quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A praça é nossa!

A quem pertence a praça pública? Qual é o papel dela?

Marcus Vinicius Batista

A fórmula para a desorientação era simples. Quase quatro mil pessoas ocuparam a praça dos Andradas, no último final de semana, no Centro de Santos. A praça, cercada por grades até recentemente, ganhou vida. Muito mais vida do que ser o local de passagem para a Rodoviária.

O colorido humano desnorteou a Guarda Municipal, instituição que existe para proteger patrimônio, e não pessoas. Como proteger o patrimônio, que também pertence às pessoas, delas mesmas? De quem é a praça, num evento que se chama "A praça é nossa"?

Sobraram ordens, contraordens, notas oficiais, silêncios e reuniões para saber o que fazer com as pessoas que resolvem se divertir nas praças. No mês passado, centenas de jovens circulavam e se espremiam na praça das Bandeiras, no Gonzaga, por causa da febre da caça aos Pokemons. A cultura japonesa deixaria jovens mais calmos, sem a necessidade de intervenção?

Por trás das ações dos coletivos ou da paralisia do Poder Público, nascem as questões: qual é o papel das praças? Para que elas servem?

As praças perderam seu papel original, lá da Grécia Antiga. Nas praças, a Filosofia começou a sair do útero do pensamento humano. Nelas, emergiram debatedores que foram eternizados, como Sócrates e Platão. As praças, na Antiguidade, eram locais públicos, de nascimento e de vida, onde pessoas trocavam visões de mundo, colocavam no chão ou nos céus as ações coletivas e faziam política.

A modernidade quase assassinou a praça. Transformou-a em caminho, em ponte de passagem para o outro lado da via pública. As praças são lembradas, de vez em quando. A da Independência, por exemplo, em comemorações de campeonatos do Santos ou em manifestações políticas recentes. Manifestações que devem estar, por sinal, no mesmo armário onde as panelas hibernam em silêncio.

Os coletivos culturais lutam para ressuscitar o papel da praça. Mais do que um lugar de encontros pontuais, as praças têm que ser tomadas com mais frequência, para todos os gostos, cantos e olhares. E o Poder Público que aprenda a conviver com a novidade e prepare seus funcionários para lidar com o novo (ou a volta do velho).

A ocupação da praça dos Andradas chega a ser uma dose irônica de colírio, numa cidade onde muitos veem e idolatram o que é, para eles, o melhor lugar para se reunir num sábado à noite: a Praça de Alimentação. Esta não pertence às pessoas, e sim ao shopping center.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 19 de outubro de 2016.

Nenhum comentário:

Postar um comentário