Marcus Vinicius Batista
Passei 33 dos meus 42 anos de vida dentro de uma sala de aula. A maior parte do tempo como aluno. 14 anos como professor. Os últimos três, nos dois lados do balcão, dentro da mesma universidade. Voltei à graduação e convivo com colegas com metade da minha idade ou menos. Duas vezes por semana, desço um lance de escadas para trocar de papel. Do Jornalismo à Psicologia. O aprendizado se funde em ambos os papéis.
Conheço, infelizmente, uma escola em seus intestinos. Conheço, com alegria, uma escola em sua alma. Por suas almas que passam pelas roletas todos os dias. O tempo, as leituras, as relações humanas, as vivências e o peso da idade derrubaram todas as ilusões. Ilusões diferem de sonhos e desejos. Ilusões se aproximam de fantasias, de delírios e alucinações.
Desconfio de datas comemorativas. Elas nos trazem o reconhecimento do instante, mas também nos entregam as convenções sociais. O resto do ano é o único termômetro para medirmos em qual dos dois endereços moram os cumprimentos. Eu agradeço a todos no Dia dos Professores, por exemplo. O nível do meu entusiasmo indica, nas entrelinhas, se estamos falando a mesma língua.
Como professor, não sou herói. Sou humano e falível, inclusive com pilhas de contas a pagar. Posso ser generoso e grosseiro, simpático e arrogante, transparente para ajudar, cristalino para reagir conforme o tom da música. Isso tudo na mesma aula, assim como quem se senta para me ouvir e para dialogar comigo.
Ser professor é um ofício. Um trabalho profissional. Não sou colaborador ou voluntário. Posso e costumo sê-lo com muitos alunos, fora dos horários, fora das instituições, no auxílio diante de um problema pessoal ou acadêmico. Mas defendo que é preciso respeitar para que a recíproca seja verdadeira.
Meu trabalho não é missão. É de formação de pessoas, que precisam se sentir motivadas e disponíveis para o aprendizado. Tampouco sou sacerdote. Não sou messias de uma religião chamada conhecimento. Sou um operário que trabalha duro e tenta assumir as responsabilidades, quando falha, atrasa, se ausenta ou não atende às expectativas.
Sou também aluno. Nunca fui brilhante, sempre acreditei na dedicação e no esforço e caminhei adiante com estas duas bandeiras debaixo do braço. Acima de tudo, enxergo - por coerência comigo mesmo, inclusive - o professor como humano.
Se estou cansado, não vou à aula. Minha distração o desrespeita. Se não concordo com o professor ou o considero negligente, não o exponho. Uso meu limite de faltas. Prefiro não entregar um trabalho ou fazer uma prova sem me preparar. Não o ofenderei com bobagens. Se houver outra oportunidade, ótimo. Caso contrário, paciência. Sei o que são pilhas de papéis para ler.
Meu vício é o conhecimento. Leio, vejo e ouço. Dispenso a paranoia das notas, a obsessão pela chamada. Acredito na liberdade de escolha.
Minha mãe me dizia que nunca me via estudando. Nunca me via diante de uma mesa a decorar, a injetar nomes, datas e informações no cérebro. Entulhos a serem esquecidos assim que uma avaliação descansa na mesa do professor. E facilmente localizáveis pelo Tio Google.
Minha mãe se enganou. Estudo o tempo todo. Aprendo com fome e sede. Fome de livros. Sede em conversar com pessoas. Ouvir, assistir, absorver e, como farol, entender!
A escola, para o professor e o aluno que moram em mim, não fica nos prédios. Está, o tempo todo, nas pessoas que ressuscitam todos os dias o concreto, as vigas de ferro e, eventualmente, o giz que risca uma lousa. Ou o clique do mouse que sacode um projetor em tela branca.
Sem as vidas humanas, a escola é só um prédio escuro na paisagem que poucos, de fato, admiram.
Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 15 de outubro de 2016.
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