quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um prêmio à criatividade




Cada vez que encontro um vereador em Santos – sim, eles andam na rua de vez em quando -, vejo com pesar seu rosto exausto, envelhecido. Ser um vereador significa horas de trabalho em comissões, de debates em reuniões, de conversas em articulações políticas, de brigas em plenário e, claro, dias de planejamento para entrega de medalhas e outras honrarias.

A melhor forma que encontrei de reconhecê-los é divulgar a criatividade de alguns deles. O ápice de um vereador é quando ele apresenta um projeto de lei. Que honra modificar os caminhos de um município com ideias que zelam pelo bem estar dos cidadãos, como também proteger a moral e os bons costumes! Uma luz de criatividade nas trevas da política!

O prêmio de funcionário do mês deveria ser entregue – falta ainda a decisão de uma comissão de notáveis – para o Professor Igor, do PSB. Ele apresentou um projeto que, tenho certeza, vai modificar a maneira como o santista vê filmes. Uma proposta que fará os colegas se morderem de inveja (como não pensei nisso antes?) e que, se aprovada, se espalhará pelo Brasil.

O vereador propôs disciplinar o comportamento das pessoas dentro das salas de cinema. A lei, na fase de comissões, determina o fim do barulho nas salas, proíbe a entrada de consumidores com celulares ligados e com “alimentos incompatíveis”. Não sabe o que são “alimentos incompatíveis”? Ora, aqueles que são semelhantes aos vendidos nas salas de exibição. Bom comportamento inclui qualidade de vida, que significa alimentação nutritiva.

O projeto é tão zeloso dentro dos princípios da criatividade que determina que os pés do espectador têm que ficar perto da poltrona. Imagina conviver com a indecência de pernas para o ar! E, como professor, o vereador não deixou de lado a educação. Se aprovado, será lei não filmar ou fotografar, como também levar as embalagens para as lixeiras antes de deixar a sala de cinema.

Os infratores serão convidados a deixar o recinto. Por quem? Calma, não dá para pensar em tudo. Ressurreição dos lanterninhas? Olha aí a geração de mais empregos.

A ideia é tão prestativa que se casa com outras propostas de colegas da casa. Poderíamos classificar até como um gesto de altruísmo parlamentar, pois valoriza a própria proposta e ainda ressuscita o que foi enterrado pelas justificativas arbitrárias de inutilidade ou ilegalidade.

Disciplinar os arruaceiros que insistem em ver filmes no cinema complementa, em parte, o projeto de lei do vereador José Lascane (PSDB), aquele que proíbe os selfies nos banheiros. Daria para fazer um combo legislativo, já que devem ser comuns selfies em banheiros de salas de cinema. Uma pena que este projeto foi reprovado na Comissão de Justiça, Redação e Legislação Participativa, da Câmara Municipal.

Há outros exemplos de criatividade entre os parlamentares de Santos. No final de 2013, a Câmara aprovou a proibição do uso de celulares em sala de aula, na rede municipal. Quem fiscaliza? O professor, sujeito que não tem muito o que fazer durante os dias letivos, a não ser dar aula.

Outro caso foi o projeto de lei, apresentado na década passada, que mudava o tratamento entre os vereadores de “Vossa Excelência” para “Senhor”. Depois de muito discutir na ocasião, os parlamentares reprovaram a ideia. Como vulgarizar a maneira de chamar a um colega? Vereadores tinham que dar o exemplo.

Por essas e outras, sempre olho com pesar – e admiração – quando vejo um vereador com olhares exaustos pelas ruas da cidade.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sete pontos (e muitas perguntas) sobre o incêndio na Alemoa


Foto: Solange Freitas - G1-Santos
O incêndio nos tanques da Ultracargo, na Alemoa, em Santos, nos possibilita – infelizmente – testemunhar certos aspectos da cidade que é vendida como exemplo de qualidade de vida. E, por conta disso, nascem diversas dúvidas, dificilmente respondidas pelos homens de terno que se reúnem, se reúnem, se reúnem, dão entrevistas, dão entrevistas e silenciam quem estava na linha de frente, pessoas preocupadas não só em apagar o fogo, mas também informar sobre os riscos e os impactos do segundo incêndio do gênero no mundo. 

