segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A marca humana

O bombeiro Henrique Lopes Carvalho de Silva 

Marcus Vinicius Batista

A burrice dos homens e das instituições só pode ser amenizada ou corrigida pelo bom senso. Mas, muitas vezes, o preconceito precisa da força da lei para virar peso morto.

O Superior Tribunal Federal encerrou essa semana uma história de oito anos. Uma saga que atrapalhou a vida profissional de Henrique Lopes Carvalho da Silva. O STF determinou que nenhum concurso público pode adotar tatuagens como critério de eliminação, exceto em casos de ataques diretos à instituição organizadora da prova, defesa de terrorismo ou de grupos violentos.

Henrique foi eliminado no exame médico, no concurso para bombeiro, em São Paulo, por causa de uma tatuagem na panturrilha direita. O edital falava em lugares expostos e atentar contra a "moral e os bons costumes". Seria resquício da Tradição, Família e Propriedade?

Ele entrou na Justiça, venceu em primeira instância e assumiu o cargo. O Estado recorreu, ganhou e o bombeiro acabou exonerado. O fim da linha foi o STF, por sete votos a um.

Considerar tatuagem um desvio de comportamento é retroceder a meados do século passado. Seria crer que desenhos na pele significam exclusividade de presidiários, de bandidos.

As tatuagens, hoje, fazem parte do cotidiano de todas as classes sociais e faixas etárias. Tatuadores ganharam respeito como artistas. Os desenhos foram além da rebeldia juvenil ou de grupos específicos, como marinheiros e surfistas, estigmatizados como marginais.

Tatuagens adquiriram valor estético e status na sociedade de consumo. Ter uma tatuagem é a perenidade de uma fase da vida, de uma conquista, de uma experiência marcada por traços de afetividade. Podemos, aliás, redesenhar uma lembrança quando ela se torna amarga e dolorosa.

As tatuagens indicam quem somos ou os valores que carregamos. Mesmo que simbolizem apenas projeção ou desejo, elas carregam nas linhas e nas tintas um pedaço epidérmico de cultura, com ou sem profundidade de conteúdo. Rejeitar alguém por causa delas é se arrastar rumo à velhice de pensamento.

Tenho três tatuagens. E outras virão! Não me tornei melhor ou pior por elas. Se avancei ou não na vida, a "culpa" pertence ao corpo que as abriga e à mente que as concebeu como ideia.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 21 de agosto de 2016.

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