sábado, 27 de agosto de 2016

Entre táxis e Ubers, quem ganha é a imagem



Marcus Vinicius Batista

Nada como uma eleição para colocar a lei em prática. Nada como uma eleição para se colocar os políticos contra a parede. Nada como uma eleição para se pensar em eleitores, e não em consumidores ou cidadãos.

A disputa entre taxistas e o Uber, em Santos, saiu da guerra fria e foi para as vias de fato. Desde sábado, quando houve um incidente na Rodoviária, os taxistas resolveram mover as peças no tabuleiro da política e fazer valer a pressão pelo voto, daqui a 40 dias.

Até então, a lei que proíbe o uso do aplicativo na cidade seguia em banho maria, mantendo a imagem positiva dos vereadores junto à categoria.

Em outubro do ano passado, os taxistas gritaram, o vereador Ademir Pestana atendeu ao chamado e entrou com o projeto de lei. Os colegas, em fila de pires na mão, aprovaram em plenário e o prefeito Paulo Alexandre Barbosa assinou embaixo, em cima e do lado.

Com o crescimento do número de motoristas de Uber, a aceitação dos consumidores e a entrada oficial da empresa em Santos, os taxistas perceberam o engodo político-eleitoral. Era hora de atravessar a miragem e alcançar a tenda com frutas e água fresca. Ontem, cerca de 100 motoristas fizeram uma carreata com buzinaço e foram cobrar a conta no Paço Municipal.

A Prefeitura, por meio da CET, resolveu manter a imagem positiva. A fiscalização começou nesta terça-feira, de fato e de direito, depois de nove meses, tempo ideal de gestação eleitoral. Multa de R$ 1500 e apreensão do veículo. A imagem da lei que resolveu pegar às vésperas do voto de uma categoria que reúne cerca de 1200 taxistas, mais os terceirizados e seus familiares.

Os taxistas ainda não compreenderam que a polêmica envolve, indiretamente, uma questão de imagem. Não é apenas o marketing político e suas medidas reativas diante da ameaça da urna. É a compreensão de que o próprio serviço, mais a concorrência do Uber, passa pela percepção do consumidor. E essa percepção não é boa quando os taxistas se refletem no espelho.

Argumentos concretos como legislação trabalhista, impostos e manutenção do veículo não colam diante do consumidor, imediatista e também cliente da imagem. As maiores queixas - basta conversar com os próprios passageiros, de ambos os serviços - não esbarram no preço como primeiro item da lista.

Os taxistas têm a imagem - e aí a generalização abraça a todos sem restrições - de mal educados, reclamões diante do tempo de corrida, de dirigir carros por vezes com cheiro de cigarro ou mau conservados, de falar palavrões no trânsito e lentidão para atender aos clientes, fator este conectado com a burocracia do sistema de rádio.

Os motoristas de Uber, por sua vez, oferecem - além de um serviço mais barato, com cobrança por cartão de crédito (logo, a ser paga em um mês) - rápido atendimento, doces, revistas, água e, principalmente, simpatia no trato com o consumidor. Outro ponto: trabalham para complementar a renda ou para superar o desemprego, em um cenário de crise econômica.

É um pacote que resulta numa imagem positiva para o cliente. E mais: como o freguês julga ter sempre razão, ele quer ver vantagem. Aí que a diferença de preço pesa na balança, já pendente para o lado dele.

A relação é de consumo, não de cidadania, na visão geral, sem entrar no mérito do contexto. Se é consumo, todos os argumentos de ordem jurídica deságuam em conversa para ouvidos surdos. Os consumidores fazem os taxistas provarem de seu remédio, o imediatismo no relacionamento.

Não precisa ser vidente para perceber alguns pontos no horizonte. Consumidores não deixarão de usar o Uber por causa da fiscalização da CET; aliás, uma instituição com péssima imagem, distante da orientação no trânsito, próxima da indústria de multas. É capaz que clientes se tornem cúmplices de motoristas de Uber para enganar os amarelinhos.

Se os taxistas quiserem ganhar a batalha a longo prazo, é essencial rever os princípios do próprio trabalho e alterar a imagem pública. Chorar na porta da Prefeitura e esbravejar diante dos políticos só levarão a medidas paliativas, de fundo eleitoreiro.

Alguém acredita - com exemplos históricos de fiscalização negligente, como a lei seca - que a CET vai perseguir o Uber para sempre, ainda mais depois da eleição, em outubro? Ou apostaria que os políticos não mudarão de lado se os ventos ficarem favoráveis para um número cada vez maior de consumidores-eleitores, como aconteceu em São Paulo?

O teatro eleitoral é definitivo: antes do terceiro ato, sempre há uma reviravolta na história.

Obs.: Texto publicado no Juicy Santos, em 24 de agosto de 2016.

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