quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O novo (velho) eleitor


Marcus Vinicius Batista

Ao final da aula de Ética, uma aluna de Relações Públicas veio me procurar.

— Professor, o Bolsonaro tem casos de nepotismo. Por que o adversário não o ataca com isso?

— Porque as pesquisas indicam que esta estratégia tem pouco efeito.

— Como assim, mas é nepotismo? Contratar parentes não é ferir a Ética?

— Você sabia que as pesquisas sobre Ética e Política apontam que entre dois terços e 75% dos entrevistados empregariam parentes se fossem eleitos. Eles entendem que, se o cargo é de confiança, melhor um parente encostado do que um técnico competente.



O eleitor médio, muitas vezes nós mesmos, é um sujeito prático. Ele escolhe seus candidatos por centenas de razões, de estética à comportamento sexual, de parente encaixado na Prefeitura à negação de um favor, de indicação de marido, mãe, pai ou alguém próximo até determinação do chefe. Eventualmente, avalia programas de governo, consome alguma informação, troca opiniões ou assiste debates.

O eleitor não é um sujeito nobre. Sinto que, por trás do discurso em torno do eleitor brasileiro, persiste uma aura de canonização. Isso esconde a cumplicidade e as conivências na hora do voto.

O eleitor também é fruto de instituições que pouco prezam pela educação política – não confunda com doutrinação ideológica, presente em universidades, igrejas e empresas. Porém, não dá para aceitar um determinismo político, com tantas prateleiras de informação disponíveis nos dias de hoje.

O eleitor é um sujeito que também vota por mesquinharia. Por cinismo. Por hipocrisia. Por efeito manada. E depois esquece o que fez, fugindo da responsabilidade. Fruto também da ausência de consciência crítica. Oito em cada dez eleitores não se lembram mais em quem votaram para o Poder Legislativo, seis meses após as eleições.

O eleitor médio é um sujeito que não vota por ideologia. Papo furado, tanto da esquerda como da direita. O eleitor, na sua praticidade cotidiana, vê um como o oposto do outro. E utiliza, mesmo quando enganado pela salada partidária e pela promiscuidade política dos candidatos, o processo de tentativa e erro, como permite de forma saudável a democracia.

Esse olhar pragmático, no qual as teorias e as análises parecem aulas entediantes de História do Ensino Fundamental, é capaz de não enxergar a própria ironia desta campanha presidencial sem precedentes históricos. Talvez porque não tenha visto as tais aulas de História. A ironia reside no fato de assistirmos à defesa veemente da tirania, do autoritarismo justamente num cenário de liberdade de expressão, o primeiro princípio a morrer quando se instala um regime de mão de ferro.

O eleitor não está sentado sobre os cânones éticos. Ele aplica, por conveniência, as expressões típicas do brasileirismo. O jeitinho. O “você sabe com quem está falando”. O “é dando que se recebe” e assim por diante. Neste caminho, o eleitor perdoa deslizes éticos da classe política, ainda que não saiba que está perdoando a si mesmo.

O eleitor tolera o “rouba mas faz”, engole a corrupção generalizada, não apenas a do PT, distorce a própria ideia de corrupção generalizada, classificando o mesmo PT como o dono de todos os males, deixa de lado comportamentos que reprovaria em parentes, amigos, na própria esposa, no próprio marido.

Ele rasga a Ética nas relações diárias e não percebe que tem os políticos que merece. O eleitor os instala numa torre de marfim para que não veja o espelho que nos indica como um político se parece com Dorian Gray, decrépito em seu próprio reflexo, lindo aos olhos do público.

O eleitor costuma ser narcisista. Vê o mundo a partir de seus próprios problemas. Pouco acompanha o contexto por trás de uma campanha ou das medidas dos governantes. È previsível e aceitável. Nenhum demérito, dentro das limitações da própria humanidade.

Nesta corrida, o eleitor se sentiu no direito – também por conta dos candidatos-espelhos – de colocar para fora o que sente perante a política. Frustrações, indignações, fé, intolerâncias, preconceitos, um caldeirão de sentimentos por vezes desfocados, que funcionam melhor quando aplicados num cenário maniqueísta com tons novelísticos. É mais confortável quando o outro se materializa no colega de trabalho, no amiguinho da rede social.

O eleitor costuma se julgar mais inteligente do que a maioria. O ser humano costuma se julgar mais inteligente do que a maioria. Muitos se consideram especiais, únicos. Afirmações previsíveis de pilhas de pesquisas em neurociências (voltaremos no assunto em outra ocasião).

A arrogância o faz presa fácil para o discurso bem encaixado, e baseado em pesquisas e análises, das candidaturas, de quaisquer cores. O eleitor, nesta campanha, comprou nomes, confirmou formas de vida, ignorou partidos – exceto o que veste a máscara do primo leproso -, sem perceber o quanto política e suas estratégias de comunicação podem ser manipuláveis.

O eleitor, com seus defeitos e lampejos narcisíscos, é essencial para a democracia. É vital entendê-lo, ainda que esteja no outro lado de nossas preferências. Não adianta agredi-lo, pois somente reforça suas convicções.

Para convencê-lo a pensar, é preciso seduzi-lo, nas conversas do dia a dia. Na campanha, um dos presidenciáveis o fez com eficiência. O outro, ofuscado pela petulância de seus líderes, mal teve tempo de se apresentar. Políticos, como bons mestres sedutores, são práticos.

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