Eis algumas breves constatações e dúvidas:

1) Logística - O incêndio na Alemoa expõe, novamente, a precariedade da infraestrutura logística de Santos. O porto opera sempre no limite e isso fica claro quando acontece um incidente mais grave. Não aprendemos com 2013, quando houve congestionamento de caminhões. Pouco se fez. Prosseguimos dependentes das vias rodoviárias. Investe-se aquém do necessário em sistema ferroviário e, quando se fala no assunto, é a distorção do tema.

2) Caminhões – os caminhoneiros, como bucha de canhão, sofrem com a desatenção e desorganização das autoridades. Medidas paliativas foram tomadas pela Codesp, a partir de conversas com a Prefeitura de Santos. Por que não se criou um protocolo para situações como essa? Por que não se elaborou um documento que permitiria, passo a passo, executar ações para minimizar o prejuízo econômico e, acima de tudo, humano? Por que se esperou acontecer o problema, sabendo-se dos riscos e das experiências anteriores? Isso sem falar nos caminhoneiros, há dias tomando banho em restaurantes, comendo de maneira improvisada, entre outras dificuldades cotidianas.

3) Política - Os políticos agiram como se esperava deles: a) necessidade de aparecer e lentidão para agir, além das disputas internas de comando; b) criação de comitês e outros penduricalhos burocráticos para resolver um problema com atraso. Aliás, por que comitês de segurança e prevenção não existiam? c) a adoção de estratégias midiáticas, como a contratação de especialistas americanos, para dar a sensação – depois de uma semana – que se têm consciência do que deve ser feito. Uma semana? 

O ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi
(centro da foto - Imagem: Mariane Rossi/G1)
4) Social - Os prejuízos econômicos e ambientais são falados de vento em popa. Precisam ser discutidos, mas e o prejuízo social? Trabalhadores e moradores da região, o que será feito em relação a essas pessoas? Não é o momento para se aprender e se pensar – num futuro próximo - em simulação de acidentes, treinamento dos moradores dos bairros próximos para evacuação? Além disso, planejamento urbano nas imediações de locais com alto risco de acidentes é relevante, não? Um adendo: como ficará a saúde dos cerca de 100 bombeiros, expostos há dias a produtos químicos no combate ao incêndio?

5) Satisfação - Quando os dirigentes da Ultracargo vão mostrar seus rostos e cumprir sua obrigação de explicar - PUBLICAMENTE - o que aconteceu e como a empresa lidará com suas responsabilidades?

6) Informação - Prevalece a guerra de informação. Bombeiros silenciados por engravatados. Boatos e informações desencontradas, plantadas muitas vezes por quem deveria esclarecê-las. Menos preocupação com marketing político-eleitoral, por favor. Qual é a diferença entre Comitê de Crise e Gabinete de Integração, se ambos significam palavrório como “tudo sob controle”?

7) Meio Ambiente - Houve vítimas fatais sim. Sete toneladas de peixes. Como ficam os pescadores artesanais? Alguém se lembrará deles e a limitação de sua subsistência? Haverá impacto sobre o consumo de pescado em alguma área da Baixada Santista? Quais são as recomendações para o consumidor, embora boa parte dos peixes consumidos venha de outras regiões do país? Mas o consumidor sabe disso?

Para onde foram os peixes recolhidos pela empresa contratada pela Ultracargo? Cetesb e Ibama vão continuar com o discurso de "tudo sob controle", em coro com muitos políticos? Por que as duas instituições não tomaram atitudes mais rigorosas diante do impacto ambiental?

Mais perguntas do que respostas. A prova viva da desinformação disseminada e da preocupação em se proteger politicamente do que, na prática, esclarecer a dimensão do problema. Falta, acima de tudo, transparência.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O selfie-desgraça


(Foto: Reprodução)


Vaidade e poder andam de mãos dadas. E só largam as mãos para apertar outras, de políticos, bajuladores e demais espécies que os cercam e se deleitam na soberba. Mãos que por vezes deixam de cumprimentar para registrar, fotografar, gravar o desejo de estar presente nos acontecimentos, não exatamente para resolvê-los ou testemunhá-los, mas para dizer que se mostrou serviço. Selfies e outros badulaques a serem vistos pelos cegos de plantão. 

