domingo, 28 de outubro de 2018

Rezar, temer, fiscalizar?


Marcus Vinicius Batista

Eu não rezo. Respeito quem o faz e crê nas respostas. Tenho minha fé, nunca a impus a sujeito algum, mas desconfio que meu Deus talvez seja diferente do de muitas pessoas. Meu Deus não se mete em política eleitoral. Meu Deus não agride adversários. Meu Deus não acende velas para maus defuntos, não importa a camiseta que vista, o líder religioso que fala em nome Alheio, edite textos sagrados ao bel prazer (e dinheiro) e abrace o candidato do versículo da vez.

A decisão das urnas neste domingo não é uma questão de oração. Vejo como uma posição a ser vista com o melhor dos olhares racionais. É preciso pensar, refletir sobre o cenário, mesmo que não alcancemos uma conclusão definitiva, melhor assim, aprender que política é bem mais do que gritar em rede social ou tirar sarro do outro como se eleição fosse clássico de domingo.

Aos eleitores de Bolsonaro, me permitam uma sugestão: tentem amenizar ou se libertar da obsessão pelo PT. A derrota foi punição suficiente para o partido. Caso contrário, só se confirmará a impressão da campanha eleitoral: retirar o PT do poder – algo já feito há quase dois anos – e colocar qualquer sujeito no lugar. Mais do que assinar um cheque em branco, seria também fornecer a senha bancária. Por favor, comemorem a vitória em vez de celebrar exclusivamente a derrota do adversário.

Aos eleitores do Haddad, outra singela dica: unam-se como adeptos de políticas sociais decentes; briguem por tolerância nas práticas cotidianas, não somente na retórica; e deixem o PT cuidar das suas próprias feridas. O Partido mereceu a lambada e tem a obrigação de limpar a casa. Ultrapassar o limite da promessa e provar que é capaz de se reinventar. Ser oposição é a chave do recomeço.

O novo presidente pode ser tudo, menos burro. Ele encabeçou uma estratégia de marketing brilhante para vencer, marcada pela alimentação da fantasia em torno de si próprio. Mas ele sabe que possui uma maioria apertada e boa parte está desconfiada da decisão que tomou. Basta ouvir as falas mais serenas de “vamos ver”, “o futuro dirá” etc. São frases condicionantes e vagas diante da desinformação do rumo a ser tomado. Medo de que ele transfira a senha do banco para terceiros?

Não podemos ser ingênuos de acreditar que o governo Bolsonaro será fiscalizado na unha. Muitos que prometem isso são os mesmos que ignoraram as trapalhadas do atual presidente depois do Fora Dilma se concretizar. Normal vindo de olhares pouco comprometidos e infantilizados sobre o que é fazer política. Não é preciso cobrar de ninguém que seja cidadão exemplar. Muitos se contentam com o título hipócrita de “cidadão de bem”. Sejamos nós exemplares.

Espero que os ativistas se mantenham unidos, ativos de verdade, além da contaminação dos discursos eleitoreiros que vez em quando renascem. Acabou a eleição. É hora de defender quem foi massacrado pela verborragia do novo presidente. Temer? O remédio é se organizar, dialogar, estabelecer estratégias, fortalecer e cobrar das instituições que ainda fazem o Brasil um país teoricamente democrático.

Somos humanos. Erramos. Escolhemos. Aprendemos. Refazemos. Tentamos. Observamos. Corrigimos. Refletimos. Sentimos. Acima de tudo, respeitamos. E erramos novamente. E corrigimos outra vez. Humanos.

Perdoem-me: Deus não tem a nada ver com isso. A decisão foi tomada por homens e mulheres, fiéis às suas consciências. Sem determinismos transcendentais, assumam suas ações, abracem suas responsabilidades como cidadãos e fiscalizem o novo Governo. Afinal, o voto foi seu! E não era pra valer?

Um comentário:

  1. Atarantado. Triste. Muito bom receber essa boa dose de pensamento e reorganizar as ideias. Se a ladeira é o caminho, só posso começar a escalar.

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