segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
Pela porta dos fundos
Costumo cometer um erro: crer que os políticos podem ser incoerentes. É como se, em idealização, acreditasse que a classe política pudesse dar mais do que realmente está habituada a conceder.
O prefeito de São Vicente, Tércio Garcia, reforçou este raciocínio inicial. Discreto, de poucas palavras, quase silencioso, Tércio se viu obrigado a tagarelar neste final de mandato. Logo ele, que se encaixou sempre no perfil do técnico-administrador. Mas isso não o faz um sujeito que rejeitou a lógica. Foi uma ação esporádica, de quem se sente acuado.
A política, no caso dele, caminha nas sombras, sem apelo midiático, de se descobrir o que foi feito quase sempre depois que já está resolvido. Coerente, o prefeito de São Vicente terminou sua gestão sem holofotes. Pior: deixou o cargo pela porta dos fundos. E a cidade, de bolsos vazios.
Os funcionários públicos estão com salários e outros benefícios atrasados. Vários serviços essenciais, principalmente na área da saúde, podem entrar em colapso, logo na temporada de verão, quando o município entope de turistas. Os problemas financeiros, como queda de receita e atraso no pagamento de impostos, soam como desculpa esfarrapada porque, acima de tudo, costumam ser previstos pelos administradores.
Por trás do discurso vitimizado, Tércio Garcia responsabiliza a população pela negligência de seus assessores financeiros. Se fala em calote, está embutido em sua retórica a falta de compromisso de parte dos moradores da cidade.
Por outro lado, parte da receita do IPTU – em cota única – já estaria comprometida, segundo a nova administração. Servidores de várias áreas ameaçam entrar em greve; no caso da saúde, seria outra paralisação, pelo mesmo motivo: a torneira financeira secou!
Tércio Garcia e seus burocratas administrativo-financeiros foram coerentes como políticos que não farão sucessores; ou melhor, sucessores que juram ser de oposição. Desde que o barco começou a fazer água, o capitão pareceu largar o leme. A fase de transição, mais uma vez, se transformou em teatro de marionetes, que balança para todos os lados sem se fixar em lugar algum. Um finge que passará as informações, o outro finge que sabe do que passa. Na prática, o futuro prefeito se prepara para encarar uma terra arrasada?
Agora, em condição de náufrago, o comandante contrariou uma das máximas da navegação: não foi o último a abandonar o navio. E nada de se agarrar em tábuas de salvação em alto-mar. O porto seguro já estava definido.
Enquanto o novo prefeito fazia a primeira foto oficial para apresentar o secretariado, Tércio Garcia também tirava retrato, mas como o novo secretário de Administração de Limeira, cidade no interior de São Paulo. No mínimo, um ato de ingenuidade política, carniça para os abutres da política local, mas também passível de análise ética.
O final de gestão do atual prefeito é caso de Ministério Público. Qual promotor vai averiguar o que acontece na cidade? E a Lei de Responsabilidade Fiscal? Esperar investigação por parte da Câmara Municipal significa sonhar com o Papai Noel e suas renas em final de ano. O Poder Legislativo sempre abaixou, nos últimos anos, a cabeça para a Prefeitura, em um exemplo de antidemocracia, com a ausência de vereadores de oposição.
A saída à francesa do prefeito vicentino é também um crime moral. Tércio Garcia se defendeu como um administrador marcado pelo compromisso social. Como justificar, então, a derrota de Caio França na Área Continental, a região mais pobre do município?
São Vicente parece que nasceu para ser violentada por dinastias e limpezas políticas. Vários prefeitos, na biografia da primeira vila, largaram a cidade às traças, quando não apagaram ou distorceram registros históricos importantes. Na política, a última impressão é a que fica. No caso de Tércio Garcia, não é preciso pensar estritamente em dinheiro.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Cárcere privado
Fui deixar um amigo em um destes prédios novos, nas imediações do ferry-boat, na Ponta da Praia, em Santos. Era daquelas torres – autodenominação da construtora – que prometiam, no material publicitário, vista para o mar. O canal do estuário tem água salgada, mas me parece um pouco distante da paradisíaca vista marítima, que – por amor à terra – acreditamos ter.
O edifício era uma fortaleza. Para alcançar o elevador, três portões e a identificação junto a dois funcionários. Imaginei que, em instantes, pediriam carteira de identidade, CIC e comprovante de residência. O nome das torres misturava idiomas, mezzo francês, mezzo inglês. Enrolar a língua para falar onde mora eleva o status. Não estou acostumado com tanto glamour. Meu prédio tem o mesmo nome do bairro, Embaré. É fácil de guardar e homenageia a origem indígena, apesar de desconfiar que o critério para escolha do nome não tenha ligação com o Brasil colonial.
O apartamento segue a tendência: possui limite de capacidade humana, como os elevadores. De tão pequeno, o apertamento lota com meia dúzia de testemunhas. Mas o dono garante que a piscina e a pista de skate foram atrações que pesaram na compra. A piscina permanece como sonho de consumo. Por enquanto, só água quente de chuveiro. E o filho, este não é fã de esportes radicais.
A sensação, diante das chamadas torres e seus parques com nomes em inglês afrancesado, é de que estou em uma mini Alphaville. As mudanças urbanas, sem o planejamento adequado para questões ambientais, tentam forçar um modo de vida ainda incompatível com a cultura litorânea.
Fingimos ser paulistanos naquilo que eles têm de pior. Compramos a vida em bolhas de concreto e ferro. A cidade enfrenta problemas semelhantes, como violência urbana e trânsito, mas obviamente em proporções bem menores. Como descartar a praia e seus jardins para nos enfiarmos em shoppings, os cassinos sem roleta, onde se perde a noção de tempo, dentro da estratégia de aumento de gastos?
Ainda não entramos – pode ser questão de tempo – na era dos condomínios fechados, forma moderna de higienização social, modelo de autoexclusão a pretexto de que o mundo lá fora é perigoso demais. Na cultura do medo, procriamos grades, interfones, correntes e funcionários de terno e gravata que nos observam como tipos suspeitos.
Em grandes metrópoles, como São Paulo e Los Angeles, é possível passar meses sem sair do bairro, adquirindo suprimentos para o bunker anti-fim do mundo. E nada de 21 de dezembro, é no calendário brasileiro mesmo! Viramos seres urbanóides, que compramos acessórios imobiliários inúteis, como mercadorias supérfluas na prateleira do supermercado. “Um dia eu uso”, costumamos dizer.
Percebi o primeiro sintoma desta enfermidade social quando procurava apartamento para comprar, há oito anos. Nesta época, os preços dos imóveis eram para humanos. Seres extraterrestres não se encaixavam no público-alvo. A tática era, depois de ver o imóvel, conversar com o zelador ou outro funcionário do prédio. Sempre depois de se despedir do corretor, claro.
Em uma das visitas, o corretor falava dos enfeites que o prédio possuía. Entramos na academia, vazia e com cheiro de borracha virgem. Quando conversei com o zelador, perguntei se a sala de ginástica – ato falho do século passado – era nova. O zelador me olhou surpreso e respondeu:
— Inaugurou há seis meses, mas vive fechada.
— Nenhum morador faz academia?
— A maioria. Mas todo mundo treina fora. Quem vai querer ficar aqui sozinho?
A sabedoria do zelador é a garantia de que certos valores culturais, felizmente, mudam mais lentamente que o frenesi de consumo. Comprei um apartamento, em outro prédio. A sala e os quartos eram mais confortáveis, inclusive porque prefiro dormir com as pernas esticadas.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Até o fim
Dona Eguimar Mendes tem 61 anos. Sofre de um tipo de câncer que ataca os glóbulos brancos. Esta semana, parou no hospital por causa de uma crise renal. Para ela, dor maior do que os partos dos nove filhos. A ex-funcionária pública Silvia Gonçalves, de 48 anos, convive com a neurofibromatose tipo 1, doença neurológica que levou dois de seus três filhos. Em um sonho, a mãe disse a ela que a vida viraria de cabeça para baixo.
A dona-de-casa Sandra Coutinho tem a mesma idade de Silvia. Também possui um filho, de 16 anos. Sandra sofre de lúpus, doença auto-imune que – silenciosamente – ataca vários órgãos de forma simultânea. Ela perdeu as contas de quantas vezes foi desencorajada pelos médicos a engravidar.
A veterinária Fabíola Perroni, aos 36 anos, luta contra a esclerose múltipla, doença neurológica degenerativa. Casada e com dois filhos, Fabíola entende que Deus lhe deu como presente uma cruz para carregar.
As quatro mulheres têm em comum, além das rotinas em consultórios, laboratórios e hospitais, a vida contada em livro. Três delas – Dona Eguimar estava no hospital - se conheceram na última terça-feira, dia 4 de dezembro, no Cineclube Lanterna Mágica, na Universidade Santa Cecília, em Santos.
Elas estavam lá, com parentes e amigos, para assistir à apresentação do livro “Até o Fim”, sensível reportagem das jornalistas Elizabeth Soares e Jéssika Nobre. As duas repórteres se apoiaram nas histórias destas mulheres para produzir um Trabalho de Conclusão de Curso, em Jornalismo.
“Até o Fim” ilumina uma discussão que muitos homens de branco ignoram. O livro aborda a questão dos cuidados paliativos, tema que começa a ganhar espaço na mídia, ao lado de debates sobre testamento em vida, falta de humanização no atendimento e o complexo de Deus de muitos médicos.
Cuidados paliativos é a especialização médica que trata do acompanhamento a pacientes que possuem enfermidades ditas incuráveis. Não se trata de insistir em medicamentos com fortes efeitos colaterais ou em tratamentos invasivos, com prolongamento da dor. Cuidar de maneira paliativa implica em reunir uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente no final da vida, permitindo a ele enfrentar o que resta da supervisão médica sem sofrimento, com dignidade.
Embora exista uma associação que reúna médicos especializados, falta convencer o sistema de saúde – o que inclui as empresas de planos -, que se alimenta das doenças, jamais da prevenção ou do acompanhamento humanizado. Em São Paulo, há setores de cuidados paliativos no Hospital do Servidor Público, no Hospital do Jaçanã e no Hospital das Clínicas. No HC, o médico responsável só convenceu a instituição de que cuidar paliativamente era importante quando provou que ficava mais barato do que internar em UTI.
Na Baixada Santista, nenhum hospital implantou serviço semelhante. Em um deles, uma assistente social fez curso em São Paulo por conta própria e assumiu todas as despesas. Cuidados paliativos significa mais do que esperar a morte, representa preservar a vida, no sentido de respirar as experiências do trajeto com lucidez, com humanidade.
Dona Eguimar, por exemplo, tem absoluta certeza de que São Pedro vai recebê-la com samba. “A morte desistiu de mim.” Silvia Gonçalves fala com serenidade da virada de mesa que a vida lhe deu, mas a compreende porque teve coragem – nas palavras dela – de continuar em frente.
Sandra Coutinho driblou prognósticos negativos. Teve um filho dez anos depois de ser desaconselhada por seis médicos. “Minha fé sempre encontra um jeito.” E Fabíola Perroni garante que a cruz ficou mais fácil depois que instalou rodinhas nela. “Meu nome recebeu um asterisco, o que me torna única.”
A biografia destas quatro mulheres é, mais do que jornalismo de primeiro nível, um conselho sobre a consulta, dia-a-dia, do cardápio da vida.
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
O purgatório político
Quadro do artista russo Serguei Tyukanov |
Paulo e Marcelo – nomes fictícios – trabalham na Prefeitura de Santos há 10 meses. Eles foram contratados em caráter de emergência porque exercem funções técnicas específicas. Nunca assinaram um papel. Recebem cachês mensais, nome dado ao salário. Trabalham em finais de semana e feriados, inclusive. Os cachês os excluem do pagamento de horas extras.
Assim que a eleição passou, eles deixaram de ser remunerados. Convivem também com a ameaça de que não continuarão na Prefeitura com a mudança de governo. Os dois não recebem há 40 dias. Parte das contas está atrasada. No banco, chegaram ao limite do cheque especial.
As desculpas para o atual “trabalho voluntário” variam todas as semanas. O depósito em conta fica sempre para daqui a dez dias. Na semana passada, ambos faltaram ao trabalho porque os cartões de transporte estavam zerados. Um dos chefes chegou a chorar com a situação e deu R$ 50 a um deles para que trabalhasse mais alguns dias. Os dois fizeram empréstimo bancário e procuram trabalhos alternativos para amenizar o choque nas finanças pessoais.
Paulo e Marcelo não são exceções. Há outros funcionários sem receber os cachês. O exemplo deles marca um período leviano e perverso na política: a fase de transição. Os tubarões brigam e especulam sobre os cargos de segundo e terceiro escalões, frutos de acertos durante a campanha. Os peixes pequenos – muitos com salários na faixa de R$ 1 mil – ouvem os boatos enquanto esperam que seus processos sejam resolvidos.
Processos é a palavra preferida dos burocratas, que parecem leitores do romance de Franz Kafka, no qual a versão funcionário público de Josef K. desconhece porque está sob julgamento. A diferença entre ficção e serviço público talvez resida na criatividade em justificar bolsos e carteiras vazios.
Na Baixada Santista, outras cidades encenam o purgatório da transição de governo. O limbo é um lugar de espera, de inércia diante da definição de quem são os pecadores e de quem merece ir para o paraíso. Enquanto se aguarda Godot, serviços são negligenciados ou extintos.
São Vicente, por exemplo, minimizou a participação nos Jogos Abertos do Interior. Vários chefes de departamento foram demitidos. Horas extras não foram pagas, o que provocou uma greve no setor de saúde do município. A justificativa foi um “problema no RH”, variação calunga para o “processo” kafkiano santista.
Reeleição não significa blindagem para desrespeito, seja com servidores, seja com a população. Em Cubatão, a partir do momento em que sentiu a eleição nas mãos, o PT de Márcia Rosa passou a repetir o discurso de cofres ocos. O Festival Danado de Bom, de cultura nordestina, foi cancelado, mesmo com apoio de indústrias. Seis em cada dez moradores da cidade têm ascendência no Nordeste.
Onde foi parar o dinheiro? Planejamento, orçamento, destinação de recursos parecem nomes de capítulos de uma obra de ficção científica, onde o cenário se altera depois da contagem de votos das urnas eletrônicas.
A fase de transição não consegue ser, no mínimo, a etapa do piloto automático, também comum em gestões reeleitas. Na prática, é o período do esconde-esconde, da sujeira embaixo do tapete e da batalha por manutenção de cargos ou pelo novo emprego em janeiro. Enquanto isso, quem trabalha apenas para receber no final do mês está condenado – sem saber por qual crime – a passar o Natal no inferno do purgatório político-eleitoral.
Em tempo: Paulo e Marcelo foram demitidos esta semana, junto com outros funcionários. Quanto ao salário, a promessa era que o depósito aconteceria nesta sexta, dia 30 de novembro. Até o momento, a única certeza é que se trata, realmente, de mais uma promessa.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
Consciência leve
Os trabalhadores negros estão ganhando mais. Mas, como diz a velha piada sobre estatística - o copo pode estar meio cheio ou meio vazio -, a notícia não merece grandes comemorações. Um levantamento feito em conjunto pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indica que a renda dos trabalhadores negros cresceu cinco vezes nos últimos 10 anos, em relação à renda de brancos e amarelos.
No lado vazio do copo, a pesquisa também aponta que trabalhadores negros, na mesma função e com mesma escolaridade, recebem 61% da remuneração dos colegas brancos e amarelos. A situação teve leve retrocesso, mas ainda reproduz o quadro de desigualdade dos levantamentos feitos na última década. Se considerarmos o fator gênero, mulheres negras ficam no final da fila, com piores salários que as mulheres brancas.
Em termos gerais, a pesquisa da Fundação Seade e do Dieese reflete o que ocorre no Brasil. Entender o racismo brasileiro (e suas particularidades) significa ultrapassar as discussões sobre cor da pele. É fundamental incluir o fator socioeconômico para se chegar mais próximo das nuances culturais da discriminação racial à brasileira.
O levantamento nos traz, por exemplo, que o nível de desemprego entre negros caiu nos últimos dez anos. O principal fator é a estabilidade econômica nacional. Em 2002, 23,6% dos trabalhadores negros estavam desempregados. No final de 2011, 12,2%. Entre trabalhadores não negros, também houve queda. Em 2002, 16,4%. No final de 2011, 9,6%.
O caminhão de números acima serve somente como simples tradução para o cenário brasileiro. Qualquer análise que se faça apontará para maior inclusão dos negros em vários setores da sociedade. Por outro lado, este fato não deve atender aos desejos de uma elite intelectual branca, que insiste em dizer que o país não pratica o racismo.
Negros estão mais presentes nas universidades, mas não chegam a 10% do total e seguem concentrados em cursos de menor prestígio acadêmico, inclusive no valor das mensalidades. Nas licenciaturas, que formam professores, é possível verificar salas com até um terço dos universitários de origem negra. Muitos deles representam o primeiro de suas famílias a conseguir um diploma de ensino superior, o que reitera a pesquisa acima.
Quando entramos nas salas dos homens (ironicamente!) de branco, prevalece a sensação de que a Dinamarca é aqui! A lógica se torna inversamente proporcional.
Na TV, para mudarmos o olhar para a cultura pop, aumentou nos últimos dez anos a presença de negros no vídeo. Atrizes e atores protagonizam novelas, estrelam comerciais, apresentam programas. Mas ainda simbolizam exceções numa mídia que prega branco e loiro como características de padrão estético. Basta olharmos para as mesmas atrações.
Quando penso no Dia Nacional da Consciência Negra, minha reação é paradoxal. O lado idealista me diz que uma data como esta não deveria existir. Num cenário utópico, cor da pele, etnia e raça seriam conceitos obsoletos e desconsiderados como elemento de diferenciação.
A face realista me mostra que o dia 20 de novembro ainda é necessário para entendermos o país em que vivemos. Um país que cultiva o cinismo quando procura negar os processos discriminatórios que se repetem todos os dias. E onde uma parcela da população se apoia no sarcasmo para reduzir o Dia Nacional da Consciência Negra a uma extensão de dias de folga.
sábado, 17 de novembro de 2012
Vergonha danada!
Quando as eleições terminam, a classe política começa a mostrar como realmente pensa. Ou como realmente administra a cidade. Em Cubatão, bastou a reeleição de Marcia Rosa (PT) para que ficasse clara a posição da Prefeitura em relação às políticas culturais. A primeira notícia foi o cancelamento do Festival Danado de Bom, que envolve a cultura nordestina.
Cubatão é uma cidade construída às custas de muito suor de migrantes nordestinos, desde as obras para a implantação do Parque Industrial, passando pela construção das rodovias Imigrantes e Anchieta. Hoje, a estimativa é que seis em cada dez moradores nasceram ou são descendentes de nordestinos.
O Festival já tinha dinheiro garantido de empresas privadas e do Governo do Estado. O cancelamento veio porque a Prefeitura alegou não ter recursos para a contrapartida. O Festival limitou-se a um concurso gastronômico, com menos repercussão e de custo quase zero.
Cubatão, uma cidade marcada pelo trabalho, sofre com as limitações de entretenimento e lazer. O teatro, condenado ao silêncio e à poeira, virou um elefante branco com quase duas décadas de vida. O cinema chegou ao município há dois meses, depois de anos de ausência de salas de exibição.
Ao virar as costas para a população logo após as eleições, a prefeita Marcia Rosa abre margem para algumas perguntas. O Festival não deveria estar incluído no orçamento municipal, elaborado e entregue à Câmara no final do ano anterior? Se isso não aconteceu, onde se deu o erro de planejamento, já que o evento fazia parte do calendário da cidade?
A Prefeitura alega que houve queda na arrecadação. Não daria para fazer um festival mais tímido, com dinheiro das empresas e do Governo? Ou, sabendo das dificuldades financeiras, a Prefeitura não poderia estender o chapéu para outras indústrias, por meio de leis de incentivo? Quais explicações a administração dará aos patrocinadores que cumpriram seus acordos profissionais de bancar o festival?
Marcia Rosa apenas reiterou um comportamento típico da classe política: encarar a cultura como um badulaque, um enfeite que pode ser retirado da sala de jantar assim que a festa acaba. Neste sentido, cultura não soa como digna de política pública, somente de eventos pontuais próximos a períodos eleitorais. Aliás, até que ponto a campanha eleitoral pode ter interferido nas contas da Prefeitura, em déficit, como explica a própria administradora municipal?
A etapa de transição é o golpe de estelionato nos eleitores. Neste período de dois meses e meio, as prefeituras costumam entrar em paralisia. Mudanças de segundo e terceiro escalões, cancelamento de eventos, promessas e projetos enterrados nas urnas eletrônicas são práticas comuns.
O Festival Danado de Bom, na frieza dos gabinetes, engrossa a lista de realizações destinadas às gavetas. Com elas, a retórica de que a ressurreição acontecerá em 2013. Por enquanto, a palavra empenhada pela prefeita. É possível acreditar nela?
A cultura nordestina, tão eclética quanto fundamental para a construção da identidade do município, engrossa o coro de vítimas das promessas de campanha. Será um sinal de que o governo cumprirá o destino das gestões reeleitas, a de caminhar no piloto automático?
A etapa de transição é o golpe de estelionato nos eleitores. Neste período de dois meses e meio, as prefeituras costumam entrar em paralisia. Mudanças de segundo e terceiro escalões, cancelamento de eventos, promessas e projetos enterrados nas urnas eletrônicas são práticas comuns.
O Festival Danado de Bom, na frieza dos gabinetes, engrossa a lista de realizações destinadas às gavetas. Com elas, a retórica de que a ressurreição acontecerá em 2013. Por enquanto, a palavra empenhada pela prefeita. É possível acreditar nela?
A cultura nordestina, tão eclética quanto fundamental para a construção da identidade do município, engrossa o coro de vítimas das promessas de campanha. Será um sinal de que o governo cumprirá o destino das gestões reeleitas, a de caminhar no piloto automático?
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Os limites da guerra
Todas as guerras passam por momentos de cessar-fogo. É a hora em que os peões do tabuleiro revisam suas táticas, redesenham estratégias, mas, acima de tudo, justificam suas ações internamente e se fortalecem para o próximo surto de violência.
Todas as guerras, antes do tiro inicial, que transformará a primeira vítima em mártir, assassinam a verdade. Erguem cenários e personagens fictícios, superdimensionam as motivações para massacrar o outro, mascaram suas cobiças e mesquinharias, glorificam a si mesmos como essenciais no centro do palco. Mentir é um exercício contínuo de propaganda, com a conivência dos omissos, cientes de seus ganhos secundários com o conflito.
São Paulo, hoje, é o campo de batalha que atende a todas as características descritas acima. Os dados divulgados na última quinta-feira, dia 25, pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, confirmam que o Estado de São Paulo, incluindo a Baixada Santista, preenche os pré-requisitos para manter a classificação de zona de guerra.
No Estado, o número de homicídios cresceu 27% em setembro. A estatística é comparativa ao mesmo mês, no ano passado. Na Capital, os assassinatos dobraram. 144 pessoas morreram em setembro, contra 71 no mesmo período, em 2011. Na Baixada Santista, foram 17 homicídios dolosos, contra 10 no mesmo mês do ano anterior. Um detalhe: a sopa de números não inclui o último banho de sangue, que aconteceu em outubro.
Sempre desconfiei dos números do Estado. Tenho a sensação de que os índices tendem a ser maiores. No passado, reportagens mostravam que as estatísticas falhavam, voluntariamente ou não, para baixo.
Independentemente dos números, a última crise entre PM e PCC indica que ainda estamos lambendo as feridas do último surto de violência. De 2006 para cá, houve pelo menos mais três ondas de confrontos, com mortos de ambos os lados, fora os inocentes que estavam no lugar errado na hora errada. Seriam eles danos colaterais, destinados a desaparecer do noticiário em uma semana, ou a virar mais um número na pilha de casos não investigados?
Nesta guerra, o discurso das autoridades de gravata é paradoxal. Ao mesmo tempo em que o governador fala em combate ao crime organizado e à economia do tráfico de drogas, tenta minimizar o PCC como pedra no sapato da estrutura da segurança pública. Por esta lógica, ou o PCC ganhou outro nome – bastante comum na sociedade movida pelas aparências – ou se desmembrou em pequenas franquias, numa eficiente ação de marketing.
O comandante da PM, Roberval França, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, negou descontrole da criminalidade. Para ele, “houve mais casos de morte por motivos passionais, ataques entre criminosos e por cobrança de dívida de drogas”. Os tipos descritos não seriam assassinatos? Assassinato não é crime, até para os cínicos?
O momento é de cessar-fogo. É a hora em que os senhores da guerra reaparecem para explorar a máquina de propaganda, que desumaniza e atira a todos no liquidificador de porcentagens. Todos perdem seus nomes, desde o traficante famoso pela liderança no Estado paralelo ao rapaz que morreu sem saber o que havia feito de errado.Na política de matar (ou executar) para combater o crime, sobra também para os policiais, mortos na folga, nos bicos ou em serviço oficial. Os senhores da guerra vão honrar seus soldados, por vezes em trincheiras, ou vão permanecer no palavrório da matemática, hoje entre a soma e a multiplicação dos corpos?
Todas as guerras, antes do tiro inicial, que transformará a primeira vítima em mártir, assassinam a verdade. Erguem cenários e personagens fictícios, superdimensionam as motivações para massacrar o outro, mascaram suas cobiças e mesquinharias, glorificam a si mesmos como essenciais no centro do palco. Mentir é um exercício contínuo de propaganda, com a conivência dos omissos, cientes de seus ganhos secundários com o conflito.
São Paulo, hoje, é o campo de batalha que atende a todas as características descritas acima. Os dados divulgados na última quinta-feira, dia 25, pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, confirmam que o Estado de São Paulo, incluindo a Baixada Santista, preenche os pré-requisitos para manter a classificação de zona de guerra.
No Estado, o número de homicídios cresceu 27% em setembro. A estatística é comparativa ao mesmo mês, no ano passado. Na Capital, os assassinatos dobraram. 144 pessoas morreram em setembro, contra 71 no mesmo período, em 2011. Na Baixada Santista, foram 17 homicídios dolosos, contra 10 no mesmo mês do ano anterior. Um detalhe: a sopa de números não inclui o último banho de sangue, que aconteceu em outubro.
Sempre desconfiei dos números do Estado. Tenho a sensação de que os índices tendem a ser maiores. No passado, reportagens mostravam que as estatísticas falhavam, voluntariamente ou não, para baixo.
Independentemente dos números, a última crise entre PM e PCC indica que ainda estamos lambendo as feridas do último surto de violência. De 2006 para cá, houve pelo menos mais três ondas de confrontos, com mortos de ambos os lados, fora os inocentes que estavam no lugar errado na hora errada. Seriam eles danos colaterais, destinados a desaparecer do noticiário em uma semana, ou a virar mais um número na pilha de casos não investigados?
Nesta guerra, o discurso das autoridades de gravata é paradoxal. Ao mesmo tempo em que o governador fala em combate ao crime organizado e à economia do tráfico de drogas, tenta minimizar o PCC como pedra no sapato da estrutura da segurança pública. Por esta lógica, ou o PCC ganhou outro nome – bastante comum na sociedade movida pelas aparências – ou se desmembrou em pequenas franquias, numa eficiente ação de marketing.
O comandante da PM, Roberval França, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, negou descontrole da criminalidade. Para ele, “houve mais casos de morte por motivos passionais, ataques entre criminosos e por cobrança de dívida de drogas”. Os tipos descritos não seriam assassinatos? Assassinato não é crime, até para os cínicos?
O momento é de cessar-fogo. É a hora em que os senhores da guerra reaparecem para explorar a máquina de propaganda, que desumaniza e atira a todos no liquidificador de porcentagens. Todos perdem seus nomes, desde o traficante famoso pela liderança no Estado paralelo ao rapaz que morreu sem saber o que havia feito de errado.Na política de matar (ou executar) para combater o crime, sobra também para os policiais, mortos na folga, nos bicos ou em serviço oficial. Os senhores da guerra vão honrar seus soldados, por vezes em trincheiras, ou vão permanecer no palavrório da matemática, hoje entre a soma e a multiplicação dos corpos?
terça-feira, 16 de outubro de 2012
A política das cuecas
Caso eleita, Antonieta será a terceira mulher prefeita nas nove cidades da Baixada Santista nestas eleições. É o mesmo número da gestão atual. Não houve mudanças dignas de nota. Antonieta e Márcia Rosa, em Cubatão, estariam no segundo mandato. Ana Preto, em Peruíbe, foi prefeita por dois anos e substituirá Milena Bargieri. Aliás, naquela cidade, os homens não disputaram o Poder Executivo. Onira, do PT, completou a lista de candidatas.
Olhando com cuidado, percebe-se que as mulheres, na prática, perderam espaço nestas eleições. As Câmaras municipais expõem a fragilidade de gênero. Nas nove casas legislativas, só cinco vereadoras eleitas. Nas duas maiores cidades da região, Santos e São Vicente, nenhuma representante. Santos, por exemplo, tem representantes femininas na Câmara desde os anos 80, de forma ininterrupta.
O esvaziamento de mulheres em cargos eletivos desnuda um problema básico de formação. Os partidos, de uma maneira geral, não se preocupam em quebrar o peso machista nas relações cotidianas da política. Mulheres até compõem as chapas nas eleições. Mas não passam disso: personagens de composição, coadjuvantes cujo destino jamais será o papel de protagonista, salvo exceções de praxe.
O PT, acostumado a quebrar esta regra, amoleceu. Não formou novos quadros de mulheres. Perdeu quase toda a linha de frente, por aposentadoria ou por troca de partido. Ficou praticamente a deputada estadual Telma de Souza e a prefeita de Cubatão, Marcia Rosa. Até o PSOL seguiu o mesmo caminho, mantendo somente Eneida Koury como exemplo que confirma a regra.
O PT canalizou quase toda a formação política feminina, de destaque, na Baixada Santista. Ao não se renovar, lideranças não nasceram e a ala feminina também foi atingida pelos estilhaços da mesmice. Descontando o falecimento de Luiza Neófit, as mulheres do PT envelheceram ou procuraram outros ares.
O último caso foi a vereadora Cassandra Maroni, que não buscou a reeleição e se manteve quase em silêncio durante a última campanha. Sueli Morgado se aposentou há quatro anos. Maria Lúcia Prandi rumou para os bastidores do próprio PT.
Mariângela Duarte, a única que deu a face durante o escândalo do mensalão, migrou para o PSB e trabalhou na campanha de Paulo Alexandre Barbosa, do PSDB. Sueli Maia deixou o PT há anos e é secretária da Educação do governo Papa. Ela estava na lista de possíveis candidatos da situação, que resultou na escolha de Sérgio Aquino.
Até Maria Antonieta, hoje no PMDB, foi filiada ao Partido dos Trabalhadores. Começou a vida política por lá, como assessora de Mariângela Duarte. Elegeu-se vereadora, em 2000, pelo PT.
