terça-feira, 16 de outubro de 2018

O diálogo entre política e futebol



Marcus Vinicius Batista

* Texto publicado, originalmente, no jornal A Tribuna, de Santos, em 15 de outubro de 2018.

Política e futebol são como primos: apresentam semelhanças, mas não possuem traços iguais; tem grau de parentesco, porém convivem de vez em quando; e dividem paixões quase inconciliáveis, embora muitos não percebam que seguem a mesma dinâmica familiar.

Em tempos de discurso de ódio, a campanha eleitoral se transformou em um Fla-Flu, digno de hooligans, os violentos torcedores ingleses, no auge da selvageria do final do século passado. O interessante é que dirigentes, imprensa e parte da sociedade mantém relações contraditórias quando envolvem jogadores de futebol e manifestações políticas.

Neste período eleitoral, é comum se ouvir que os jogadores são alienados, sujeitos emburrecidos pela dedicação exclusiva ao esporte. Outras críticas os colocam como seres que fogem de quaisquer discursos sociais ou de perspectivas que alcancem um olhar mais aguçado sobre a sociedade contemporânea.

Esta fala esconde um tom de hipocrisia. Por trás dela, mascara-se o desejo de manter os jogadores de futebol profissional dentro do cabresto. Defende-se que abram a boca por conta da visibilidade e da influência que exercem sobre torcedores e simpatizantes, desde que sigam as cartilhas dos cartolas ou dos comentaristas supostamente formadores de opinião. É a mordaça institucionalizada.

Jogadores que pensam além dos muros dos centros de treinamento são vistos como incômodos, chatos ou até subversivos (termo, aliás, ressuscitado e distorcido na era da infantilização política via rede social). Afonsinho, nos anos 70, Sócrates, a Democracia Corintiana e as Diretas Já, nos anos 80, Alex e Rogério Ceni, na década passada, e Paulo André, nos últimos anos, são exemplos de como atletas podem sofrer com estigmas ou ter a imagem manipulada por interesses políticos, inclusive dentro dos clubes onde atuaram.

Governos de diversas linhagens sempre utilizaram o futebol como instrumento político. Mussolini e o fascismo italiano na década de 30. Getúlio Vargas e a profissionalização do futebol, em 1933. Os 90 milhões em ação, cantados em verso e prosa pelo regime militar, em 1970. A curiosa cambalhota de Vampeta, em 2002, na rampa do Palácio do Planalto, sob os olhares de FHC. Lula e as metáforas sobre futebol, faturando com a escolha do Brasil para sede da Copa do Mundo, em 2014.

Jogadores de futebol são cidadãos com um poder imenso em suas palavras e atitudes, principalmente os de elite, que ganham visibilidade midiática diária. Estes e os demais operários do esporte têm a obrigação de driblar o desinteresse pela política.

Os destinos do futebol – e deles também – são decididos nos gabinetes de criaturas engravatadas, que se sustentam dos milhões gerados pelo trabalho de muitas pessoas, cujas vidas significam abrir mão de familiares, amigos e estudos. Jogadores têm que tomar posição política – diferente de defender candidato – para melhorar, direta ou indiretamente, a profissão que exercem, com tempo limitado.

Política e futebol se discutem sim, dentro dos limites de um diálogo. Rivalidades alimentam o espetáculo e engrandecem o esporte como ação política. Futebol como política não tem relação alguma com intolerância, independentemente de se dizer: alguém sim, o outro não.


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