O terreno pantanoso da corrida eleitoral |
Soube por uma rede social - a irmã caçula da família construtora de imagens - de sua pré-candidatura à vereadora na cidade onde moro. Confesso que assim, logo ao acordar, não fiquei contente com a notícia. Assim que a recebi, tive medo. Não por mim, mas pelas marcas que uma campanha eleitoral pode causar a alguém com certo idealismo na veia.
Você é uma pessoa acostumada a lidar com políticos de todas as espécies, mas entrar no pântano e remexer no lodo com eles significa outra forma de sobrevivência. É território distinto, com armas novas e, aposto que você não tem diploma presencial ou de curso à distância para operá-las. No pântano, os crocodilos não atiram. Eles mastigam e afogam ao mesmo tempo.
Quando te perguntei sobre o partido, confesso também que esperava uma sigla mais progressista. E torci o nariz ao ler sua mensagem sobre a casa escolhida como pousada (espero!) temporária. Depois, a razão me lembrou que partidos são como times de futebol para os jogadores atuais. Ritos de passagem, contratos pseudofictícios, numa troca justa, profissional, sem sentimentos mais profundos. Quem sofre é o torcedor, perdão, eleitor.
Você me disse, com convicção, que o partido te deixará ser quem é, sem amarras. Ele precisa mais de você do que o contrário, o que torna a promessa passível de execução. Estar na coligação mais forte reforça o clichê da faca de dois gumes: enquanto melhora as chances eleitorais, aquece o gatilho do fogo amigo.
A eleição é uma guerra e, nela, matam-se e constroem-se reputações. Para prefeito, a guerra nasce glaumorizada por câmeras, holofotes e maquiagens. É a Segunda Guerra Mundial, na versão hollywood, com vítimas de todas as idades, redenções, episódios de superação e, para alguns, a megalomania de conquistar o mundo como representante do bem, por motivos messiânicos e paranoicos de exterminar o mal a nossos pés, chamados de outros candidatos. O pacote do estelionato.
Se a eleição para prefeito opera no atacado, seu caminho eleitoral é o varejo. É a Primeira Guerra Mundial, a batalha nas trincheiras, o golpe de baioneta corpo a corpo, os conflitos que envolvem doenças, fome, frio e isolamento humano. É a trilha percorrida atrás das migalhas como bússola, sem referências como pesquisa eleitoral, na dependência de coligações, alianças e matemática pós-votação.
Sua campanha não nadará em rios de dinheiro. Você não tem a máquina parlamentar do seu lado. Não carrega alianças de longa data. Não vem de dinastia política. Os caciques não te idolatram, te toleram.
A lista de nãos poderia te fazer desistir e, não posso mentir, reduzem suas chances, mas defendo a ideia - de fora, uso minha posição privilegiada - de que vencer importa menos. A travessia tem que ser divertida, pois a outra margem sofre de neblina contínua.
Você faz política há mais de 25 anos. Faz porque crê nela como essência de seu trabalho artístico e social. E faz por uma questão de sobrevivência profissional e financeira. Só que nenhuma destas três características vai te expor tanto como os 45 dias de campanha. Nesta etapa, vão te difamar, dilacerar seu passado, multiplicar os boatos, pisar no chão recém pavimentado por ti, além de mentir, mentir e mentir.
Se você deseja mudar (prefiro cutucar, me soa mais sensato) o estado de coisas, é preciso sacudir os métodos como primeiro passo. Confio em você neste aspecto. Sua solidez cultural e humana te permitem transitar com transparência e agradar uma parcela de pessoas que anseiam por um pouco de conversa inteligente.
Se as campanhas robustas para prefeito possibilitam a construção de uma imagem plástica com cheiro de corredor de hospital, a disputa para vereador vai parir o provincianismo, a mediocridade, a mesquinharia e a pequenez de muitos candidatos, principalmente aqueles que colocam como lema "me arranjar" na porta de casa.
Não caia na tentação de saltitar além dos limites do cargo. Esclareça, acenda a luz e deixe claro o que um vereador pode fazer. Não escorregue em temas genéricos que se parecem com entidades espirituais ou pinturas abstratas, como emprego, saúde, segurança, educação e transporte. 90% os adotam por má fé ou por desconhecimento. Ou os dois.
Você perderá a massa, mas ganhará no miúdo. E campanha para vereador é nicho, é tribo, é fatia da pirâmide.