E não podemos nos esquecer de Onira, representante histórica – e solitária - do PT em Peruíbe, com votação expressiva na última eleição, quase 28% dos votos válidos.
O fato é que raras são as vezes em que se cumpre a cota de 30% de mulheres na lista de candidaturas no Brasil. Na Baixada Santista, isso nunca aconteceu. Nada mais irônico em um país governado por uma mulher. Na eleição vencida por Dilma Rouseff, não se pode esquecer de Marina Silva, terceiro lugar com 20 milhões de votos.
Sem elas, a política – afogada no pragmatismo masculino e tão previsível nesta última campanha – caminha para a morte por inanição poética.
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Em terra de cego, quem tem olho é eleito
Se olharmos de longe, a Baixada Santista dá a impressão de que seus eleitores, em linhas gerais, flertaram com novidades políticas. Se enxergarmos de perto, a região nos indica que os eleitores preferiram a continuidade e que o flerte foi apenas isso: um jogo de sedução sem maiores consequências.
Em três cidades, o resultado óbvio nas reeleições de Marcia Rosa, em Cubatão; Mauro Orlandini, em Bertioga; e Paulinho, em Mongaguá. Nestes endereços, a eleição também serviu para enterrar – ainda que vivos - velhos caciques como Nei Serra, Lairton Goulart e Artur Parada Prócida, respectivamente.
Praia Grande se satisfez com uma reeleição “torta”. Alberto Mourão terá seu quarto mandato em 20 anos. Os outros dois prefeitos neste período, Ricardo Yamauti e Roberto Francisco, foram vice-prefeito e chefe de gabinete de Mourão. Ambos governaram a cidade enquanto Mourão cumpria mandato na Câmara Federal.
Guarujá é a única cidade na qual haverá segundo turno. Competem as gestões atual e anterior. De um jeito ou de outro, mais uma terra sem grandes novidades, com tendência à repetição de governante da hora.
São Vicente terá prefeito novo, mas de uma turma antiga. Luis Claudio Bili passou por cinco mandatos de vereador e foi secretário três vezes ao longo das administrações Márcio França e Tércio Garcia. Governará com uma Câmara Municipal de baixa renovação nas cadeiras. É claro que metade de cidade assinou o atestado de insatisfação contra a dinastia França, representada pelo príncipe Caio, mas só os próximos quatro anos dirão até que ponto mudanças políticas serão postas em prática.
Em Peruíbe, a cidade das mulheres, Ana Preto se tornou a primeira prefeita eleita, de fato e de direito. Mas ela já governou por dois anos. E suas adversárias eram a atual prefeita Milena Bargieri e a vereadora Onira, há mais de uma década na Câmara Municipal.
Itanhaém veste a carapuça da incógnita, com a entrada do tucano Marco Aurélio. Ele venceu Marcelo Strama por 2% de diferença. Mas ainda é cedo para dizer se o novo prefeito dará rumos distintos da gestão de João Carlos Forssell.
Em Santos, a cereja do bolo. O prefeito pode ser novo, inclusive em idade, mas o grupo que o cerca transita nos corredores do poder há anos. O PSDB ganhou pela primeira vez em Santos, mas tem o vice do atual governo, além de representantes de segundo escalão e de compor a base de Papa na Câmara Municipal.
Paulo Alexandre sempre representou um dos elos de ligação entre o Governo do Estado e a Prefeitura. Ocupou três secretarias no governo estadual e venceu duas eleições para deputado estadual. Na campanha, aproveitou-se da indecisão de João Paulo Tavares Papa e tomou para si, com sutileza, a ideia de que era o candidato do prefeito. Nas duas semanas anteriores à eleição, confirmou com todas as letras – em resposta a outros candidatos – que seu partido era governo.
Em três cidades, o resultado óbvio nas reeleições de Marcia Rosa, em Cubatão; Mauro Orlandini, em Bertioga; e Paulinho, em Mongaguá. Nestes endereços, a eleição também serviu para enterrar – ainda que vivos - velhos caciques como Nei Serra, Lairton Goulart e Artur Parada Prócida, respectivamente.
Praia Grande se satisfez com uma reeleição “torta”. Alberto Mourão terá seu quarto mandato em 20 anos. Os outros dois prefeitos neste período, Ricardo Yamauti e Roberto Francisco, foram vice-prefeito e chefe de gabinete de Mourão. Ambos governaram a cidade enquanto Mourão cumpria mandato na Câmara Federal.
Guarujá é a única cidade na qual haverá segundo turno. Competem as gestões atual e anterior. De um jeito ou de outro, mais uma terra sem grandes novidades, com tendência à repetição de governante da hora.
São Vicente terá prefeito novo, mas de uma turma antiga. Luis Claudio Bili passou por cinco mandatos de vereador e foi secretário três vezes ao longo das administrações Márcio França e Tércio Garcia. Governará com uma Câmara Municipal de baixa renovação nas cadeiras. É claro que metade de cidade assinou o atestado de insatisfação contra a dinastia França, representada pelo príncipe Caio, mas só os próximos quatro anos dirão até que ponto mudanças políticas serão postas em prática.
Em Peruíbe, a cidade das mulheres, Ana Preto se tornou a primeira prefeita eleita, de fato e de direito. Mas ela já governou por dois anos. E suas adversárias eram a atual prefeita Milena Bargieri e a vereadora Onira, há mais de uma década na Câmara Municipal.
Itanhaém veste a carapuça da incógnita, com a entrada do tucano Marco Aurélio. Ele venceu Marcelo Strama por 2% de diferença. Mas ainda é cedo para dizer se o novo prefeito dará rumos distintos da gestão de João Carlos Forssell.
Em Santos, a cereja do bolo. O prefeito pode ser novo, inclusive em idade, mas o grupo que o cerca transita nos corredores do poder há anos. O PSDB ganhou pela primeira vez em Santos, mas tem o vice do atual governo, além de representantes de segundo escalão e de compor a base de Papa na Câmara Municipal.
Paulo Alexandre sempre representou um dos elos de ligação entre o Governo do Estado e a Prefeitura. Ocupou três secretarias no governo estadual e venceu duas eleições para deputado estadual. Na campanha, aproveitou-se da indecisão de João Paulo Tavares Papa e tomou para si, com sutileza, a ideia de que era o candidato do prefeito. Nas duas semanas anteriores à eleição, confirmou com todas as letras – em resposta a outros candidatos – que seu partido era governo.
Se olharmos de longe, podemos engolir os discursos de província, que adora desfilar com roupas de vanguarda. Se enxergarmos de perto, veremos que as roupas da política regional não passam de peças de segunda mão, costuradas no brechó eleitoral. Mas não sabemos se o eleitor ficou mais míope ou se fez uma cirurgia de correção. Desconfio que depende de onde ele vê, com ou sem óculos.
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
O tempo e o suor
Apontar as causas para a vitória de Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) em primeiro turno – e motivos para o fracasso dos demais – é tarefa que requer tempo para os analistas políticos. Vale, óbvio, para qualquer fenômeno social. É preciso prazo para conectar e pesar na balança fatores que, juntos, não garantem um resultado matemático. Sempre haverá um campo de especulação e subjetividade no olhar sobre o processo eleitoral.
Resolvi, para manter viva a coerência, pensar sobre a escolha que a maioria dos eleitores fez. Por que escolheram o tucano? Por que rejeitaram os concorrentes, alguns com mais experiência para a função? Entenda, leitor, como estradas para a reflexão, somente impressões.
A campanha de Paulo Alexandre foi eficiente. Construiu uma imagem que convenceu uma parcela do eleitorado. Um produto bem embalado, que atende às necessidades do consumidor. Campanhas, a bem da verdade (opa, uma palavra incompatível para o momento), seguem a obsessão de diagnosticar e se comunicar cirurgicamente com os desejos de alguém que mal compreende – até porque desacredita – as entrelinhas da política.
A campanha do candidato tucano preencheu os espaços ignorados ou negligenciados pelos adversários. Expôs – o que é diferente de colocar em debate – ideias dentro de um cardápio de anseios coletivos, mas coletivos apenas por coincidências de necessidades individuais.
Paulo Alexandre se encaixa no modelo que representaria o novo, embora não o veja como tal. Sem personalizar, ele simboliza um rumo de gestão que se conhece do governo do Estado e da própria Prefeitura.
A imagem também funciona pelo oposto. Os ex-prefeitos Beto Mansur e Telma de Souza carregaram nas costas o desgaste de várias eleições, de discursos requentados, do lado negativo de suas administrações, que o tempo fora do Paço Municipal inevitavelmente desenterra.
O candidato do tucano soube capitalizar a popularidade do atual prefeito João Paulo Tavares Papa. Antes de se oficializar a corrida, Paulo Alexandre não fazia questão de se divorciar do governo. Pelo contrário, Alckmin e Papa davam as mãos em solenidades e, dentro da dança política, com o então secretário estadual Paulo Alexandre na mesma foto.
Papa também demorou para definir seu candidato. E Sérgio Aquino pagou o preço da indecisão. As primeiras pesquisas apontavam, por exemplo, que poucos sabiam quem era o apadrinhado do prefeito. Depois, nas rodas de conversa, a desculpa: “quando chegar o horário eleitoral, as pessoas saberão quem é o candidato dele.”
De fato, Aquino chegou a 12% dos votos válidos, mas a poeira no rosto marca o quanto estava atrás, sem fôlego para se aproximar de Paulo Alexandre. O perfil do técnico foi, além de tudo, insuficiente.
O candidato do PSDB contou ainda com as circunstâncias. O eleitor médio está exausto. Não suporta a campanha eleitoral, ignora os debates, ri nervosamente do horário eleitoral. É comum a opinião de que a eleição, resolvida em primeiro turno, significa um fardo cumprido.
Na prática, a cidade optou pela continuidade, pela figura de um gerente, mesmo que a retórica política seja somente um tempero dentro da receita que borbulha no caldeirão de partidos.
O tempo resolve? Quatro anos para sabermos qual a distância entre a imagem e o real. Por hora, impossível confiar em um gerente que não transpira embaixo de sol na feira livre.
Resolvi, para manter viva a coerência, pensar sobre a escolha que a maioria dos eleitores fez. Por que escolheram o tucano? Por que rejeitaram os concorrentes, alguns com mais experiência para a função? Entenda, leitor, como estradas para a reflexão, somente impressões.
A campanha de Paulo Alexandre foi eficiente. Construiu uma imagem que convenceu uma parcela do eleitorado. Um produto bem embalado, que atende às necessidades do consumidor. Campanhas, a bem da verdade (opa, uma palavra incompatível para o momento), seguem a obsessão de diagnosticar e se comunicar cirurgicamente com os desejos de alguém que mal compreende – até porque desacredita – as entrelinhas da política.
