sexta-feira, 17 de agosto de 2012
O tabu do crack
Eduardo (nome fictício) estava magro demais. Um fiapo humano, só com a roupa do corpo. Morava, há um ano, na rua por conta do vício, que tentara largar duas vezes. Não trabalhava desde então e, quando tentava emplacar algum bico, perdia a vaga pela ausência de documentos. Deixara sua identidade e outros papéis nas mãos de um traficante como parte do pagamento de uma dívida de pedras.
Eduardo, que reencontrara a família depois de adulto, quando emigrou do Nordeste, entendeu duas coisas. A primeira era que não tinha mais como afundar na vida. Virara um indigente. A segunda era que precisava procurar ajuda. Engoliu o que sobrou de orgulho e procurou parentes próximos.
A história de Eduardo, aqui contada de modo a preservar a identidade dele e de seus familiares, se multiplica embaixo das marquises e em praças de Santos. Não é preciso procurar muito para encontrar grupos se abrigando na porta de lojas e residências na Vila Mathias, Marapé, Aparecida, Embaré, Encruzilhada e Gonzaga, apenas para mencionar alguns bairros por onde caminhei esta semana.
O crack se tornou epidemia nacional, mas ainda é visto como um problema jurídico ou de segurança pública. É um olhar necessário, mas que não pode ser visto como único, que descarta quaisquer outras leituras sociais. E, inclusive, vira alvo de manipulação política, com o respectivo silêncio em ano de campanha eleitoral.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que aumenta a pena para traficantes de crack. A lei atual define reclusão de 5 a 15 anos para tráfico de entorpecentes. Se o projeto passar pelo Senado, o tráfico de crack passaria a ter pena de, no mínimo, dez anos de cadeia.
A notícia é boa, mas não desata o nó por inteiro. O consumo de crack é um caso de saúde pública, que envolve estrutura de tratamento, internação e recuperação dos usuários. É fundamental a criação de um sistema de atendimento que conecte cidades de uma mesma região, com a formação de equipes multidisciplinares, de médicos a psicólogos, de enfermeiros a assistentes sociais.
Neste ponto, nascem as fantasias, os delírios e os silêncios da classe política. Até o momento, a campanha eleitoral nos traz mais profetas do que administradores municipais. Todos professam em tom abstrato, evitam se comprometer com prazos, programas e medidas concretas.
Quando tagarelam um pouco mais, reciclam (ou resgatam, palavrinha adorada) projetos faraônicos que pulam de gaveta em gaveta há anos. Ou se dizem pais de crianças que já cresceram, tanto tempo faz que a obra foi concluída. Com o atraso de praxe, é claro.
Nenhum candidato abre a boca ou se mostra interessado em mexer na ferida do crack, fora a retórica pontual. Os consumidores vivem nas catacumbas sociais e representam as sombras que muitos desejam limpar de seus olhos. Não é difícil localizar os usuários, espremidos em guetos de vida noturna. A praça do INSS, na Aparecida; a Gruta de N.Senhora de Lourdes, no José Menino; a linha trem, entre as ruas Silva Jardim e Campos Melo.
Eduardo teve sorte. Seus parentes se uniram para ressuscitá-lo. Tios separaram roupas. Ele ficou alguns dias na casa de uma prima. Pode fazer refeições completas até que um dos primos conseguisse vaga em uma clínica particular. Eduardo está internado há um mês, com bons sinais de recuperação. Só falta – e não depende da família - transformá-lo em regra.
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