A esquerda brasileira paga o preço pela própria arrogância. Pelo narcisismo político. Pelo egocentrismo de seus líderes. A esquerda, neste caso, é simbolizada pelo seu maior representante nos últimos 35 anos: o Partido dos Trabalhadores. Associar esquerda e PT significa, aliás, dois pontos: 1) esquerda como antítese da direita numa eleição de extremos; 2) esquerda atual está longe de representar a definição ideológica clássica ou a forma de governar. O PT esteve muito mais próximo do centro do que se imagina.
O PT, na figura de seus caciques, desdenhou Bolsonaro. Ignorou o crescimento do fenômeno político e não visualizou nem como miragem o fato de que a extrema direita aprendeu a fazer política eleitoral com a própria esquerda. As críticas de Mano Brown, rechaçada por muitos petistas, são pertinentes e sintetizam o pensamento de vários ideólogos da própria esquerda.
Em janeiro, por exemplo, Bolsonaro oscilava em torno de 8% das intenções de voto. Muitos representantes da esquerda o descreviam como um bufão, como um cavalo paraguaio, que não sobreviveria à corrida eleitoral. Apostavam na repetição da polaridade com o PSDB, que também se apequenou tamanha a quantidade de erros estratégicos de campanha.
O PT foi rifado, em termos institucionais, por suas lideranças. O partido patinou por mais de quatro meses até oficializar Fernando Haddad como candidato, em 11 de setembro. Ele teve pouco mais de três semanas para firmar uma linha mestra de campanha. E pior: ainda luta para se desvencilhar da sombra de quem se coloca como pai novamente.
Usando o futebol como metáfora, compatível com o personagem, Lula jogou com o nome durante boa parte do campeonato. Perdeu o momento de tirar o time de campo, enquanto desejava ser mártir e se colocar acima da história do partido. Em outras palavras, o PT foi o dom que carregou Haddad ao segundo turno, mas poderá ser a maldição que selará uma derrota.
As lideranças, obcecadas por um projeto de poder, e distantes de um projeto de governo, se afastaram da militância, minimizaram sua relevância, passaram a falar somente a língua dos corredores palacianos e acreditaram, após quatro vitórias nas urnas, que não havia necessidade de se reinventar, de renovar nomes. Como Narciso, olharam para o espelho d´água e não perceberam que a mentalidade Bolsonaro – não o homem apenas, mas a forma de pensar, a estrutura moral distorcida – passou por trás delas e aos berros.
O PT perdeu duas vezes a chance de limpar a casa. De se proteger como instituição, de sacrificar parte da sua própria carne. Manteve os órgãos em putrefação, excluiu militantes históricos que questionaram seus líderes e atacou para se defender e ocultar seus esqueletos. Postura adotada no mensalão, repetida na Lava-Jato, insinuada nesta campanha eleitoral.
A esquerda, se pensarmos nos demais partidos, tentou se divorciar do pai falível, mas também não entendeu o século 21. Não compreendeu que precisava se adaptar às novas tecnologias, às novas formas de se comunicar, ao olhar fluído da política e aos novos caminhos de construção e difusão de informações. Cultivou o egocentrismo das reuniões intermináveis, das estratégias utópicas, mas – principalmente – o muro que se ergueu entre as instituições partidárias, seus políticos e a população em geral. Não se sabia mais com quem se conversava. Só com a corte.
A direita representada por Jair Bolsonaro fez política de base adaptada, guardando as devidas proporções. Política de base virtual, por vezes suja e selvagem, mas dentro de um mundo real. Real, mas fora da bolha que envolveu o adversário.
Neste sentido, o baile de marketing político incluiu a cristalização de rótulos infantis como a associação entre PT e comunismo, aproveitando-se de que as redes sociais funcionam como terreno fértil para a fragmentação e a superficialidade de informações. A direita nadou de braçada, armada de intolerância e preconceitos, num modelo anteriormente dominado por ícones e instituições simpáticas à esquerda. A desinformação só fez crescer o bolo belicista.
O PT dá a impressão que descobriu o erro e transmite neste final de corrida eleitoral, nas palavras de Haddad, que pretende comprar material de limpeza e de dedetização. Nenhuma prova concreta até agora. Cedo para dizer.
O problema é que a criatura nunca esteve tão forte como fantasia e mentalidade e, por isso, talvez o PT tenha acordado da soberba tarde demais.
Marcus, que texto lúcido. Adorei! Beijo grande
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