A campanha do candidato tucano preencheu os espaços ignorados ou negligenciados pelos adversários. Expôs – o que é diferente de colocar em debate – ideias dentro de um cardápio de anseios coletivos, mas coletivos apenas por coincidências de necessidades individuais.
Paulo Alexandre se encaixa no modelo que representaria o novo, embora não o veja como tal. Sem personalizar, ele simboliza um rumo de gestão que se conhece do governo do Estado e da própria Prefeitura.
A imagem também funciona pelo oposto. Os ex-prefeitos Beto Mansur e Telma de Souza carregaram nas costas o desgaste de várias eleições, de discursos requentados, do lado negativo de suas administrações, que o tempo fora do Paço Municipal inevitavelmente desenterra.
O candidato do tucano soube capitalizar a popularidade do atual prefeito João Paulo Tavares Papa. Antes de se oficializar a corrida, Paulo Alexandre não fazia questão de se divorciar do governo. Pelo contrário, Alckmin e Papa davam as mãos em solenidades e, dentro da dança política, com o então secretário estadual Paulo Alexandre na mesma foto.
Papa também demorou para definir seu candidato. E Sérgio Aquino pagou o preço da indecisão. As primeiras pesquisas apontavam, por exemplo, que poucos sabiam quem era o apadrinhado do prefeito. Depois, nas rodas de conversa, a desculpa: “quando chegar o horário eleitoral, as pessoas saberão quem é o candidato dele.”
De fato, Aquino chegou a 12% dos votos válidos, mas a poeira no rosto marca o quanto estava atrás, sem fôlego para se aproximar de Paulo Alexandre. O perfil do técnico foi, além de tudo, insuficiente.
O candidato do PSDB contou ainda com as circunstâncias. O eleitor médio está exausto. Não suporta a campanha eleitoral, ignora os debates, ri nervosamente do horário eleitoral. É comum a opinião de que a eleição, resolvida em primeiro turno, significa um fardo cumprido.
Na prática, a cidade optou pela continuidade, pela figura de um gerente, mesmo que a retórica política seja somente um tempero dentro da receita que borbulha no caldeirão de partidos.
O tempo resolve? Quatro anos para sabermos qual a distância entre a imagem e o real. Por hora, impossível confiar em um gerente que não transpira embaixo de sol na feira livre.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
Bili e as palavras flexíveis
Com a eleição de Luis Claudio Bili para prefeito, São Vicente se tornou o centro das atenções na política da Baixada Santista. Evito a tentação de usar a palavra surpresa para definir a vitória de alguém que está na política local desde os 21 anos. A palavra daria razão aos analistas políticos e às pesquisas eleitorais, que escorregaram feio nas previsões para a vila mais antiga do país.
Para quem observa à meia distância, o mais interessante das viradas eleitorais é que elas geram um caldeirão de impressões. O eleitor vicentino realmente escolheu o novo? A cidade rejeitou um modelo de dinastia que controlava a política há 16 anos? De que modo a nova (velha) composição da Câmara Municipal vai interferir na vida do prefeito?
Luis Claudio Bili, de saída, não representa novidade alguma no município. O novo prefeito, de 43 anos, está na política desde o século passado, dentro e fora do governo. Bili é dissidente de tempos recentes. Como vereador de cinco mandatos, integrou a base de apoio dos governos de Marcio França e Tércio Garcia. O prefeito eleito foi, inclusive, secretário por três vezes, em três pastas diferentes.
Se Bili já foi da base de apoio, por que o eleitor vicentino não confirmou a continuidade no herdeiro da dinastia França? A resposta não é conclusiva e talvez jamais a seja. Mas o recado apenas confirma uma lei da História: nenhum Império é eterno. E costura outra premissa: a arrogância, em campanhas eleitorais, mata o político pela boca da urna.
Caio França perdeu no voto, mas a maior derrota é de seu pai, o deputado federal e ex-prefeito Marcio França. Ele, aliás, compõe o pacote simbólico de fracassos nesta eleição. Um olhar que nos leva a crer – com a exceção de Alberto Mourão, em Praia Grande – que os velhos coronéis não vencem mais de goleada.
A escolha de Caio França foi um ato presunçoso. Escolher um rapaz de 20 e poucos anos, sem experiência administrativa, enfatizou o que já se sabia há tempos. Marcio França continuaria governando São Vicente à distância. Esta posição, unânime em outros momentos políticos, fortaleceu uma corrente separatista, sedenta por aumentar a parte no bolo de poder em uma cidade que abriu mão da oposição.
A campanha de Caio França montou um tabuleiro com final que julgava previsível. Apenas se esqueceu de avisar os peões. Os eleitores se moveram, em parte, para um movimento anti-França (pai ou filho, pouco importa!), no qual Luis Claudio Bili serviu como válvula de escape. A Área Continental se transformou no centro da mudança, como reação a um modelo que não a colocava entre as principais prioridades.
O próprio prefeito eleito reconheceu, em entrevista ao repórter Victor Miranda, de A Tribuna, que parte dos votos vieram por insatisfação do eleitorado, e não por convicção. O cenário se tornou bipolarizado, de teste para a popularidade de Marcio França e do grupo que gerencia São Vicente há 16 anos. Os nanicos, com outros dois candidatos, ficaram minúsculos neste caso, dilacerados pela implosão dentro de seus próprios partidos.
O eleitor pode ser paradoxal quando encara a campanha municipal – efetivamente - como duas votações. A escolha de vereadores envolve critérios mais individualizados, menos abstratos e amplos sobre a cidade. Em São Vicente, a Câmara Municipal teve pouca renovação.
A única questão é que os papéis dos vereadores se inverteram. Antes, não havia opositores ao Governo no Poder Legislativo. A partir de 2013, a maioria dos vereadores será de oposição. Apesar da aparente dificuldade para Bili, maioria é um termo relativo, pois já teve gente que mudou de lado na festa da vitória.
Como Luis Claudio Bili na Prefeitura, São Vicente provou que tem um modo particular de fazer política, capaz de derrubar analistas e pesquisas. Lá, situação e oposição são palavras bastante flexíveis.
Para quem observa à meia distância, o mais interessante das viradas eleitorais é que elas geram um caldeirão de impressões. O eleitor vicentino realmente escolheu o novo? A cidade rejeitou um modelo de dinastia que controlava a política há 16 anos? De que modo a nova (velha) composição da Câmara Municipal vai interferir na vida do prefeito?
Luis Claudio Bili, de saída, não representa novidade alguma no município. O novo prefeito, de 43 anos, está na política desde o século passado, dentro e fora do governo. Bili é dissidente de tempos recentes. Como vereador de cinco mandatos, integrou a base de apoio dos governos de Marcio França e Tércio Garcia. O prefeito eleito foi, inclusive, secretário por três vezes, em três pastas diferentes.
Se Bili já foi da base de apoio, por que o eleitor vicentino não confirmou a continuidade no herdeiro da dinastia França? A resposta não é conclusiva e talvez jamais a seja. Mas o recado apenas confirma uma lei da História: nenhum Império é eterno. E costura outra premissa: a arrogância, em campanhas eleitorais, mata o político pela boca da urna.
Caio França perdeu no voto, mas a maior derrota é de seu pai, o deputado federal e ex-prefeito Marcio França. Ele, aliás, compõe o pacote simbólico de fracassos nesta eleição. Um olhar que nos leva a crer – com a exceção de Alberto Mourão, em Praia Grande – que os velhos coronéis não vencem mais de goleada.
A escolha de Caio França foi um ato presunçoso. Escolher um rapaz de 20 e poucos anos, sem experiência administrativa, enfatizou o que já se sabia há tempos. Marcio França continuaria governando São Vicente à distância. Esta posição, unânime em outros momentos políticos, fortaleceu uma corrente separatista, sedenta por aumentar a parte no bolo de poder em uma cidade que abriu mão da oposição.
A campanha de Caio França montou um tabuleiro com final que julgava previsível. Apenas se esqueceu de avisar os peões. Os eleitores se moveram, em parte, para um movimento anti-França (pai ou filho, pouco importa!), no qual Luis Claudio Bili serviu como válvula de escape. A Área Continental se transformou no centro da mudança, como reação a um modelo que não a colocava entre as principais prioridades.
O próprio prefeito eleito reconheceu, em entrevista ao repórter Victor Miranda, de A Tribuna, que parte dos votos vieram por insatisfação do eleitorado, e não por convicção. O cenário se tornou bipolarizado, de teste para a popularidade de Marcio França e do grupo que gerencia São Vicente há 16 anos. Os nanicos, com outros dois candidatos, ficaram minúsculos neste caso, dilacerados pela implosão dentro de seus próprios partidos.
O eleitor pode ser paradoxal quando encara a campanha municipal – efetivamente - como duas votações. A escolha de vereadores envolve critérios mais individualizados, menos abstratos e amplos sobre a cidade. Em São Vicente, a Câmara Municipal teve pouca renovação.
A única questão é que os papéis dos vereadores se inverteram. Antes, não havia opositores ao Governo no Poder Legislativo. A partir de 2013, a maioria dos vereadores será de oposição. Apesar da aparente dificuldade para Bili, maioria é um termo relativo, pois já teve gente que mudou de lado na festa da vitória.
Como Luis Claudio Bili na Prefeitura, São Vicente provou que tem um modo particular de fazer política, capaz de derrubar analistas e pesquisas. Lá, situação e oposição são palavras bastante flexíveis.
sexta-feira, 5 de outubro de 2012
O debate morreu
Às vésperas do dia 7 de outubro, o eleitor assinou o atestado de óbito dos debates na TV. A causa da morte, segundo o documento, foi falência múltipla de órgãos, provocada – principalmente – por inanição retórica, uma variação maligna da síndrome das palavras vazias.
A sabedoria popular nos ensina que a diferença entre veneno e cura é a dosagem do remédio. No caso dos debates, uma autópsia deveria investigar a possibilidade de overdose. Em outras palavras, espalhar-se por várias emissoras de TV pode ser um dos fatores que mataram, lentamente, o formato.
Os debates deixaram de ser um momento de expectativa dentro do processo eleitoral. Caíram na vala da banalização. Os candidatos se enfrentam mais de meia dúzia de vezes em frente às câmeras. Repetem os argumentos, desgastam as promessas, ressuscitam o passado tantas vezes que a denúncia anda como morto-vivo, sem provocar cócegas no adversário.
Até os mais engajados se cansaram do volume de conversa fiada. É comum nas rodas de conversa: “Viu um, viu todos!” O debate também deixou de ser atraente em termos de audiência. Não altera o estado de coisas. Padece da inércia para o Ibope.
O debate político-eleitoral se manteve vigoroso desde o início dos anos 60, quando foi realizado pela primeira vez, na TV americana. Na ocasião, a CBS transmitiu o encontro entre o democrata John Kennedy e o republicano Richard Nixon. O impacto foi tão forte, com leituras contrárias sobre vencedor, que as emissoras abandonaram a ideia por uma década.
No Brasil, debates entraram para a história como fatores decisivos para uma eleição. A jornalista Marília Gabriela, no final dos anos 80, tentando controlar os presidenciáveis. A famosa edição do debate entre Collor e Lula, feita pelo jornal Nacional, em 1989. A pergunta de Boris Casoy para Fernando Henrique: “Você acredita em Deus?” A falta de convicção de FHC teria abalado à candidatura para prefeito de São Paulo.
Candidatos na dianteira desprezam os debates, cientes de que pouco ou nada perderão nas pesquisas de opinião. O próprio Lula tomou tal atitude. João Paulo Tavares Papa adotou a versão caiçara de ausência e ganhou sem arranhões, em 2008. Nesta campanha, Alberto Mourão, em Praia Grande, também toma chá de sumiço a cada debate que se desenha na TV.
A última pesquisa divulgada por este jornal reforça que o modelo havia entrado em coma. Menos de 10% dos entrevistados acompanham a campanha eleitoral via debates na TV. Mais do que o dobro disseram acompanhar pelo horário eleitoral gratuito, a noiva negociada a dotes pelos candidatos.
Mas é preciso tomar cuidado! O eleitor é um bicho arisco, como o caipira que finge concordar com os arrotos de presunção do primo da cidade. O eleitor, no geral, se cansou do palavrório e assiste ao horário eleitoral como se fosse um programa de televendas: cai no canal sem querer, vê uma ou outra oferta, mesmo sem dinheiro, e segue a peregrinação por controle remoto. Os debates, que simbolizariam a liberdade democrática, estão presos na própria armadilha. A preocupação em se organizar, em evitar que candidatos falem o que quiser sem controle, deu margem para o excesso de regras.
As emissoras, em muitas situações, se submeteram às amarras dos candidatos, cujos nós são atados pelos assessores e pensadores de marketing. A sobrevivência da burocracia, por meio de regulamentos rígidos, assassinou toda e qualquer chance de se ver alguma espontaneidade política. Os debates, infelizmente, deixaram de ser o antídoto para o tédio de campanhas cada vez mais plásticas e ocas de discursos múltiplos. Tornaram-se tão previsíveis quanto um corpo que acaba de falecer.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Pelo segundo turno
As duas últimas pesquisas eleitorais, incluindo a publicada neste jornal, me deixaram assustado. O medo nasceu por conta das chances reais da eleição para prefeito de Santos ser decidida no primeiro turno. Antes que os apressados ou cínicos distorçam esta coluna em prol de um candidato ou outro, é preciso dizer que nada tenho contra o líder das pesquisas nem apoio ou visto a camisa de quaisquer outros concorrentes.
Nove candidatos à Prefeitura poderiam indicar, teoricamente, uma multiplicidade de ideias sobre o gerenciamento da cidade nos próximos quatro anos. Ao menos, criar alternativas para aqueles que não desejam a mesma turma – que habita a Praça Mauá há quase 16 anos – no poder. Ou permitir ao eleitor confirmar esta opção diante de um leque maior de prefeituráveis, inclusive os que estiveram no poder político nas últimas duas décadas.
Abdicar do segundo turno é virar as costas para o debate político, para a comparação de propostas, para o questionamento concreto sobre projetos de administração pública. Infelizmente, os próprios candidatos colaboram com esta postura conservadora do eleitor santista, demonstrada com maior veemência nos últimos oito anos.
A campanha não fez cócegas na rotina dos eleitores. As opções se mostraram parecidas. As estratégias se comportam como irmãs siamesas. Os discursos esbarram na megalomania das obras improváveis, até porque não dependem do dinheiro da Prefeitura. O horário eleitoral gratuito é a cereja do bolo de formato-padrão, recheado de mesmice e com pitada de humor de mau gosto.
Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), que lidera as pesquisas, precisa enfrentar – como qualquer outro candidato – o segundo turno. Uma segunda votação elimina a fumaça que esconde as ideias, os comportamentos e as ações dos candidatos.
O segundo turno extermina os franco atiradores, expõe os concorrentes sedentos de migalhas na administração e enterra os velhos discursos das campanhas viciadas em tempos mortos. O segundo turno coloca na vitrine, de maneira quase crua, o candidato que caminhava mascarado por jingles, imagens plásticas e maquiagem de festa.
Mais do que os enfeites e as alegorias que aproximam a corrida eleitoral do carnavalesco, uma votação em segundo turno obriga – de certa forma – os dois candidatos a conversar com praticidade sobre programa de governo. Neste sentido, os ataques pessoais e as distorções de projetos alheios se transformam em tiros no pé. Quem vai ao segundo precisa ter algo a dizer, com o risco de ficar mudo por não ter ouvidos a acompanhá-lo em promessas e abobrinhas em geral.
O segundo turno é, ainda que sem garantias, o único caminho para provar se alguém possui condições de se sentar na cadeira de prefeito com legitimação popular. Enfrentar e vencer duas votações implica em reconhecimento da maior parcela da população, mesmo com tendências à bipolaridade. Aliás, não é o caso do pleito atual. O cardápio de alternativas, em princípio, indicava vários trajetos. Pena que muitos se mostraram membros do time de iguais.
Santos, para incendiar o processo eleitoral, precisa jogar sete cartas fora da mesa e permanecer com duas nas mãos por mais três semanas em outubro. Entre outras coisas, talvez possa servir de exemplo para cidades vizinhas como São Vicente e Praia Grande, que patinam na mesma receita de poder coronelista há duas décadas.
terça-feira, 11 de setembro de 2012
A bicicleta e o gato
A ghost bike foi retirada na quinta, 6 de setembro |
Santos ganhou um monumento
há quase três semanas. E o perdeu há cinco dias. Monumentos, mais que do que
enaltecer pessoas ou lugares, dizem quem nós somos ou nos alertam para o
passado que não deveríamos mais repetir. Via de regra, os mais importantes são
aqueles que brotam de ações anônimas, e não de atos premeditados pelo Estado e
seus governantes.
Santos ganhou uma ghost
bike. O monumento representou, acima de tudo, o grito contra a selvageria que
decidimos adotar no trânsito da cidade. A bicicleta branca, pendurada a dois
metros de altura, na esquina das avenidas Conselheiro Nébias e Afonso Pena,
expôs o caos sobre rodas, no qual todos os atores tem a sua cota de
responsabilidade.
A bicicleta, enquanto
novidade, atraiu a curiosidade de muita gente que, ao menos por um minuto,
pisou no freio do próprio cotidiano para refletir sobre as escolhas que fizemos
(ou deixamos fazer) no gerenciamento de tráfego e de transporte coletivo em
Santos.
A bicicleta escancarou a
imagem de que planejamento não é uma de nossas melhores qualidades. Apenas a
morte nos tira da inércia. Foi preciso que uma ciclista morresse para que se
pensasse sobre o trânsito como um revólver com o dedo no gatilho.
A ciclista tem nome e
sobrenome e não é preciso conhecê-la para se lembrar dela, inclusive pelo que
passou a representar. Raquel Guimarães Martho tinha 66 anos e levava um gato
para castração, em 23 de agosto, quando foi atingida por um caminhão. Possuía
outros 13 animais. Era militante na defesa dos animais. Deixou uma filha,
grávida de cinco meses.
É fundamental aproveitarmos
o momento eleitoral (fase na qual os políticos saem de seus gabinetes e tentam
manter contato com os mortais que apertam as teclas das urnas) para cobrar
ações efetivas que organizem o trânsito da cidade.
A situação é tão séria que
muitas pessoas resolveram, por exemplo, trocar os ônibus por caminhadas. A
necessidade que faz a qualidade de vida, diriam os cínicos. O trajeto do Canal
1 até a avenida Conselheiro Nébias pode ser feito, a pé, em 40 minutos. Entre
17 e 19 horas, o mesmo trecho via ônibus leva o dobro do tempo. Daria para
chegar à São Paulo pela ponte rodoviária.
Optamos por digerir a
retórica da autobajulação política nas ciclovias, incompletas, que muitas vezes
conectam lugar nenhum com o vazio geográfico. Os ciclistas, de fato, são
obrigados a abandonar a via para acessar avenidas transversais. E transformar
uma das calçadas do Canal 1 em ciclovia não simboliza atitude digna de ser
classificada como inteligente.
Enquanto se mantinha em pé,
passei por duas vezes em frente ao monumento. Uma delas, inclusive, para
fotografar o lugar. Numa das visitas, cinco operários observavam e tentavam
trocar informações sobre a morte de Raquel. O problema entrou na agenda daquele
grupo de trabalhadores.
Na outra visita, de dez
minutos, foi possível testemunhar ciclistas entre os carros na avenida Afonso
Pena, a dois metros da ciclovia. Taxistas rompiam o semáforo para ganhar meia
dúzia de segundos a mais. Motoristas paravam seus carros com status em
financiamento de 36 vezes (a juros de 0.99%) na faixa de pedestres.
Uma moça saiu do ponto de
ônibus e, admirada com as flores que cercavam o monumento, me perguntou
detalhes sobre o acidente. Parou para ler o manifesto pregado abaixo da
bicicleta branca. Foi neste momento que uma senhora abordou a colega jornalista
que estava comigo. A senhora olhou para a bicicleta, virou-se para a jornalista
e perguntou:
— Você sabe se o gato se
salvou?
Tive a impressão de que, onde vivemos, a bicicleta branca corre o risco de virar uma Torre de Babel.
terça-feira, 4 de setembro de 2012
O político-pastel
O retorno é discreto,
coerente com o desaparecimento por quatro anos. A conversa, de pé de ouvido,
nasce amistosa. Quem ressuscitou finge interesse e estimula o interlocutor a
conduzir – de maneira ilusória – o diálogo. O tom baixo de voz contrasta com os
berros dos vendedores que precisam atrair os desconfiados clientes.
