sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Carta ao Cascão


Caro Cascão, escrevo para me desculpar com você. Usei seu nome em vão. Não cheguei a gritar aos quatro ventos. Sequer sussurrei com amigos próximos, como fofoca de família. Mas o ato de pensar em seu nome me deu a sensação de cometer uma injustiça.            

Você, Cascão, nunca espalhou sujeira. No máximo, uma fedentina que afetou os amigos próximos, principalmente o que fala errado. Por causa do medo de água, te confundi com outro personagem de seu universo, o Capitão Feio. Ao morar nos esgotos, este vilão obscuro sempre tentou te arrastar para o caminho da poluição, mas jamais conseguiu por ser contra sua natureza.

Lembrei-me de você como metáfora do que acontece na minha cidade. Você personificaria o comportamento de centenas de candidatos que, como o Capitão, emporcalham o cenário de tantas histórias. E o chiqueiro só aumentará até outubro.

Os “sugismundos” não são criativos. Copiam uns aos outros como seres da mesma espécie. Começam a invasão lentamente, com os cartazes lambe-lambe. Misturam-se a shows, ícones religiosos e publicidade em geral.

Tenho saudades de um grupo que, com humor, escrevia mensagens em cavaletes de candidatos, há quatro anos. Conheci alguns dos autores que, espirituosos, entendiam sua arte como protesto e reuso destes objetos que massacram visualmente as esquinas.

Mas a luta deles é inglória. A sujeira, caro amigo, ganhou tamanho e mobilidade. Os colantes, antes tímidos, agora ocupam todo o vidro traseiro dos carros, fora as bicicletas. Nomes, números, slogans clichês e rostos sorridentes se cruzam em um trânsito cada vez mais entupido pela cultura do automóvel e pela ausência de políticas públicas de transporte.

Cascão, sua aversão ao banho nasceu na mente e nos traços em papel de teu pai, Maurício de Souza. Marcou a infância de muitos leitores iniciantes como eu. Mas você soube “crescer” e estender sua presença em novas tecnologias para alcançar as crianças de hoje. Minha filha brinca com você e o restante da Turma da Mônica na Internet. Meu filho te assiste em DVD.

Os clones do Capitão Feio também descobriram o mundo virtual e o transformaram numa versão emporcalhada da realidade concreta. É chavão, para eles, citar a candidatura de Barack Obama – o presidente dos EUA, sabe? – como exemplo de sucesso na campanha nas redes sociais. Mas ninguém leu as estratégias, todos ignoraram o papel da Internet na política e não entenderam o contexto particular daquele país.

Por conta disso, eles fizeram da tela do computador uma caçamba de entulho. São os mesmos santinhos que calam as bocas-de-lobo, agora na versão on-line. Há candidatos que vomitam fotos de si mesmos a cada meia hora. Quem se julga mais criativo espalha imagens de eventos. Qualquer acontecimento de rodapé de página é alçado à notícia do ano. Missa, churrasco, passeio em calçadão; vida ordinária vira sujeira pública virtual.

Sua sujeira, caro amigo, sempre foi parte de você. Mas apenas de ti. Entre os que poluem a cidade, há até aqueles que se vestem de verde. De fato, meio ambiente é uma retórica que sensibiliza muita gente, porém ausente da prática do dia-a-dia. Se você conhecesse minha cidade, veria quanto as crianças daqui convivem com o cinza do concreto.

Cascão, peço novamente perdão por pensar em seu nome. Sua vida pode ser suja, mas com o lirismo único das crianças que, no máximo, tentam fugir do banho. Por isso, você jamais entenderá até onde poderá chegar o nível de sujeira dos capitães. 

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