Eles estavam desaparecidos
há quase quatro anos. Sumiram das ruas. Jurei tê-los enterrado nos cafundós da minha
memória. Minha ilusão se alimentava de uma ideia: nunca mais os veria. Até
porque ninguém mais falava sobre eles. Mortos por indiferença.
De
dois meses para cá, resolveram nos visitar novamente, como aquele parente indesejado
que toca a campainha tarde da noite, numa visitinha sem avisar, coloca os pés
no sofá e diz estar com fome. Eles voltaram! Não abrem a boca, mas a presença
delas suja o ambiente. Como são da mesma família, mancham a visão pela
semelhança física. Logo, não adianta fugir deles. Sempre haverá um membro do
clã a te olhar na próxima esquina.
Embora
parentes, eles estão poucas vezes juntos. Uma das marcas da família é a
competitividade. Disputam o mesmo pedaço de chão; às vezes, com estratégias
nada louváveis, o que inclui até sabotagens nas madrugadas. Aliás, todos – por
lei – precisam voltar para casa às 22 horas, sob risco de multa em dinheiro.
Dinheiro, um combustível importante para justificar a resistência física desta
gente.
Eles
são madrugadores. Acreditam piamente no ditado da ajuda divina para quem cedo
madruga. Seis horas da manhã, inclusive na frente da igreja. Até outubro,
levantar com as galinhas é ritual para quem sonha em se destacar nesta família
de iguais.
Nossos
“amigos” preferem se espalhar pelas esquinas para demarcar um território maior
– e quem sabe? – grudar nas mentes distraídas como música-chiclete de rádio FM.
Destacam-se – como grupo – na multidão. Fingem simpatia, com a marca do sorriso
amarelo. Sempre têm uma palavra acolhedora, de garantia de futuro melhor. Saem
bem na foto.
Eles
costumam escolher frases feitas, simplistas até. É a receita básica da
propaganda. Ser narcisista, encenar solidariedade e jamais explicar suas
intenções. Confundir quem dá atenção a eles, tomando para si desejos e angústias
de quem cometeu o pecado de ouvi-los por alguns segundos.
Quando passo por eles, percebo que escolhem os assuntos de
sempre. Banalizam termos como ética, família, educação e saúde. Quando provocam
muita desconfiança, insistem em redesenhar o passado. Reconstroem a memória com
glórias e honras, chamando para si todos os sucessos – ainda que muitos não
pertençam a eles – e exorcizam os fracassos e escorregões morais como um
religioso diante do mal personificado.
Esta semana, eles não passaram impunes pelas ruas da
cidade. Sofreram diversos ataques de “terroristas” silenciosos, precisos como
um cirurgião, porta-vozes de grupos incomodados com a desfaçatez.
Numa destas tardes, mais de uma dezena deles jazia nas
calçadas da Avenida Conselheiro Nébias. Solenemente ignorados, estrebucharam
por horas, estirados como o moribundo à espera de socorro. O vento, talvez
pelas preces coletivas, os mantinha em posição horizontal, rejuvenescendo a
imagem da cidade.
À noite, outros apareceram afogados no canal 4. Os
autores do “crime” não foram localizados. Nenhum grupo assumiu a autoria da
caridade. Na orla da praia, ciclistas os transformaram em bolas de futebol. Os
chutes fizeram com que os visitantes repousassem nos gramados. Nenhum juiz teve
a coragem de marcar falta. Só não apareceram os humoristas que, há quatro anos,
redesenhavam a maquiagem que realça o sorriso circense.
As reações anônimas ou climáticas me lembram de contar os dias para que estes intrusos deixem a cidade em paz. Tenho certeza – promessa de campanha – que os cavaletes tomarão o caminho da roça em outubro. Ainda assim, rezo para que venham novos sopros do fiscal eleitoral lá em cima.
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