O visitante, tal um elefante em loja de cristais, sabe da má reputação de seus colegas (ele sempre se considera exceção) e, por isso, precisa de paciência para conquistar quem tende a considerá-lo fruta de final de feira.
O estranho no ninho não trabalha como um solitário. O sonho é transparecer onipresença. Um exército de aliados de ocasião foi contratado, devidamente equipado com bandeiras, camisetas e pilhas de papéis cujo nome derivou da religião. Os “santinhos” também estão nas mãos dos que atuam como voluntários. Trabalhar de graça não merece canonização; estes apenas aguardam o melhor momento para cobrar o sagrado esforço.
O visitante não assume responsabilidades. É um bom ouvinte, palpita na hora certa e aproveita a idéia do novo amigo para propor soluções que oferece como inéditas ou criativas. Não se importa em parecer contraditório, pois as palavras se perdem entre as caixas de tomates e alfaces.
O candidato a vereador, este que aparece na feira livre de vez em nunca, pode ser detectado de longe. Bem vestido, ele não carrega os utensílios básicos para a sobrevivência neste local com origem na Idade Antiga. A fantasia pode incluir uma calça social e sapatos – para transmitir elegância – ou um jeans, camiseta e tênis básicos, com ar de casualidade, proximidade com as pessoas que não o conhecem ou não se importaram em reclamar do desaparecimento.
A ordem é chegar como se não houvesse passado. Distribuir “santinhos” é papel dos soldados – educados, por sinal. O candidato distribui “afeto”. Corpo a corpo, apimentado por sorrisos. Beijos, abraços, apertos de mãos indicam um flerte no qual o alvo não precisa ter nome, mas título de eleitor. É importante a disposição para receber um afago na cabeça ou levar um bebê para que o visitante o pegue no colo.
A feira livre é um ponto democrático. Não cobra status. Você pode somente perambular por lá ou conversar com quem quiser sem ser importunado. Os sujeitos folclóricos e criativos nas rimas exalam cultura popular, além de oferecer produtos tradicionais e exóticos e preços a serem barganhados com bom humor. Vendedores e compradores que se conhecem há anos compartilham confidências, sentem falta um do outro quando a ausência é superior a uma semana. Todos assistem com resignação aos visitantes que renascem em períodos eleitorais, conversam, soam (e suam!) preocupação e somem por encanto.
Com sabedoria, um amigo comparou estes personagens ao pastel da própria feira livre. Compõe o cenário, não representa unanimidade entre feirantes e consumidores e é recheado de vento. Neste último caso, vale o olhar sobre as propostas (promessas) de alguns concorrentes.
Obs.: O texto acima foi publicado no início de setembro de 2008, há exatos quatro anos, no jornal Boqnews e no blog Conversas e Distrações. Infelizmente, não precisei mexer uma vírgula no texto, tamanha a atualidade.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
A obra é só do Beto?
Numa campanha eleitoral
previsível e tediosa, o maior fenômeno da corrida à Prefeitura de Santos é o
perfil no Facebook chamado “Obra do Beto”. O perfil é uma versão humorística
dos cavaletes espalhados pela equipe do candidato do PP. Na versão virtual,
Beto Mansur é responsabilizado pela construção das sete maravilhas do mundo,
por ter cedido o jatinho a Neymar, pela criação do pastel de carne, da
sexta-feira e da Teoria da Relatividade, entre outras fantasias. Quase nove mil
pessoas já comentaram sobre este assunto. Quase três mil seguem a página no
Facebook.
Beto
Mansur disse à imprensa que gostou do tom bem humorado. Mas que sua equipe de
campanha estaria monitorando abusos. No velho estilo “bem ou mal, mas falem de
mim”, o candidato adotou, de fato, uma reação esperada. Brigar com o humor em
política significa, além de assinar embaixo nas contestações, aumentar o poder
de fogo do riso e do escárnio.
O
candidato do PP tem evitado conflitos. Mesmo quando provocado em debates, adota
o tom explicativo e conciliatório. Até porque as pesquisas indicam uma
tendência de aproximação da candidatura de Telma de Souza, atual segunda
colocada.
Mas
o fator principal é que Mansur possui o maior índice de rejeição entre os nove
concorrentes. Em média, 40% dos entrevistados jamais votariam nele, índice que
coloca em dúvida as chances de alcançar o segundo turno.
O
perfil “Obra do Beto”, mais do que provocar o candidato do PP, nos mostra dois
pontos importantes nesta campanha eleitoral. O primeiro é a presença do humor.
Rir dos políticos nos torna mais saudáveis para acompanhar os absurdos que
prometem e fazem, ainda mais expostos gratuitamente no rádio e na TV.
O
humor também alcança degraus de crítica que outras linguagens – o jornalismo,
por exemplo – não conseguem ou não desejam atingir. O humor cultiva a
capacidade de rirmos de nós mesmos, cientes de que os delírios da classe política
encontram abrigo e legitimidade em boa parcela do eleitor, suposta e
equivocadamente visto como ingênuo ou bondoso por princípios.
Na
campanha presidencial, dois anos atrás, houve uma tentativa de silenciar a
turma do humor. O tiro desnudou a faceta autoritária de alguns candidatos, que
se agarram na onda do politicamente correto. Esta onda, com o sorriso amarelo
de turma do bem, patrulha, persegue e condena como inquisidores aqueles que
pensam e agem fora do padrão.
O
segundo fator é que o perfil “Obra do Beto” não se restringe a Beto Mansur. Ele
apenas exercitou, de maneira mais escandalosa, uma prática comum aos políticos.
Candidatos, cedo ou tarde, cedem à tentação do personalismo. Abandonam suas
siglas, se esquecem por conveniência de suas equipes, e adotam o discurso do
“eu absoluto”. Eu fiz. Eu construi. Eu pensei.
A
megalomania é característica marcante dos narcisistas. E políticos são
narcísicos por natureza. Adoram uma plateia. Têm orgasmos políticos com os
holofotes. São viciados em bajuladores a sua volta. Em um dos debates na TV, o
candidato do PSDB, Paulo Alexandre Barbosa, usou tantas vezes a palavra “eu”,
que outro candidato – que não é exceção – advertiu o colega pelo comportamento
egocêntrico.
O perfil “Obra do
Beto” acrescenta molho a uma campanha sem tempero, na qual ninguém se arrisca,
na qual todos falam sobre os mesmos assuntos do mesmo jeito. A festa de frases
feitas e gestos devidamente calculados nos aponta que, no fundo, todos desejam
ser os pais da criança. Beto Mansur apenas pediu primeiro para fazer o teste de
DNA.
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
E o vento levou ...
Eles estavam desaparecidos
há quase quatro anos. Sumiram das ruas. Jurei tê-los enterrado nos cafundós da minha
memória. Minha ilusão se alimentava de uma ideia: nunca mais os veria. Até
porque ninguém mais falava sobre eles. Mortos por indiferença.
De
dois meses para cá, resolveram nos visitar novamente, como aquele parente indesejado
que toca a campainha tarde da noite, numa visitinha sem avisar, coloca os pés
no sofá e diz estar com fome. Eles voltaram! Não abrem a boca, mas a presença
delas suja o ambiente. Como são da mesma família, mancham a visão pela
semelhança física. Logo, não adianta fugir deles. Sempre haverá um membro do
clã a te olhar na próxima esquina.
Embora
parentes, eles estão poucas vezes juntos. Uma das marcas da família é a
competitividade. Disputam o mesmo pedaço de chão; às vezes, com estratégias
nada louváveis, o que inclui até sabotagens nas madrugadas. Aliás, todos – por
lei – precisam voltar para casa às 22 horas, sob risco de multa em dinheiro.
Dinheiro, um combustível importante para justificar a resistência física desta
gente.
Eles
são madrugadores. Acreditam piamente no ditado da ajuda divina para quem cedo
madruga. Seis horas da manhã, inclusive na frente da igreja. Até outubro,
levantar com as galinhas é ritual para quem sonha em se destacar nesta família
de iguais.
Nossos
“amigos” preferem se espalhar pelas esquinas para demarcar um território maior
– e quem sabe? – grudar nas mentes distraídas como música-chiclete de rádio FM.
Destacam-se – como grupo – na multidão. Fingem simpatia, com a marca do sorriso
amarelo. Sempre têm uma palavra acolhedora, de garantia de futuro melhor. Saem
bem na foto.
Eles
costumam escolher frases feitas, simplistas até. É a receita básica da
propaganda. Ser narcisista, encenar solidariedade e jamais explicar suas
intenções. Confundir quem dá atenção a eles, tomando para si desejos e angústias
de quem cometeu o pecado de ouvi-los por alguns segundos.
Quando passo por eles, percebo que escolhem os assuntos de
sempre. Banalizam termos como ética, família, educação e saúde. Quando provocam
muita desconfiança, insistem em redesenhar o passado. Reconstroem a memória com
glórias e honras, chamando para si todos os sucessos – ainda que muitos não
pertençam a eles – e exorcizam os fracassos e escorregões morais como um
religioso diante do mal personificado.
Esta semana, eles não passaram impunes pelas ruas da
cidade. Sofreram diversos ataques de “terroristas” silenciosos, precisos como
um cirurgião, porta-vozes de grupos incomodados com a desfaçatez.
Numa destas tardes, mais de uma dezena deles jazia nas
calçadas da Avenida Conselheiro Nébias. Solenemente ignorados, estrebucharam
por horas, estirados como o moribundo à espera de socorro. O vento, talvez
pelas preces coletivas, os mantinha em posição horizontal, rejuvenescendo a
imagem da cidade.
À noite, outros apareceram afogados no canal 4. Os
autores do “crime” não foram localizados. Nenhum grupo assumiu a autoria da
caridade. Na orla da praia, ciclistas os transformaram em bolas de futebol. Os
chutes fizeram com que os visitantes repousassem nos gramados. Nenhum juiz teve
a coragem de marcar falta. Só não apareceram os humoristas que, há quatro anos,
redesenhavam a maquiagem que realça o sorriso circense.
As reações anônimas ou climáticas me lembram de contar os dias para que estes intrusos deixem a cidade em paz. Tenho certeza – promessa de campanha – que os cavaletes tomarão o caminho da roça em outubro. Ainda assim, rezo para que venham novos sopros do fiscal eleitoral lá em cima.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
A plantação de Tiriricas
Precisava expurgar meus
pecados. Poderia ter ido à igreja ou visitado um sacerdote. Mas por preguiça – sempre
um herege! – preferi limpar minha alma em casa mesmo. Liguei a TV para assistir
ao primeiro dia do horário eleitoral gratuito. Ali, imaginei que veria gente
bem pior do eu, o que confortaria minha consciência no purgatório e aumentaria
minhas chances de tomar o elevador para cima.
