sábado, 1 de outubro de 2016

O político-sabonete



Marcus Vinicius Batista

Ele usa calça cáqui, com a camisa para dentro, nas cores azul ou verde. O cabelo está sempre penteado. As mangas da camisa dobradas de forma simétrica, para dar a impressão de ordem, de organização e equilíbrio em se vestir. Ou seria uma construção artificial?

Ele não sua, mesmo que o sol nos lembre o interior da Somália. Calma ou insensibilidade? O sorriso está sempre presente, ainda que se questione seu trabalho. Preparo para as críticas ou falsidade? A disposição é a demonstração de juventude, que atrai a maturidade de uma retórica equilibrada, cheias de conexões informativas. Ou se está diante de alguém sedento por poder?

Ela se cerca de rosa para negar o passado de terceiros. Ou traz a leveza do novo? O cabelo encaracolado passa por desconfianças de quem sugere uma tintura e, para as mais radicais, grita o alisamento amplo, geral e irrestrito. Ou seria um símbolo da diversidade que compõe a sociedade brasileira?

A voz deveria visitar uma fonoaudióloga, que teria a missão de acabar de uma vez por todas com a infância tardia. Ou a voz representa a autenticidade e o vigor da renovação? A juventude, em vez de denotar simpatia, exala inexperiência. Ou estamos falando de quem chegou para oxigenar velhas práticas?

A fala errada não seria boa propaganda para jovens, mas o crime de lesa-idioma, capaz de ruir com toda a imagem. Ou seria respeito pela linguagem real, das ruas, dos estudantes, da cultura popular?

A partir do momento que o marketing político passou a ditar as regras das campanhas eleitorais, a disputa se confirmou como um jogo de aparências. Os parágrafos acima, é claro, exageram na polaridade de opiniões, mas também reproduzem os argumentos utilizados por muitos eleitores, em Santos. Depende de quem vê!

É evidente que não se recomenda a nenhum político que se fale a verdade todo o tempo. Até porque ninguém faz isso na vida cotidiana, além de ser utópico e - por contradição - uma mentira. Acreditar nisso é padecer de ingenuidade a ponto de confundir as intenções de qualquer discurso com prova de caráter. É a crença numa mensagem que só nos fornece os benefícios; jamais os ônus de uma escolha.

Fazer política significa, em muitos momentos, falar o que se quer ouvir, inclusive como forma de atender os desejos coletivos. Quando a política vira peça publicitária, o discurso se transforma em eco de pesquisas, a ponto de soar como oco diante da inviabilidade das promessas.

Se o político ganha uma embalagem ao longo da campanha e se parece com um sabonete, em cheiro, aroma e textura, é porque há - na outra ponta - um eleitor que valoriza e compra a forma. E utiliza elementos da carcaça fofinha como essenciais para a escolha de um candidato. Beleza se confunde com competência. Vestimentas se misturam com consciência política. Estética é a ideologia do presente. 



A série House of Cards, produzida pelo Netflix, é uma aula sobre política e poder. Muitas das situações são perceptíveis como práticas usuais na mentalidade brasileira. A personagem Claire Underwood tinge os cabelos de loira porque o eleitorado feminino a vê como um exemplo de sucesso e beleza, visão que não prevalece quando ela está morena. Entre os homens, a resposta também é positiva; neste caso, a perspectiva da mulher como objeto sexual, como parceira ideal para um comandante competente.

A valorização da aparência, tanto dos políticos como do eleitorado, funciona também como máscara para encobrir os preconceitos de ambos os lados. É bobagem acreditar ou apostar que o eleitorado vota, exclusivamente, por causas coletivas e nobres.

Os critérios são múltiplos e o ato ou não de votar pode ser sustentado pela ignorância (desconhecimento) ou pela intolerância. Motivações pequenas, medíocres ou mesquinhas entram como dados no tabuleiro. O candidato pode representar o para-raios, a projeção do que o eleitor mais detesta em si mesmo, quase como um alvo abstrato. É um instrumento do que o eleitor precisa para si próprio, família e amigos.

Por outro lado, o marketing eleitoral trata - muitas vezes - o eleitor como um sujeito infantilizado, e joga suas cartas na limitação de informações, na preguiça em confrontar dados, em se aprofundar em políticas públicas, estatísticas, projetos e programas.

Ser vago, superficial ou genérico transfere para o candidato o peso da aparência, que pode ser diluído em ingredientes como carisma, beleza ou simpatia. O bom administrador pode ser entendido como tal somente se tiver o dom da oratória.

O eleitor e o político, ainda que critiquem um ao outro, constroem um relacionamento simbiótico, de dinâmica bem particular. Os dois conseguem localizar o argumento que precisam para justificar seu voto ou sua campanha. É só procurar. A interpretação é construída de acordo com a ocasião.

Uma candidata pode ganhar votos por ser feia. Ou não. Um candidato pode atrair simpatizantes por ser magro. Ou não. Um político recebe apoio por ser velho. Ou pode ser visto como ultrapassado, digno de aposentadoria.

Esqueça a fantasia de que, numa eleição, todos estão preocupados com o futuro da cidade ou do país. No jogo de aparências, o espelho é o que separa quem vota ou quem se candidata da urna eletrônica.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 29 de setembro de 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário