sexta-feira, 5 de outubro de 2012
O debate morreu
Às vésperas do dia 7 de outubro, o eleitor assinou o atestado de óbito dos debates na TV. A causa da morte, segundo o documento, foi falência múltipla de órgãos, provocada – principalmente – por inanição retórica, uma variação maligna da síndrome das palavras vazias.
A sabedoria popular nos ensina que a diferença entre veneno e cura é a dosagem do remédio. No caso dos debates, uma autópsia deveria investigar a possibilidade de overdose. Em outras palavras, espalhar-se por várias emissoras de TV pode ser um dos fatores que mataram, lentamente, o formato.
Os debates deixaram de ser um momento de expectativa dentro do processo eleitoral. Caíram na vala da banalização. Os candidatos se enfrentam mais de meia dúzia de vezes em frente às câmeras. Repetem os argumentos, desgastam as promessas, ressuscitam o passado tantas vezes que a denúncia anda como morto-vivo, sem provocar cócegas no adversário.
Até os mais engajados se cansaram do volume de conversa fiada. É comum nas rodas de conversa: “Viu um, viu todos!” O debate também deixou de ser atraente em termos de audiência. Não altera o estado de coisas. Padece da inércia para o Ibope.
O debate político-eleitoral se manteve vigoroso desde o início dos anos 60, quando foi realizado pela primeira vez, na TV americana. Na ocasião, a CBS transmitiu o encontro entre o democrata John Kennedy e o republicano Richard Nixon. O impacto foi tão forte, com leituras contrárias sobre vencedor, que as emissoras abandonaram a ideia por uma década.
No Brasil, debates entraram para a história como fatores decisivos para uma eleição. A jornalista Marília Gabriela, no final dos anos 80, tentando controlar os presidenciáveis. A famosa edição do debate entre Collor e Lula, feita pelo jornal Nacional, em 1989. A pergunta de Boris Casoy para Fernando Henrique: “Você acredita em Deus?” A falta de convicção de FHC teria abalado à candidatura para prefeito de São Paulo.
Candidatos na dianteira desprezam os debates, cientes de que pouco ou nada perderão nas pesquisas de opinião. O próprio Lula tomou tal atitude. João Paulo Tavares Papa adotou a versão caiçara de ausência e ganhou sem arranhões, em 2008. Nesta campanha, Alberto Mourão, em Praia Grande, também toma chá de sumiço a cada debate que se desenha na TV.
A última pesquisa divulgada por este jornal reforça que o modelo havia entrado em coma. Menos de 10% dos entrevistados acompanham a campanha eleitoral via debates na TV. Mais do que o dobro disseram acompanhar pelo horário eleitoral gratuito, a noiva negociada a dotes pelos candidatos.
Mas é preciso tomar cuidado! O eleitor é um bicho arisco, como o caipira que finge concordar com os arrotos de presunção do primo da cidade. O eleitor, no geral, se cansou do palavrório e assiste ao horário eleitoral como se fosse um programa de televendas: cai no canal sem querer, vê uma ou outra oferta, mesmo sem dinheiro, e segue a peregrinação por controle remoto. Os debates, que simbolizariam a liberdade democrática, estão presos na própria armadilha. A preocupação em se organizar, em evitar que candidatos falem o que quiser sem controle, deu margem para o excesso de regras.
As emissoras, em muitas situações, se submeteram às amarras dos candidatos, cujos nós são atados pelos assessores e pensadores de marketing. A sobrevivência da burocracia, por meio de regulamentos rígidos, assassinou toda e qualquer chance de se ver alguma espontaneidade política. Os debates, infelizmente, deixaram de ser o antídoto para o tédio de campanhas cada vez mais plásticas e ocas de discursos múltiplos. Tornaram-se tão previsíveis quanto um corpo que acaba de falecer.
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