quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Quando o trânsito vira videogame



Marcus Vinicius Batista

Sou ciclista pela manhã. Depois do almoço, uso ônibus. À noite, ando até o trabalho e de volta para casa. Quando a chuva ou a hora apertam, vou no banco do passageiro do carro, com ou sem bandeira.

Não sofro de Transtorno Dissociativo de Personalidade (pelo menos, ainda não fui diagnosticado). Essa personalidade múltipla me permitiu compreender e vivenciar as diversas visões do trânsito de Santos. E observar o quanto motoristas, ciclistas e pedestres podem sofrer de neuroses urbanas.

O trânsito, não apenas em Santos, padece de uma mentalidade individualista. Não conseguimos pensar em termos coletivos. A estrutura e o comportamento favorecem o carro, em quase todas as circunstâncias. Os estacionamentos, por exemplo, se multiplicam como coelhos, cobram preços de capital e, mesmo assim, não dão conta da demanda em certas áreas da cidade, como arredores de faculdades e região central.

Como sintoma brasileiro, o transporte coletivo é caro, por proporção, e excludente, vide o nome Seletivo. Uma empresa mantém o monopólio e opera sem ser incomodada. Os vereadores, no máximo da subserviência, aprovam leis para confirmar o óbvio, como a presença de troco nos ônibus. Nem pensar em cobradores, em veículos adequados às avenidas sufocadas ou pontualidade dos ônibus.

Já o serviço intermunicipal, fiscalizado pelo fantasma EMTU, é guerra civil porque multiplica em potência de 10 os problemas descritos acima.

O trânsito de Santos sofre de narcisismo patológico. Cada um disposto a resolver seu lado, economizar exorbitantes dois, três segundos, enquanto espreme a buzina para empacar no semáforo seguinte. Os problemas seriam menores se educação cidadã batizasse todos os tipos de combustível.

No último final de semana, eu e meu pai brincamos que o trânsito de Santos se parece com um videogame. Como ciclista, ganho pontos por desviar de galhos de árvores, de pedestres que passeiam pelas ciclovias e por driblar carros que ignoram a pintura de solo ou o semáforo.

Todos os dias, chegar em casa é passar de fase e continuar no jogo. E minha mulher e amigos torcem para que nunca aconteça Game Over.

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