sábado, 9 de julho de 2016

Antônio, o Ingênuo



Marcus Vinicius Batista

A cada dois anos, sinto que o sobrenome do meu amigo Antônio foi feito para ele. Antônio carrega um adjetivo e uma crença, não um sobrenome. Na rotina profissional, como vendedor de carros, ele parece a contradição em sua identidade nominal. Mas quando as eleições se aproximam ...

Depois de um mês, reencontrei Antônio Ingênuo. Ele mora na minha rua, a duas quadras de casa. Sempre sorridente e aberto a um bom papo, Antônio é tão simpático que – ele que me perdoe – cai em qualquer conversa em ano de eleição. Logo ele que, certa vez, me disse que era capaz de vender qualquer carro com o máximo de lucratividade. Eu vi, na estante da sala dele, dez troféus de vendedor do mês na concessionária onde trabalha.

Quando nos encontramos, ele estava animado. “Acabei de voltar de uma reunião”, começou a me contar logo depois do tudo bem. Ele participou de um encontro com um pré-candidato a vereador.

Sujeito de primeira viagem, mas com cargo importante na Prefeitura, o pré-candidato assegurou que desejava compartilhar ideias com formadores de opinião. “Mas nada de promessa, queria dividir conosco sua visão da cidade do futuro. Não pediu votos”. Só respondi com hum... (o primeiro, na verdade).

Antônio, em tom professoral, me chamou a atenção porque retruquei que, oficialmente, a campanha deveria começar em 35 dias. “É claro que sim, foi só uma conversa. Você é desconfiado!”

Antônio garantiu que era amigo do pré-candidato. Nunca haviam se encontrado até 2016, mas ele o acompanhava nas redes sociais. Vídeos, fotos de família, selfies com amigos, pessoas importantes e gente comum. “Ele nunca se recusa a tirar fotos na rua. Admiro a disponibilidade dele.” Meu segundo hum...

No sábado seguinte, voltei a encontrar Antônio Ingênuo. Ele voltava da feira, e eu seguia no sentido contrário, na esperança de comprar feijão e ovos, desta vez à vista, sem precisar parcelamento no cartão. Antônio não me cumprimentou. Partiu para o relato:

“Cara, acabei de ver fulano. Ele estava cercado por quatro pessoas, que o abraçavam e tiravam fotos. Pegou uma criança no colo e fez questão de pagar o pastel de uma senhora. Ainda bem que ele é pré-candidato. Muita gente o admira.” Balancei a cabeça e comentei: “hum...”

Antônio Ingênuo – tenho certeza – apostou que eu concordava. E continuou com a história. Era a segunda vez essa semana que encontrava o pré-candidato. “Muita sorte ou coincidência que fortalece uma amizade?” Só respondi: “Olha, hum....pode ser.”

Ele encontrara o sujeito num restaurante popular na mesma semana. Teve que almoçar por lá por causa do tempo curto entre duas vendas que fechou naquele dia. O pré-candidato traçava aquele prato de pedreiro, palavras do Antônio, cheio de arroz, feijão, salada e a mistura. “Ele não tem frescura, não faz cerimônia com nada.”

Antônio Ingênuo diz que vota com convicção. Lê o noticiário, acompanha as polêmicas nas redes sociais, dá uma bisbilhotada no horário eleitoral gratuito e nunca vota nulo ou branco. Jamais se absteve. Ele me diz, com uma convicção de assustar qualquer político sob delação, que o voto é sua arma contra os corruptos.

Esse ano, quase brigamos porque disse que não tinha batido panelas ou protestado na Praça da Independência. “Ah, foi lá que encontrei o pré-candidato pela primeira vez. Um cara de liderança, com camisa da seleção e bandeira do Brasil. Patriota na veia, cara.”

Eu me arrisquei a perguntar: “Mas ele não é de um partido de oposição?” O olhar de Antônio Ingênuo era mais inquisidor do que a cobrança contra um colega que perde cliente. “Isso importa? Ele é cidadão. Saiu de casa no domingo. Duvido que tivesse interesses.”

Tenho como princípio não perder amigos por causa de política. Fiquei em silêncio, acenei a cabeça e murmurei: “hum...”

Temos um pacto silencioso de amizade. Ele nunca me ofereceu um carro. Sabe que sou contra a ideia de ter um. Como contrapartida, eu jamais ofereci a ele uma alternativa política. Sei que ele é contra a ideia de ter uma.

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