Os trabalhadores negros estão ganhando mais. Mas, como diz a velha piada sobre estatística - o copo pode estar meio cheio ou meio vazio -, a notícia não merece grandes comemorações. Um levantamento feito em conjunto pela Fundação Seade e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indica que a renda dos trabalhadores negros cresceu cinco vezes nos últimos 10 anos, em relação à renda de brancos e amarelos.
No lado vazio do copo, a pesquisa também aponta que trabalhadores negros, na mesma função e com mesma escolaridade, recebem 61% da remuneração dos colegas brancos e amarelos. A situação teve leve retrocesso, mas ainda reproduz o quadro de desigualdade dos levantamentos feitos na última década. Se considerarmos o fator gênero, mulheres negras ficam no final da fila, com piores salários que as mulheres brancas.
Em termos gerais, a pesquisa da Fundação Seade e do Dieese reflete o que ocorre no Brasil. Entender o racismo brasileiro (e suas particularidades) significa ultrapassar as discussões sobre cor da pele. É fundamental incluir o fator socioeconômico para se chegar mais próximo das nuances culturais da discriminação racial à brasileira.
O levantamento nos traz, por exemplo, que o nível de desemprego entre negros caiu nos últimos dez anos. O principal fator é a estabilidade econômica nacional. Em 2002, 23,6% dos trabalhadores negros estavam desempregados. No final de 2011, 12,2%. Entre trabalhadores não negros, também houve queda. Em 2002, 16,4%. No final de 2011, 9,6%.
O caminhão de números acima serve somente como simples tradução para o cenário brasileiro. Qualquer análise que se faça apontará para maior inclusão dos negros em vários setores da sociedade. Por outro lado, este fato não deve atender aos desejos de uma elite intelectual branca, que insiste em dizer que o país não pratica o racismo.
Negros estão mais presentes nas universidades, mas não chegam a 10% do total e seguem concentrados em cursos de menor prestígio acadêmico, inclusive no valor das mensalidades. Nas licenciaturas, que formam professores, é possível verificar salas com até um terço dos universitários de origem negra. Muitos deles representam o primeiro de suas famílias a conseguir um diploma de ensino superior, o que reitera a pesquisa acima.
Quando entramos nas salas dos homens (ironicamente!) de branco, prevalece a sensação de que a Dinamarca é aqui! A lógica se torna inversamente proporcional.
Na TV, para mudarmos o olhar para a cultura pop, aumentou nos últimos dez anos a presença de negros no vídeo. Atrizes e atores protagonizam novelas, estrelam comerciais, apresentam programas. Mas ainda simbolizam exceções numa mídia que prega branco e loiro como características de padrão estético. Basta olharmos para as mesmas atrações.
Quando penso no Dia Nacional da Consciência Negra, minha reação é paradoxal. O lado idealista me diz que uma data como esta não deveria existir. Num cenário utópico, cor da pele, etnia e raça seriam conceitos obsoletos e desconsiderados como elemento de diferenciação.
A face realista me mostra que o dia 20 de novembro ainda é necessário para entendermos o país em que vivemos. Um país que cultiva o cinismo quando procura negar os processos discriminatórios que se repetem todos os dias. E onde uma parcela da população se apoia no sarcasmo para reduzir o Dia Nacional da Consciência Negra a uma extensão de dias de folga.
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