Marcus Vinicius Batista
Caro Jair,
Não acho que o senhor seja o melhor nome para a Presidência do país onde nasci e resido. O senhor considera uma informação irrelevante, porém é preciso localizar meu lugar de fala. Não creio que o senhor esteja preparado para exercer o cargo ao qual se candidatou, mas tenho consciência de que o presidente, como figura política, é capaz de montar uma equipe que reduza danos ou possibilite avanços.
Imagino que, na festa da vitória, aconteceram muitos tapinhas nas costas, muitos parabéns, muitas promessas, muitos sorrisos, muitas outras coisas mais. Presidente, sinto dizer: a lua-de-mel será também curta para o senhor, como seria para seu adversário, caso ele tivesse vencido.
A lua-de-mel será restrita por razões diferentes. Sabemos que, entre as mentiras contadas por tantos candidatos, uma delas foi a distância da corrupção de sua candidatura. Não o acuso de coisa alguma, mas seus aliados – ligados em vários níveis a Deus, o Diabo e outros grupos que pulam entre as duas entidades – vão cobrar a conta da festa. E cobram sem pudor, sem misericórdia, rezando até. Assim o fizeram com o partido do seu adversário.
Sabemos também, caro presidente, que sua estratégia de campanha se transformou num caso a ser estudado, discutido – e jamais repetido – na História político-eleitoral. Seus eleitores não te conhecem. Votaram numa fantasia, num personagem construído e alimentado, inclusive pelo senhor, que reforçava o voto punitivo ao PT, a limpeza generalizada, os preconceitos, as pequenas violências cotidianas, o pensamento e as práticas da violência institucional.
O senhor tem total consciência de quanto a facada se tornou o divisor de águas nesta campanha. Jamais defenderia tal ato, mas também repudio o uso indiscriminado do vitimismo que o senhor tanto rechaça. A facada te fez fugir de um debate público, organizado, sobre propostas. Por quê? O que temia? Murchar a candidatura?
Meu maior medo é não ter a menor ideia do que o senhor pretende fazer como presidente. Um programa reduzido e vago – ainda que saibamos que programas são peças ficcionais, mas que insinuam a visão de um político e seu grupo de interesse -, e aparições por telas, tão artificiais e limitantes quanto os discursos que carregam, impostos, sem a chance de contestação, do contraditório, da continuidade da reflexão.
O senhor apostou num eleitor insatisfeito, punitivo em ambos os lados da moeda. Um eleitor que não te quer, quer a ausência do seu adversário, não o homem, e sim o partido, do poder. Um eleitor que acredita – em sua ingenuidade – que retirar um presidente é como expulsar um síndico incompetente na reunião do condomínio, na sexta-feira à noite.
Este eleitor, caro presidente, não te escolheu por ser quem é. Ele te escolheu pelo que o senhor representa. Jair Bolsonaro (falar em terceira pessoa significa um sintoma) é uma mentalidade, uma forma de viver para certas parcelas da sociedade. Se todo político sonha em entrar para a História, aí está a sua boa nova. Mas a que preço?
Nunca se esqueça, caro presidente. O senhor está onde está porque a democracia, ironicamente, permite que se fale contra dela dentro de si mesma. O autoritarismo, também vivido pelo senhor, não. Entre os autoritários, só abrem a boca as patotas, ainda assim cerceadas por sólidos protocolos e hierarquias rígidas. O senhor é um homem de posições rígidas, mesmo que sua biografia indique diversas flexibilidades pessoais. A coerência seria uma qualidade, não?
Presidente, seus novos amiguinhos vão mudar o tom da conversa em breve. Seus eleitores, tenho sérias dúvidas, talvez te cobrem um pouco. Seja pelo voto punitivo, seja pela mesma forma de ver o mundo, seus eleitores só queriam a mudança. Talvez a mudança de país, certamente a mudança de grupo de poder. Será que apostou certo? Será que as sombras não são as mesmas?
Jair, me perdoe, tenho quilos de dúvidas sobre o senhor como presidente. Certeza, quem sabe uma só e ela não precisa ser dita: o teor desta singela e curta carta explica.
Boa gestão! Um abraço!
Sensacional como sempre, Marcão.
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