Corra da retórica dos milagres. Vereador não é benzedeira ou vidente que traz o marido em três dias. Você conhece como poucos essa cidade e, principalmente, a gente marginalizada por ela.
Santos: uma cidade e suas promessas de milagre |
Vivemos, como outras localidades, na cidade do quase. Quase um hospital equipado. Quase um VLT com destino definido. Quase pré-sal. Quase turismo de negócios. Tantos rótulos camuflados atrás da especulação imobiliária, dos salários achatados, do desemprego crescente, dos mais de mil moradores de rua e da comida mais cara do Estado.
Não há como você consertar a cidade. Tente amenizar, como já o faz, as dores e angústias de uma turma específica. Apresente uma pauta direcionada, sintética, coerente com sua biografia e de seus parceiros. Agradeço, aqui, pela chance de te dizer que, diante um tiro só com uma espingardinha de chumbo comprada em brechó, você não pode se distrair com o palavrório de quem vai brotar na antevéspera para te dar tapas nas costas, beijos e abraços.
A campanha vai te deixar doente. Você chorará pelos cantos. Pensará em desistir. Praguejará diante das ameaças veladas, das piadas de corredor, das juras de amor eterno de quem te diminuirá em público, em frente aos seus pares. Nada que você não esteja acostumada.
Portanto, é redundante dizer que você resistirá, mandará alguns para lugares desagradáveis, ironizará a estupidez dos que não te conhecem. Esses nunca quiseram ouvir você ou aqueles que te cercam, que até apoiam na labuta operária da arte. Fale com quem se sente ouvinte e cúmplice da retórica que se reflete no palco, na coxia, no café, nas aulas, no artesanato que purifica mentes vistas como atormentadas.
Ontem à tarde, eu, Beth e meus filhos, Mari e Vini, caminhávamos de volta para casa. Cruzamos com um pré-candidato à prefeito. Mari o reconheceu e me perguntou sobre ele. Não gastamos mais do que dois minutos no assunto (ou uma quadra de passos descompromissados).
A conversa foi didática sobre as contradições dele entre o discurso e a prática. Mari estava, com razão, mais interessada em aprender certos conceitos do que conhecer mais sobre o sujeito, de fato irrelevante como político e atrelado a um partido caça-níqueis.
Jamais te compararia a ele, mas aproveito a historinha para te fazer um pedido. Nunca deixe que a política te transforme em meros dois minutos da agenda cotidiana de alguém. A má notícia: na política partidária, a maioria cai, e de joelhos. Como sempre há uma minoria ...
Eu e minha mulher, Beth, conversamos sobre sua ideia de concorrer à vereadora. Estamos ainda meio atordoados com os riscos e com as consequências, mas entendemos que você tem ciência da maioria deles, inclusive porque muitos fatores pertencem ao imponderável das campanhas eleitorais.
De qualquer modo, você me representa. Beth, também.
Sim, Marcus, é uma guerra, seja a primeira ou a segunda... Temos que nos cumprir, para isto viemos e aqui estamos. O lodo, cotidiano político que nos traga, alia-se aos jacarés... a bocarra nos amedronta e podemos morrer, ser mutilados ou reagir. Nem promessas nem passagem ao largo, apenas a crença de é preciso mudar o que está posto como indiscutível e nos enfiam goela abaixo... Claudia Alonso é pré-candidata, mas antes disso é minha filha, sobrinha de tia militante e de tio espanhol perseguido no interior de SP por suas opiniões contrárias à política vigente... nesta época, era eu menina, Claudia nem havia nascido, mas... quem aos seus parece, não degenera, diz o ditado!... acredito em você, Claudia Alonso, pelos seus antepassados e pelo que você faz todo dia! Você tem história, não pra contar, mas pra mostrar com seu fazer no dia a dia desta Santos. Em frente, querida! É hora de cumprir-se para que a cidade também cumpra seu destino de FELI(z)CIDADE!Parabéns pela lucidez do texto, Marcus Vinicius Batista! Abs
ResponderExcluirEu gostei tanto do texto que voltei pra reler. Incrível! Sensato! Cheio de verdades. E o maravilhoso é que embora tenha sido um texto direcionado, pode servir pra qualquer candidato.
ResponderExcluirObrigado, Markos, pela generosidade. Fico contente que tenha lido e relido. Um forte abraço!
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