terça-feira, 30 de agosto de 2016

A morte do Horário Eleitoral



Marcus Vinicius Batista

O horário eleitoral gratuito estreou na última sexta-feira e apontou, logo de saída, o que representa no processo político. Quatro dos oito candidatos a prefeito de Santos tiveram problemas para entregar seus programas a tempo de exibição. O que mudou? Nada!

O que poderia ser um vexame de organização ou um retrato da falta de estrutura das campanhas nos permite questionar a finalidade da exibição no rádio e na TV. A própria redução do tempo, de meia hora para dez minutos, duas vezes ao dia, traz boas intenções, mas na prática expõe os velhos vícios da política e a mudança de comportamento do eleitor.

Em Santos, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) tem 5 minutos e 45 segundos à disposição. O tempo é fruto da coligação de 16 partidos. Carina Vitral (PC do B) tem 1 minuto e 43 segundos. Os outros seis concorrentes, menos de um minuto cada. Hélio Hallite (PRTB) enfrenta o desafio de ser criativo em oito segundos.

O horário eleitoral perdeu parte de sua função (se é que teve um dia!): apresentar ao público as propostas dos candidatos. Os conteúdos regurgitam velhas fórmulas de marketing político, quando não descambam para o humor involuntário de candidatos que julgam a política como circo.

A disparidade de tempo entre os concorrentes também denota o poder das alianças. E esconde, claro, a distribuição do bolo de cargos e secretarias após as eleições.

O horário eleitoral enfrenta um adversário maior. A TV e o rádio perdem audiência, de maneira irreversível, com o barateamento e o crescente acesso às tecnologias móveis. Mais gente na Internet, mais gente acompanhando conteúdos audiovisuais em YouTube, Netflix e outras plataformas.

O público médio de TV aberta se aproxima dos 50 anos. A audiência entre os jovens com menos 25 anos cai, com tendência a zero. Quem vai assistir a um programa desinteressante, quando não desagradável como o desfile de políticos, muitos com promessas megalomaníacas?

O horário eleitoral gratuito contrasta com a campanha eleitoral pesada nas redes sociais. Só esse sintoma serviria para pensar se este dinossauro não corre sérios riscos de extinção, por invisibilidade. Que as preces se concretizem!

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 28 de agosto de 2016.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Morrendo abraçados



Marcus Vinicius Batista

As duas primeiras pesquisas - Ibope/TV Tribuna e Enfoque/Jornal Boqnews - apresentaram várias semelhanças na corrida para a Prefeitura de Santos. Além de comprovar a eficiência histórica do acompanhamento deste jornal em eleições, a primeira leitura após o início da campanha mostra o cenário estável, o que é um problema, no caso da sete candidaturas de oposição.

A primeira semelhança aponta para uma vitória no primeiro turno do prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Em ambas as pesquisas, o prefeito venceria com margem elevada de votos. Como agravante, todos os demais candidatos, juntos, não somam a metade das intenções de voto para o atual prefeito.

O início do horário eleitoral gratuito, na última sexta-feira, não reverterá o quadro. A aliança de 16 partidos em torno do prefeito deu a ele quase 60% do tempo de exposição no rádio e na TV. São 5 minutos e 45 segundos a cada dez minutos.

Dos sete adversários, apenas Carina Vitral (PC do B) tem mais de um minuto. Para ser preciso, um minuto e 43 segundos. Os demais terão segundos para se constituir como alternativa. Hélio Hallite (PRTB), por exemplo, terá que operar o milagre Enéas, com direito à oito segundos no ar.

O horário eleitoral perdeu parte de sua importância ao longo deste século, inclusive por culpa dos próprios candidatos, que oscilam entre a repetição monótona de estratégias e os programas de humor. O horário eleitoral simboliza que a eleição, em Santos, se constitui na disputa entre um elefante no meio da sala, cercado de formigas, que se recusam a trabalhar em conjunto para cutucá-lo.

Todas padecem do Complexo de Clark Kent, praguejando que serão capazes de promover uma reviravolta, sem a visão cristalina de onde se encontram no roteiro. Ou, como muita gente desconfia, correndo em círculos para atrapalhar os colegas da mesma espécie.

A eleição será em 35 dias, o que significa que o prazo cada vez mais apertado reduzirá as chances de uma novidade provocar tremores no prefeito por causa de um segundo turno. Seis dos oito candidatos não passam de 3% das intenções de voto. Somente Marcelo Del Bosco (PPS) toma uma certa dianteira, variando entre 5% e 8%, insuficiente para aparecer no retrovisor do candidato favorito.

O último mês talvez deixe mais claro que situações extremas exigem medidas desesperadas. Por que certas candidaturas permanecem na dança de salão se nasceram com as pernas quebradas? Por que certas candidaturas não se unem se há pouca estrutura de propaganda e dinheiro?

Uma eleição também atrai candidatos que desejam ficar na vitrine. Sem chances, lançam seus nomes de olho em 2018 ou no sonho da próxima eleição para prefeito, em 2020. O problema é que há muita gente para uma vitrine apertada, e todos vestindo roupas com pouca luminosidade para ganhar os olhos do público.

A ironia desta eleição é a incapacidade da oposição de promover uma ressaca. Num mar de marolinhas, o risco é testemunharmos a oposição morrer abraçada, bem antes de alcançar a beira da praia.

sábado, 27 de agosto de 2016

Entre táxis e Ubers, quem ganha é a imagem



Marcus Vinicius Batista

Nada como uma eleição para colocar a lei em prática. Nada como uma eleição para se colocar os políticos contra a parede. Nada como uma eleição para se pensar em eleitores, e não em consumidores ou cidadãos.

A disputa entre taxistas e o Uber, em Santos, saiu da guerra fria e foi para as vias de fato. Desde sábado, quando houve um incidente na Rodoviária, os taxistas resolveram mover as peças no tabuleiro da política e fazer valer a pressão pelo voto, daqui a 40 dias.

Até então, a lei que proíbe o uso do aplicativo na cidade seguia em banho maria, mantendo a imagem positiva dos vereadores junto à categoria.

Em outubro do ano passado, os taxistas gritaram, o vereador Ademir Pestana atendeu ao chamado e entrou com o projeto de lei. Os colegas, em fila de pires na mão, aprovaram em plenário e o prefeito Paulo Alexandre Barbosa assinou embaixo, em cima e do lado.

Com o crescimento do número de motoristas de Uber, a aceitação dos consumidores e a entrada oficial da empresa em Santos, os taxistas perceberam o engodo político-eleitoral. Era hora de atravessar a miragem e alcançar a tenda com frutas e água fresca. Ontem, cerca de 100 motoristas fizeram uma carreata com buzinaço e foram cobrar a conta no Paço Municipal.

A Prefeitura, por meio da CET, resolveu manter a imagem positiva. A fiscalização começou nesta terça-feira, de fato e de direito, depois de nove meses, tempo ideal de gestação eleitoral. Multa de R$ 1500 e apreensão do veículo. A imagem da lei que resolveu pegar às vésperas do voto de uma categoria que reúne cerca de 1200 taxistas, mais os terceirizados e seus familiares.

Os taxistas ainda não compreenderam que a polêmica envolve, indiretamente, uma questão de imagem. Não é apenas o marketing político e suas medidas reativas diante da ameaça da urna. É a compreensão de que o próprio serviço, mais a concorrência do Uber, passa pela percepção do consumidor. E essa percepção não é boa quando os taxistas se refletem no espelho.

Argumentos concretos como legislação trabalhista, impostos e manutenção do veículo não colam diante do consumidor, imediatista e também cliente da imagem. As maiores queixas - basta conversar com os próprios passageiros, de ambos os serviços - não esbarram no preço como primeiro item da lista.

Os taxistas têm a imagem - e aí a generalização abraça a todos sem restrições - de mal educados, reclamões diante do tempo de corrida, de dirigir carros por vezes com cheiro de cigarro ou mau conservados, de falar palavrões no trânsito e lentidão para atender aos clientes, fator este conectado com a burocracia do sistema de rádio.

Os motoristas de Uber, por sua vez, oferecem - além de um serviço mais barato, com cobrança por cartão de crédito (logo, a ser paga em um mês) - rápido atendimento, doces, revistas, água e, principalmente, simpatia no trato com o consumidor. Outro ponto: trabalham para complementar a renda ou para superar o desemprego, em um cenário de crise econômica.

É um pacote que resulta numa imagem positiva para o cliente. E mais: como o freguês julga ter sempre razão, ele quer ver vantagem. Aí que a diferença de preço pesa na balança, já pendente para o lado dele.

A relação é de consumo, não de cidadania, na visão geral, sem entrar no mérito do contexto. Se é consumo, todos os argumentos de ordem jurídica deságuam em conversa para ouvidos surdos. Os consumidores fazem os taxistas provarem de seu remédio, o imediatismo no relacionamento.

Não precisa ser vidente para perceber alguns pontos no horizonte. Consumidores não deixarão de usar o Uber por causa da fiscalização da CET; aliás, uma instituição com péssima imagem, distante da orientação no trânsito, próxima da indústria de multas. É capaz que clientes se tornem cúmplices de motoristas de Uber para enganar os amarelinhos.

Se os taxistas quiserem ganhar a batalha a longo prazo, é essencial rever os princípios do próprio trabalho e alterar a imagem pública. Chorar na porta da Prefeitura e esbravejar diante dos políticos só levarão a medidas paliativas, de fundo eleitoreiro.

Alguém acredita - com exemplos históricos de fiscalização negligente, como a lei seca - que a CET vai perseguir o Uber para sempre, ainda mais depois da eleição, em outubro? