bestialidade do agressor. Muitos juízes, por exemplo, presumem o consentimento por parte da mulher, que – embora vítima – tenha que provar o contrário.

E se engana quem acredita que o machismo e a defesa da violência sexual sejam exclusividade masculina. Na semana passada, ouvi uma mulher – dentro de uma universidade - dizer que muitas vítimas pedem para ser estupradas. O pedido se traduziria nas roupas curtas e indecentes. Ela não está sozinha. Poderíamos, então, sugerir à indústria do vestuário que fabricasse camisetas com a estampa: “Por favor, me estupre. Sou uma vadia!”

A Marcha das Vadias, um movimento social internacionalizado, surgiu por conta desta reação cínica e intolerante. Uma mulher ouviu algo parecido de um policial, no Canadá, quando foi denunciar um estupro cometido contra ela.

Enquanto não entendermos os danos provocados por uma cultura essencialmente patriarcal, teremos que assinar embaixo das palavras da coordenadora nacional da Marcha Mundial das Mulheres. Segundo Nalu Faria, “o Brasil é teoricamente livre do ponto de vista da sexualidade, mas se utiliza dessa liberdade para desqualificar e culpar as mulheres.”

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Cultura do estupro


“O problema número um do Congo são os estupros. Matam mais que a cólera, a febre amarela e a malária. Cada bando, facção, grupo rebelde, inclusive o Exército, onde encontra uma mulher procedente do inimigo, a estupra. Ou melhor, a estupram. Dois, cinco, dez, quantos sejam. Aqui, o sexo nada tem a ver com prazer, só com o ódio. Todos os dias chegam neste consultório mulheres, meninas, violadas com bastões, ramos, facas, baionetas. O terror coletivo é perfeitamente explicável.” 

O depoimento, seguido de um choro, é do médico Tharcisse, nascido no Congo e integrante da organização Médicos sem Fronteiras. Ele contou esta história ao escritor peruano Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura em 2010. A conversa entre os dois consta no livro Dignidade, editado a partir de experiências da organização em todo o mundo.

Não podemos nos enganar, no entanto, que a violência sexual é um problema de lugares distantes, de culturas que – por arrogância – classificamos como exóticas para inferiorizá-las. Nem se trata somente de um problema particular como a Índia, que tem povoado o noticiário desde o início do ano, por conta de estupros coletivos. Aliás, a ressonância internacional provocou queda imediata de 25% no número de turistas.

A violência sexual é uma epidemia global, que não possui relação direta com desenvolvimento econômico ou com indicadores sociais favoráveis. Estupros podem ser ou não mascarados pelas estatísticas, mas é uma doença social que alcança a todos.

Nos Estados Unidos, uma mulher é vítima de agressão sexual a cada dois minutos. No Canadá, onde os índices de homicídios são muito baixos, os custos da violência contra a mulher alcançam US$ 2,1 bilhões. Na Suécia, uma em cada três mulheres foi alvo deste tipo de violência. Na vizinha Dinamarca, três em cada dez mulheres sofreram uma agressão sexual ao longo da vida. É o mesmo índice de Bangladesh, país pobre do sul da Ásia.

O Brasil não fica atrás na matemática da violência sexual. O número de estupros cresceu 162% entre 2009 e 2012. No ano passado, dez mulheres foram violentadas por dia no país. Quase metade das agressões aconteceu em vias públicas. Sete em cada dez estupradores conhecem suas vítimas. Muitos residem perto delas, quando não são parentes.

Um dos fatores que ajudam a perpetuar a bestialidade masculina é a impunidade. Um levantamento feito pelo Núcleo de Estudos do Gênero, da Unicamp, aponta que somente um terço dos casos se transforma em inquérito policial. Em Campinas, maior cidade do interior do São Paulo, por exemplo, somente 9% dos casos acabaram em condenação do agressor.

São Paulo, por sinal, é o Estado brasileiro campeão de violência sexual. Nos últimos quatro anos, foram cerca de 2,5 mil casos. No ranking da selvageria, São Paulo é acompanhado – pela ordem – por Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e Pernambuco.

No Rio de Janeiro, houve – oficialmente – dez casos de estupros coletivos no trajeto entre Copacabana e a Lapa este ano. A história só ganhou corpo, infelizmente, quando vítimas foram turistas estrangeiras. A delegada Marta Dominguez, titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Niterói, foi exonerada porque teria feito vistas grossas a um dos casos, no final de março.

Peço desculpas ao leitor pela grande quantidade de números. Espero que você se sinta desconcertado e convencido da dimensão do problema. Você deve ter notado que não coloquei em discussão a cidade de Santos e tampouco as causas e outros comportamentos culturais que cercam a violência sexual. Penso que o assunto é importante demais para uma única coluna. Voltarei ao tema na próxima semana.

sábado, 4 de maio de 2013

Feira de orgânicos reúne alimentos e cosméticos no Jardim Botânico de Santos


O Jardim Botânico Chico Mendes, em Santos, será sede neste domingo , dia 5, da 5º Feira de Produtos Orgânicos. O evento acontece das 9 às 14 horas, no viveiro de plantas, próximo à entrada do parque. A entrada é franca.

A feira reúne hortaliças, frutas, laticínios e produtos de mercearia, como molho de tomate, geleias, mel e granola. Outra atração são os cosméticos orgânicos, como sabonetes e shampoos.

Os produtos vêm de diferentes municípios e regiões de São Paulo, dentre eles Pedro de Toledo, São Lourenço, Eldorado e Juquitiba e alguns de outros estados. Participam mais de uma dúzia de produtores.

Além dos produtos de origem natural, o Jardim Botânico será palco de atividades culturais e educativas. Haverá apresentação musical (das 11 às 13 horas) e o Projeto Leia Santos, espaço de leitura com a presença de contador de histórias para crianças (das 9 às 14 horas).

Participantes do Programa Horta Ecológica também darão informações sobre a produção de húmus de minhoca (das 9h30 às 12 h). Os primeiros a chegar receberão amostras de húmus.

O Jardim Botânico Chico Mendes fica na rua João Fraccaroli s/nº, Bom Retiro, na Zona Noroeste. O telefone é 3209-8420.

Mercado nacional – Por conta do aumento da classe média, cresce a preocupação das empresas do setor alimentício, principalmente as redes de supermercados, em trabalhar com produtos orgânicos. Em tese, este público exige mais informações sobre a procedência e a forma de cultivo dos alimentos, como a presença de agrotóxicos.

Segundo o Ministério da Agricultura, o mercado de produtos orgânicos movimenta hoje, no Brasil, meio bilhão de reais. O crescimento é de 15% a 20% ao ano e é abastecido por cerca de 90 mil produtores. Desse total, 85% são agricultores familiares.

O Ministério também enxerga ao aumento de mercado entre restaurantes, bares e hotéis. O motivo seria a adaptação do cardápio às exigências dos consumidores.

Produção mundial – A produção de alimentos orgânicos alcança, atualmente, cerca de 100 países, numa área total de 24 milhões de hectares. São 400 mil propriedades. Quase a metade fica na Oceania. A América Latina fica com apenas 20% da área total. A América do Norte responde por 6,7%. A África, infelizmente, é responsável por apenas 1% da produção mundial.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Povo: persona non grata


Debater sobre o conteúdo dos intestinos da Câmara dos Deputados e do Senado, em Brasília, costuma ser um exercício tão previsível quanto superficial. A distância protege o eleitor, que se encosta na ausência de memória e transforma o político numa figura genérica, sem cobrar – inclusive – aquele que o enxerga como gado de um curral eleitoral. 

E quando os deslizes ou a desfaçatez ocorrem no quintal de casa, na Câmaras municipais? Na semana passada, três casas legislativas deram sinais que trabalham da forma curiosa, muitas vezes de costas para quem apertou as teclas no dia das eleições, há apenas seis meses.

Em Mongaguá, as sessões só podem ser vistas por 18 pessoas, 10% da capacidade do lugar. O limite que transforma público em testemunhas é por conta da falta de segurança do auditório da Câmara.

O auditório, interditado pela Defesa Civil, não possui saídas de emergência e sinalização de segurança. Até extintor de incêndio está em falta na Câmara. Isso sem falar no famoso auto de vistoria dos Bombeiros. O cinismo é que o local passou por reforma no ano passado, obviamente custeada com dinheiro público. A interdição vale desde fevereiro e a Câmara só enviou o projeto ao Corpo de Bombeiros em 17 de abril.

No Guarujá, três vereadores utilizaram o microfone da Câmara para defender os marajás do Legislativo local. Edilson Dias (PT), Jailton Reis dos Santos, o Sorriso (PPS) e Valdemir Batista Santana, o Val (PSB) reclamaram do fim da Gratificação por Assiduidade e Pontualidade (GAP).

O benefício premiava, com o pagamento de até duas horas extras diárias, o funcionário que cumprisse as obrigações profissionais. Ou seja: comparecer ao trabalho e ser pontual. O “presente” fez com que funcionários ganhassem até R$ 35 mil por mês. Telefonistas recebiam R$ 18 mil. Motoristas, R$ 12 mil mensais. A gratificação também era paga aos servidores em férias, com faltas abonadas ou afastados por licenças.

Diante do escândalo, o presidente da Casa, Marcelo Squassoni, revogou o benefício, mas manteve outras regalias, como abono-aniversário, no qual o funcionário folga para – quem sabe? – ter mais tempo de cantar parabéns. O vereador Edilson Reis, por exemplo, afirmou que a dignidade dos funcionários foi violada, segundo o Diário do Litoral. O caso está nas mãos do Ministério Público.

Em Santos, três vereadores da última gestão foram multados por falhas na licitação da obra da nova sede do Poder Legislativo. O Castelinho, como o prédio é conhecido, era antiga sede do Corpo de Bombeiros e foi reinaugurado no final de 2010, com custo de quase R$ 15 milhões. Os vereadores Marcus de Rosis, Marcelo Del Bosco Amaral e Fabio Nunes, que compunham a Mesa Diretora, foram multados em R$ 3874 cada um. Todos podem recorrer da decisão, assim como a Câmara Municipal.

O Tribunal de Contas do Estado enxergou problemas no edital que estabelecia a concorrência, restringindo a participação de empresas. Das 12 concorrentes, sete foram consideradas inabilitadas pelo processo. A Câmara de Santos alega que as exigências visavam assegurar a “prestação de serviços de qualidade, com segurança econômico-financeira”.

Se olharmos mais de perto para as casas legislativas, perceberemos que sempre brotam esqueletos nos armários. Temos a obrigação de apontar para a sujeira na casa do parente distante do cerrado, inclusive porque pagamos as despesas de lá. Mas é urgente deixar de fingir que o quintal daqui brilha como se a grama tomasse sol todos os dias.