sábado, 27 de outubro de 2018

Por que perdemos essa eleição? (ou A derrota acima de todos!)



Marcus Vinicius Batista


Conscientes ou em coma induzido, abrimos a Caixa de Pandora nesta eleição. Colocamos para fora – não nasceu hoje nem ontem – nossos piores sentimentos e perspectivas de mundo. Trocamos a chance de aprender com esta campanha pela prisão voluntária de nossas pequenas mesquinharias.

Perdemos a vergonha. O politicamente correto ou a lei mesmo mantinha muita gente com seus preconceitos guardados no fundo da gaveta do armário mais obscuro da casa. Aquele que armazena as tralhas.

Testemunho pessoas pedindo limpeza de outras pessoas, clamando pelo silêncio amordaçado de quem não pensa como elas, defendendo o extermínio absoluto do outro, tão impossível de conviver porque pode representar aquilo que mais se abomina em si próprio.

Perdemos a solidariedade, aquele sentimento que costumamos cultivar quando queremos parecer bons. Adotamos a máscara do cidadão de bem, termo que forma patotas e exclui os diferentes, num maniqueísmo raso (perdoe a redundância, é só para reforçar) que divide o mundo entre bons e maus e dispensa duas das características humanas: a contradição e a imperfeição.

Perdemos pessoas. Desfazemos amizades, ignoramos colegas, ofendemos parentes, esbravejamos em textos, áudios, imagens, histerias pontuais e estruturais. Perdemos pessoas por causa de políticos, que tanto desprezamos. Isso! Perdemos pessoas por sujeitos que viram as costas, convictos da falta de fiscalização, assim que as urnas se apagam. Repito: perdemos pessoas por causa de políticos, muitos deles capazes de nos agredir verbalmente a cada aparição pública.

Perdemos o outro como humano. Deliramos sobre outros sujeitos como se fossem coisas, por causa de suas escolhas, por causa de seus comportamentos individuais. Podemos jogá-los na vala comum, sem identificação, sem passado, sem história, mesmo que a História nos tenha mostrado tanta crueldade e bestialidade em nossos ancestrais.

Fingimos desconhecer o mal que nos habita, com a desculpa esfarrapada de “apenas cumprimos ordens”. Ou porque alguém falou. Ou porque é culpa do sistema. Ou porque só “trabalho” aqui.

Perdemos a capacidade de dialogar. Na nossa arrogância, julgamos sermos politizados só porque falamos de política. Falamos, gritamos, impomos, pouco debatemos, raramente aprendemos. Preferimos ganhar a conversa a qualquer preço, ainda que sacrifiquemos as pessoas ao nosso lado – aquelas que costumam importar.

Talvez façamos isso como ato reflexo dos candidatos que adoramos desde a semana passada. Típico de quem crê que a culpa sempre está no outro corpo. Por que não nos calamos de vez em quando?

Perdemos, como conseqüência, a capacidade de ouvir. Não estamos apenas cegos de ódio, mas surdos diante de qualquer voz que não seja a nossa, que também cacareja, que também digita muito e pouco escreve. O próximo presidente, rezo para que nos escute, deveria implantar um programa gratuito, em caráter nacional, que envolva cursos de Escutatória, conforme pregava Rubem Alves.

Perdemos o valor da verdade. Na hipocrisia e no cinismo de todos nós, adoramos cultuar quem matamos dia após dia. A primeira vítima de uma guerra, como explica o clichê. Não falo das pequenas mentiras cotidianas, mas daquelas que contamos para nós mesmos. Daquelas que minimizamos quando levamos adiante informações caluniosas, argumentos levianos, quando compactuamos com a mentira escancarada, mas dita pelo anônimo, que vai machucar quem não pensa como nós. Estúpidos somos quando nos esquecemos que uma campanha eleitoral se movimenta como bumerangue.

Perdemos a liberdade. Confundimos a ideia de que liberdade de expressão significa o poder de dizer qualquer coisa, sem limites. Rasgamos a liberdade para defender o privilégio de agredir quem não está comigo, como Bush ou Trump em seus olhares belicistas.

A liberdade como prática individualista se chama egoísmo, primo da vaidade. A liberdade sempre será sinônimo de convivência, de ato coletivo. Só seremos livres quando todos o forem. E não enxergamos que defendemos o fim da liberdade justamente porque ... somos teoricamente livres. Teoricamente!

Por contradição, tenho dúvidas: será que perdemos tudo isso mesmo? Então, quando teria sido este escoamento moral pelo ralo da violência? Ou será que apenas rompemos os filtros e agora precisamos descobrir e assumir que somos deste jeito, uma espécie truculenta, selvagem? Francamente, não vejo tanta gente assim fazendo mea culpa.

Desconfio que, como animais, somos menos humanos do que imaginávamos ou editávamos no feliz mundo das redes sociais e das conversas cotidianas.

Se todos perdemos, quem ganhou o jogo sem vencedor?

Um comentário:

  1. A máscara caiu, apenas isso. Somos o que séculos de evolução não conseguem melhorar. Todo nosso orgulho tolo de nos acharmos muito superiores aos nossos parentes animais cai por terra facilmente.

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