quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Cárcere privado


Fui deixar um amigo em um destes prédios novos, nas imediações do ferry-boat, na Ponta da Praia, em Santos. Era daquelas torres – autodenominação da construtora – que prometiam, no material publicitário, vista para o mar. O canal do estuário tem água salgada, mas me parece um pouco distante da paradisíaca vista marítima, que – por amor à terra – acreditamos ter.

O edifício era uma fortaleza. Para alcançar o elevador, três portões e a identificação junto a dois funcionários. Imaginei que, em instantes, pediriam carteira de identidade, CIC e comprovante de residência. O nome das torres misturava idiomas, mezzo francês, mezzo inglês. Enrolar a língua para falar onde mora eleva o status. Não estou acostumado com tanto glamour. Meu prédio tem o mesmo nome do bairro, Embaré. É fácil de guardar e homenageia a origem indígena, apesar de desconfiar que o critério para escolha do nome não tenha ligação com o Brasil colonial.

O apartamento segue a tendência: possui limite de capacidade humana, como os elevadores. De tão pequeno, o apertamento lota com meia dúzia de testemunhas. Mas o dono garante que a piscina e a pista de skate foram atrações que pesaram na compra. A piscina permanece como sonho de consumo. Por enquanto, só água quente de chuveiro. E o filho, este não é fã de esportes radicais.

A sensação, diante das chamadas torres e seus parques com nomes em inglês afrancesado, é de que estou em uma mini Alphaville. As mudanças urbanas, sem o planejamento adequado para questões ambientais, tentam forçar um modo de vida ainda incompatível com a cultura litorânea.

Fingimos ser paulistanos naquilo que eles têm de pior. Compramos a vida em bolhas de concreto e ferro. A cidade enfrenta problemas semelhantes, como violência urbana e trânsito, mas obviamente em proporções bem menores. Como descartar a praia e seus jardins para nos enfiarmos em shoppings, os cassinos sem roleta, onde se perde a noção de tempo, dentro da estratégia de aumento de gastos?

Ainda não entramos – pode ser questão de tempo – na era dos condomínios fechados, forma moderna de higienização social, modelo de autoexclusão a pretexto de que o mundo lá fora é perigoso demais. Na cultura do medo, procriamos grades, interfones, correntes e funcionários de terno e gravata que nos observam como tipos suspeitos.

Em grandes metrópoles, como São Paulo e Los Angeles, é possível passar meses sem sair do bairro, adquirindo suprimentos para o bunker anti-fim do mundo. E nada de 21 de dezembro, é no calendário brasileiro mesmo! Viramos seres urbanóides, que compramos acessórios imobiliários inúteis, como mercadorias supérfluas na prateleira do supermercado. “Um dia eu uso”, costumamos dizer.

Percebi o primeiro sintoma desta enfermidade social quando procurava apartamento para comprar, há oito anos. Nesta época, os preços dos imóveis eram para humanos. Seres extraterrestres não se encaixavam no público-alvo. A tática era, depois de ver o imóvel, conversar com o zelador ou outro funcionário do prédio. Sempre depois de se despedir do corretor, claro.

Em uma das visitas, o corretor falava dos enfeites que o prédio possuía. Entramos na academia, vazia e com cheiro de borracha virgem. Quando conversei com o zelador, perguntei se a sala de ginástica – ato falho do século passado – era nova. O zelador me olhou surpreso e respondeu:

— Inaugurou há seis meses, mas vive fechada.

— Nenhum morador faz academia?

— A maioria. Mas todo mundo treina fora. Quem vai querer ficar aqui sozinho?

A sabedoria do zelador é a garantia de que certos valores culturais, felizmente, mudam mais lentamente que o frenesi de consumo. Comprei um apartamento, em outro prédio. A sala e os quartos eram mais confortáveis, inclusive porque prefiro dormir com as pernas esticadas.

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