sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Até o fim



Dona Eguimar Mendes tem 61 anos. Sofre de um tipo de câncer que ataca os glóbulos brancos. Esta semana, parou no hospital por causa de uma crise renal. Para ela, dor maior do que os partos dos nove filhos. A ex-funcionária pública Silvia Gonçalves, de 48 anos, convive com a neurofibromatose tipo 1, doença neurológica que levou dois de seus três filhos. Em um sonho, a mãe disse a ela que a vida viraria de cabeça para baixo.

A dona-de-casa Sandra Coutinho tem a mesma idade de Silvia. Também possui um filho, de 16 anos. Sandra sofre de lúpus, doença auto-imune que – silenciosamente – ataca vários órgãos de forma simultânea. Ela perdeu as contas de quantas vezes foi desencorajada pelos médicos a engravidar.

A veterinária Fabíola Perroni, aos 36 anos, luta contra a esclerose múltipla, doença neurológica degenerativa. Casada e com dois filhos, Fabíola entende que Deus lhe deu como presente uma cruz para carregar.

As quatro mulheres têm em comum, além das rotinas em consultórios, laboratórios e hospitais, a vida contada em livro. Três delas – Dona Eguimar estava no hospital - se conheceram na última terça-feira, dia 4 de dezembro, no Cineclube Lanterna Mágica, na Universidade Santa Cecília, em Santos.

Elas estavam lá, com parentes e amigos, para assistir à apresentação do livro “Até o Fim”, sensível reportagem das jornalistas Elizabeth Soares e Jéssika Nobre. As duas repórteres se apoiaram nas histórias destas mulheres para produzir um Trabalho de Conclusão de Curso, em Jornalismo.

“Até o Fim” ilumina uma discussão que muitos homens de branco ignoram. O livro aborda a questão dos cuidados paliativos, tema que começa a ganhar espaço na mídia, ao lado de debates sobre testamento em vida, falta de humanização no atendimento e o complexo de Deus de muitos médicos.

Cuidados paliativos é a especialização médica que trata do acompanhamento a pacientes que possuem enfermidades ditas incuráveis. Não se trata de insistir em medicamentos com fortes efeitos colaterais ou em tratamentos invasivos, com prolongamento da dor. Cuidar de maneira paliativa implica em reunir uma equipe multidisciplinar para acompanhar o paciente no final da vida, permitindo a ele enfrentar o que resta da supervisão médica sem sofrimento, com dignidade.

Embora exista uma associação que reúna médicos especializados, falta convencer o sistema de saúde – o que inclui as empresas de planos -, que se alimenta das doenças, jamais da prevenção ou do acompanhamento humanizado. Em São Paulo, há setores de cuidados paliativos no Hospital do Servidor Público, no Hospital do Jaçanã e no Hospital das Clínicas. No HC, o médico responsável só convenceu a instituição de que cuidar paliativamente era importante quando provou que ficava mais barato do que internar em UTI.

Na Baixada Santista, nenhum hospital implantou serviço semelhante. Em um deles, uma assistente social fez curso em São Paulo por conta própria e assumiu todas as despesas. Cuidados paliativos significa mais do que esperar a morte, representa preservar a vida, no sentido de respirar as experiências do trajeto com lucidez, com humanidade.

Dona Eguimar, por exemplo, tem absoluta certeza de que São Pedro vai recebê-la com samba. “A morte desistiu de mim.” Silvia Gonçalves fala com serenidade da virada de mesa que a vida lhe deu, mas a compreende porque teve coragem – nas palavras dela – de continuar em frente. 

Sandra Coutinho driblou prognósticos negativos. Teve um filho dez anos depois de ser desaconselhada por seis médicos. “Minha fé sempre encontra um jeito.” E Fabíola Perroni garante que a cruz ficou mais fácil depois que instalou rodinhas nela. “Meu nome recebeu um asterisco, o que me torna única.” 

A biografia destas quatro mulheres é, mais do que jornalismo de primeiro nível, um conselho sobre a consulta, dia-a-dia, do cardápio da vida.

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