O selfie do deputado federal Beto Mansur e do prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, não mereceria tanto destaque se não representasse a cereja de um bolo que nasceu tostado. Foi mais uma faísca de vaidade que me fez lembrar do ator Al Pacino, que disse com sabedoria ao interpretar o Diabo: “A vaidade é, definitivamente, meu pecado preferido.”

A imagem deles simboliza a cadeia de comportamentos da classe política diante de um problema que poderia ter sido amenizado ou evitado. Um problema tão antigo quanto à reportagem do jornalista André Argolo, publicada no extinto Diário Popular, em 1996. A matéria apontava os riscos de incêndio nos tanques da Alemoa, a inexistência de exercícios de simulação de acidentes com os moradores das imediações e a consequente ignorância sobre como agir em caso de incidentes.

O selfie seria irrelevante, um deslize narcísico na selva virtual, se não viesse acompanhado de um pacote de medidas pouco esclarecedoras e de uma trupe disposta a alimentar a fogueira de vaidades. A Prefeitura de Santos se mexeu com rapidez ao pedir ajuda. Já o Governo do Estado levou três dias para sair da inércia. O Governo Federal só se moveu cinco dias depois. Prejuízos ambientais, econômicos e de saúde pública compuseram o picadeiro de estripulias políticas. 


Toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro
(Foto: Rafaella Martinez)


Daí, nasceram as repetitivas e inodoras coletivas de imprensa. Daí, brotou o Comitê de Crise, depois chamado de Gabinete de Integração. Crise, que palavra temível. Neste caso, a ordem dos fatores não alterou o produto; apenas multiplicou as labaredas que chamuscaram a imagem política. Imagem de uma cidade, aliás, vendida no mês passado pela administração municipal como liderança em qualidade de vida no Brasil. Tossimos de alegria. Nossos olhos lacrimejaram de contentamento e de luto às sete toneladas de peixes mortos. Jornalistas e ambientalistas falam em 20 toneladas. 

Beto Mansur dá a impressão de que a experiência como proprietário de emissoras de TV e rádio não o ensinou a lidar com as novas tecnologias. Em 2012, o então candidato a prefeito virou hit nas redes sociais por conta do slogan “É obra do Beto”. Foi a piada pronta. Mansur apareceu em frente à Torre Eiffel, entre outros endereços. Desta vez, uma das montagens inseriu Beto Mansur e Paulo Alexandre em frente às torres gêmeas, no instante do ataque aéreo, em 2001. 


(Foto: Reprodução)
O prefeito atual também precisa reduzir as dosagens diárias de vaidade. Há exemplos de mal-estar. Em fevereiro de 2013, Paulo Alexandre andou de ônibus a partir da Zona Noroeste, passeio registrado por câmeras de todas as ordens, para constatar o óbvio: o serviço de transporte público apresenta pilhas de problemas.

No incêndio que nunca termina, o coquetel de arroz de festa se completou com outra ação infeliz, a do vereador Kenny Mendes. O parlamentar registrou em vídeo, editado profissionalmente e, portanto, premeditado, os momentos em que comprou dezenas de garrafas de isotônicos e água e levou os produtos para os bombeiros que trabalhavam no incêndio.

Seria possível, com boa vontade, acreditar nas intenções do vereador em colaborar com a corporação. No entanto, quaisquer crenças foram incineradas com o episódio-reality-show, que se tornou um tiro no pé, tamanha a quantidade de críticas ao político nas redes sociais. Demagogo foi a ofensa mais delicada.

Kenny não foi o primeiro nem é o único vereador em Santos a registrar os próprios passos no cotidiano parlamentar. Alguns dos colegas dele parecem até xerifes quando andam pela cidade de dedo em riste e câmera na mão. Só falta a cartucheira.

Hoje, a religião-vaidade determina como exercício de fé documentar cada passo, sorrir a cada flash que pisca, abraçar quem se aproxima com um celular engatilhado para fotografar. Não é um mal exclusivo, claro, é sinal de “modernidade” tecnológica dos políticos.

Talvez a saída seja fazer como eles fazem. Na dúvida, criam-se leis, sejam para pegar ou não. Diante dos acontecimentos recentes, basta aproveitar o projeto de lei do colega José Lascane, aquele que proíbe selfie em banheiros, e estender para incêndios. Mas quem fiscalizaria quem?

Em tempo: o título deste texto é sugestão do jornalista e amigo Fulvio Feola, um dos mais críticos e atentos profissionais da Baixada Santista.