Getúlio Vargas: o Pai dos Pobres; para críticos e defensores, sentidos diferentes |
Marcus Vinicius Batista
O pai político é o pior dos pais. Ele está predestinado a quebrar a regra de ouro no relacionamento com os filhos. Nós os criamos para que caminhem sozinhos. Libertá-los para os erros da vida é pensar neles, ainda que seja sofrido para os envolvidos.
O pai político não consegue ser assim porque precisa dos filhos debaixo das asas do poder. Sem a presença dos rebentos na barra da calça, ele se torna sem função, porque é incapaz de abandonar o vício chamado controle.
O pai político pode se vestir de progressista, se fantasiar de democrata, se mascarar de liberal, mas se revelará, nas crises, como um sujeito autoritário, com requintes de totalitarismo. É sua própria dependência da mosca azul, expressão simbólica para quem não consegue dizer adeus ao poder.
A História brasileira é impregnada de personagens com este perfil. Uma das consequências, por exemplo, é que tanto eleitores quanto políticos personalizam os processos eleitorais, em detrimento das ideologias e dos projetos partidários.
Os políticos podem até fingir, mas se traem logo na primeira rusga com adversários, na primeira exposição de defesa pública. A personificação da política relativiza a complexidade das relações humanas, as dificuldades em dimensionar os degraus que compõem a escada de um governo.
Getúlio Vargas era o pai dos pobres. Vários governantes vieram depois dele, em maior ou menor intensidade. Lula foi o último da linhagem paternalista. Ele tentou transformar sua sucessora em mãe, mas a família parlamentar fez questão de sabotar a linhagem e lembrá-la que, na casa Brasil, o pai (ou a mãe) só governa depois de negociar com os parentes, de vários graus. Getúlio que o diga sobre as dores de uma negociação.
Michel Temer até esboça ser o novo pai. Ele está mais para tio distante ou para padrasto. O padrasto raramente se transforma em pai. O padrasto enfrenta rebentos mimados na casta política, acostumados a privilégios, sem legitimidade para dizer quem manda na sala de jantar.
O pai político, como figura simbólica da história republicana, controla seus filhos com mão de ferro. Na frente dos amigos, acaricia as cabeças das crianças enquanto deseja repetir as cintadas quando a última visita fechar a porta. O morde e assopra é parte da ciranda, parte do cabresto.
Como se perpetuar na condição de ídolo, se não tornar a relação com os filhos um sequestro vitalício? O pai político, muitas vezes, não escolhe um filho preferido. Ou melhor, muda de preferência para estimular o ciúme coletivo, para estar à frente pelo respeito via medo, jamais admiração. Os filhos devem acreditar que têm muito a perder se enfrentarem o provedor.
Em Santos, nunca houve um pai político, desde o final do regime militar. Tentativas aconteceram, mas esbarraram no perfil dos candidatos, ora técnicos, ora coronéis. Um coronel pode ser pai, mas não é genética política.
Herdar uma dinastia, diga-se passagem, também não é receber - via DNA - o talento para a paternidade política. Neste caso, há de se esperar mais umas três, quatro eleições.
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