Precisava expurgar meus
pecados. Poderia ter ido à igreja ou visitado um sacerdote. Mas por preguiça – sempre
um herege! – preferi limpar minha alma em casa mesmo. Liguei a TV para assistir
ao primeiro dia do horário eleitoral gratuito. Ali, imaginei que veria gente
bem pior do eu, o que confortaria minha consciência no purgatório e aumentaria
minhas chances de tomar o elevador para cima.
Sarcasmo à parte, assisti por obrigação e curiosidade
profissional. O horário eleitoral, cuja gratuidade é uma aberração jurídica,
segue supervalorizado como se fosse a solução para as campanhas mal conduzidas
ou a ratificação daqueles que se julgam eleitos. As pesquisas apontam que quase
60% dos eleitores não se interessam pela hora diária de blábláblá no rádio e na
TV.
A
estreia envolveu os candidatos a vereador. Seria engraçado se não fosse
deprimente, quase um AVC. Se não fosse uma repetição das velhas estratégias que
esgarçam a imagem do processo eleitoral, que transformam a política num
exercício de cinismo, superficialismo nos argumentos e oportunismo individual.
O
horário eleitoral mostrou o que se esperava dele. Em linhas gerais, os
candidatos distorcem ou desconhecem os papeis de um vereador. Prometem obras e
programas públicos que são funções do Poder Executivo. Jamais falam em
legislação ou em fiscalizar as ações do prefeito.
Como
discurso, os candidatos – em sua maioria esmagadora – misturam e esvaziam
palavras da moda como confiança, família, ética e trabalho. Jogam todas em um
liquidificador e vomitam um palavrório acelerado (o tempo é de alguns segundos
para cada um) de boas intenções, porém vazias de consistência para o debate
público.
Os
candidatos de primeira viagem reforçam a retórica da renovação, sem explicar
porque representam a novidade. Aqueles que estiveram na Câmara ou que pretendem
permanecer por mais quatro anos utilizam a tática do balanço. Falam em
quantidade de trabalhos, lista que inclui requerimentos, pedidos de poda de
árvores, títulos de cidadão e outros pormenores cotidianos do toma-lá-dá-cá da
função.
É
óbvio que aparecem os candidatos que tentam se aproveitar da fama em outras
áreas. Tem o cantor de pagode e o ex-jogador de futebol, que acreditam que seus
próprios nomes bastam para se tornarem vereadores. O discurso é como um samba
que desafina na nota ou como um gol perdido na pequena área, tamanho o vácuo de
conteúdo.
O
elenco do circo de horrores se completa com os candidatos que lutam para se
destacar na multidão. Na minha cidade, Santos, são mais de 450 pessoas na briga
por 21 vagas, proporção digna de vestibular de universidade pública. Como
estratégia rasteira, apelam para um slogan de rimas pobres. Um deles rimou o “al”
de seu nome para nos livrar do mal. Uau!
No
desespero para atrair os holofotes em poucos segundos, arroubos criativos como
abraçar a própria mãe, colocar um sujeito ao lado para apontar e dizer “É o
cara”, ou fazer movimentos a la Karatê Kid para afirmar que luta por nós.
Mas
a cereja do bolo são os candidatos que escondem suas
identidades — seria vergonha ou falta dela? — atrás de fantasias. Por aqui,
apareceu um sujeito vestido de Jack Sparrow. Falava em espanhol. E terminava
com a rima paupérrima: “Chega de mamata! Vote no pirata!”.
Juro
que me esforcei para achar engraçado. A eleição é séria demais e, por isso,
merece humor. Mas não dos candidatos. Deixem para os humoristas, que fiscalizam
os palhaços da vez. Se a estratégia do navegante clone de Jonhny Deep vai
naufragar ou não, depende do grau de tolice do eleitor. Até porque todo colégio
eleitoral tem o Tiririca que merece!
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