Sarcasmo à parte, assisti por obrigação e curiosidade
profissional. O horário eleitoral, cuja gratuidade é uma aberração jurídica,
segue supervalorizado como se fosse a solução para as campanhas mal conduzidas
ou a ratificação daqueles que se julgam eleitos. As pesquisas apontam que quase
60% dos eleitores não se interessam pela hora diária de blábláblá no rádio e na
TV.
A
estreia envolveu os candidatos a vereador. Seria engraçado se não fosse
deprimente, quase um AVC. Se não fosse uma repetição das velhas estratégias que
esgarçam a imagem do processo eleitoral, que transformam a política num
exercício de cinismo, superficialismo nos argumentos e oportunismo individual.
O
horário eleitoral mostrou o que se esperava dele. Em linhas gerais, os
candidatos distorcem ou desconhecem os papeis de um vereador. Prometem obras e
programas públicos que são funções do Poder Executivo. Jamais falam em
legislação ou em fiscalizar as ações do prefeito.
Como
discurso, os candidatos – em sua maioria esmagadora – misturam e esvaziam
palavras da moda como confiança, família, ética e trabalho. Jogam todas em um
liquidificador e vomitam um palavrório acelerado (o tempo é de alguns segundos
para cada um) de boas intenções, porém vazias de consistência para o debate
público.
Os
candidatos de primeira viagem reforçam a retórica da renovação, sem explicar
porque representam a novidade. Aqueles que estiveram na Câmara ou que pretendem
permanecer por mais quatro anos utilizam a tática do balanço. Falam em
quantidade de trabalhos, lista que inclui requerimentos, pedidos de poda de
árvores, títulos de cidadão e outros pormenores cotidianos do toma-lá-dá-cá da
função.
É
óbvio que aparecem os candidatos que tentam se aproveitar da fama em outras
áreas. Tem o cantor de pagode e o ex-jogador de futebol, que acreditam que seus
próprios nomes bastam para se tornarem vereadores. O discurso é como um samba
que desafina na nota ou como um gol perdido na pequena área, tamanho o vácuo de
conteúdo.
O
elenco do circo de horrores se completa com os candidatos que lutam para se
destacar na multidão. Na minha cidade, Santos, são mais de 450 pessoas na briga
por 21 vagas, proporção digna de vestibular de universidade pública. Como
estratégia rasteira, apelam para um slogan de rimas pobres. Um deles rimou o “al”
de seu nome para nos livrar do mal. Uau!
No
desespero para atrair os holofotes em poucos segundos, arroubos criativos como
abraçar a própria mãe, colocar um sujeito ao lado para apontar e dizer “É o
cara”, ou fazer movimentos a la Karatê Kid para afirmar que luta por nós.
Mas
a cereja do bolo são os candidatos que escondem suas
identidades — seria vergonha ou falta dela? — atrás de fantasias. Por aqui,
apareceu um sujeito vestido de Jack Sparrow. Falava em espanhol. E terminava
com a rima paupérrima: “Chega de mamata! Vote no pirata!”.
Juro
que me esforcei para achar engraçado. A eleição é séria demais e, por isso,
merece humor. Mas não dos candidatos. Deixem para os humoristas, que fiscalizam
os palhaços da vez. Se a estratégia do navegante clone de Jonhny Deep vai
naufragar ou não, depende do grau de tolice do eleitor. Até porque todo colégio
eleitoral tem o Tiririca que merece!
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
O tabu do crack
Eduardo (nome fictício) estava magro demais. Um fiapo humano, só com a roupa do corpo. Morava, há um ano, na rua por conta do vício, que tentara largar duas vezes. Não trabalhava desde então e, quando tentava emplacar algum bico, perdia a vaga pela ausência de documentos. Deixara sua identidade e outros papéis nas mãos de um traficante como parte do pagamento de uma dívida de pedras.
Eduardo, que reencontrara a família depois de adulto, quando emigrou do Nordeste, entendeu duas coisas. A primeira era que não tinha mais como afundar na vida. Virara um indigente. A segunda era que precisava procurar ajuda. Engoliu o que sobrou de orgulho e procurou parentes próximos.
A história de Eduardo, aqui contada de modo a preservar a identidade dele e de seus familiares, se multiplica embaixo das marquises e em praças de Santos. Não é preciso procurar muito para encontrar grupos se abrigando na porta de lojas e residências na Vila Mathias, Marapé, Aparecida, Embaré, Encruzilhada e Gonzaga, apenas para mencionar alguns bairros por onde caminhei esta semana.
O crack se tornou epidemia nacional, mas ainda é visto como um problema jurídico ou de segurança pública. É um olhar necessário, mas que não pode ser visto como único, que descarta quaisquer outras leituras sociais. E, inclusive, vira alvo de manipulação política, com o respectivo silêncio em ano de campanha eleitoral.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que aumenta a pena para traficantes de crack. A lei atual define reclusão de 5 a 15 anos para tráfico de entorpecentes. Se o projeto passar pelo Senado, o tráfico de crack passaria a ter pena de, no mínimo, dez anos de cadeia.
A notícia é boa, mas não desata o nó por inteiro. O consumo de crack é um caso de saúde pública, que envolve estrutura de tratamento, internação e recuperação dos usuários. É fundamental a criação de um sistema de atendimento que conecte cidades de uma mesma região, com a formação de equipes multidisciplinares, de médicos a psicólogos, de enfermeiros a assistentes sociais.
Neste ponto, nascem as fantasias, os delírios e os silêncios da classe política. Até o momento, a campanha eleitoral nos traz mais profetas do que administradores municipais. Todos professam em tom abstrato, evitam se comprometer com prazos, programas e medidas concretas.
Quando tagarelam um pouco mais, reciclam (ou resgatam, palavrinha adorada) projetos faraônicos que pulam de gaveta em gaveta há anos. Ou se dizem pais de crianças que já cresceram, tanto tempo faz que a obra foi concluída. Com o atraso de praxe, é claro.
Nenhum candidato abre a boca ou se mostra interessado em mexer na ferida do crack, fora a retórica pontual. Os consumidores vivem nas catacumbas sociais e representam as sombras que muitos desejam limpar de seus olhos. Não é difícil localizar os usuários, espremidos em guetos de vida noturna. A praça do INSS, na Aparecida; a Gruta de N.Senhora de Lourdes, no José Menino; a linha trem, entre as ruas Silva Jardim e Campos Melo.
Eduardo teve sorte. Seus parentes se uniram para ressuscitá-lo. Tios separaram roupas. Ele ficou alguns dias na casa de uma prima. Pode fazer refeições completas até que um dos primos conseguisse vaga em uma clínica particular. Eduardo está internado há um mês, com bons sinais de recuperação. Só falta – e não depende da família - transformá-lo em regra.
sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Carta ao Cascão
Caro Cascão, escrevo para me
desculpar com você. Usei seu nome em vão. Não cheguei a gritar aos quatro
ventos. Sequer sussurrei com amigos próximos, como fofoca de família. Mas o ato
de pensar em seu nome me deu a sensação de cometer uma injustiça.
Você, Cascão, nunca espalhou sujeira. No máximo, uma
fedentina que afetou os amigos próximos, principalmente o que fala errado. Por
causa do medo de água, te confundi com outro personagem de seu universo, o
Capitão Feio. Ao morar nos esgotos, este vilão obscuro sempre tentou te arrastar
para o caminho da poluição, mas jamais conseguiu por ser contra sua natureza.
Lembrei-me de você como metáfora do que acontece na minha
cidade. Você personificaria o comportamento de centenas de candidatos que, como
o Capitão, emporcalham o cenário de tantas histórias. E o chiqueiro só aumentará
até outubro.
Os “sugismundos” não são criativos. Copiam uns aos outros
como seres da mesma espécie. Começam a invasão lentamente, com os cartazes
lambe-lambe. Misturam-se a shows, ícones religiosos e publicidade em geral.
Tenho saudades de um grupo que, com humor, escrevia
mensagens em cavaletes de candidatos, há quatro anos. Conheci alguns dos
autores que, espirituosos, entendiam sua arte como protesto e reuso destes
objetos que massacram visualmente as esquinas.
Mas a luta deles é inglória. A sujeira, caro amigo,
ganhou tamanho e mobilidade. Os colantes, antes tímidos, agora ocupam todo o
vidro traseiro dos carros, fora as bicicletas. Nomes, números, slogans clichês
e rostos sorridentes se cruzam em um trânsito cada vez mais entupido pela
cultura do automóvel e pela ausência de políticas públicas de transporte.
Cascão, sua aversão ao banho nasceu na mente e nos traços
em papel de teu pai, Maurício de Souza. Marcou a infância de muitos leitores
iniciantes como eu. Mas você soube “crescer” e estender sua presença em novas
tecnologias para alcançar as crianças de hoje. Minha filha brinca com você e o
restante da Turma da Mônica na Internet. Meu filho te assiste em DVD.
Os clones do Capitão Feio também descobriram o mundo
virtual e o transformaram numa versão emporcalhada da realidade concreta. É
chavão, para eles, citar a candidatura de Barack Obama – o presidente dos EUA,
sabe? – como exemplo de sucesso na campanha nas redes sociais. Mas ninguém leu
as estratégias, todos ignoraram o papel da Internet na política e não
entenderam o contexto particular daquele país.
Por conta disso, eles fizeram da tela do computador uma
caçamba de entulho. São os mesmos santinhos que calam as bocas-de-lobo, agora
na versão on-line. Há candidatos que vomitam fotos de si mesmos a cada meia
hora. Quem se julga mais criativo espalha imagens de eventos. Qualquer
acontecimento de rodapé de página é alçado à notícia do ano. Missa, churrasco,
passeio em calçadão; vida ordinária vira sujeira pública virtual.
Sua sujeira, caro amigo, sempre foi parte de você. Mas
apenas de ti. Entre os que poluem a cidade, há até aqueles que se vestem de
verde. De fato, meio ambiente é uma retórica que sensibiliza muita gente, porém
ausente da prática do dia-a-dia. Se você conhecesse minha cidade, veria quanto
as crianças daqui convivem com o cinza do concreto.
Cascão, peço novamente perdão por
pensar em seu nome. Sua vida pode ser suja, mas com o lirismo único das
crianças que, no máximo, tentam fugir do banho. Por isso, você jamais entenderá
até onde poderá chegar o nível de sujeira dos capitães.
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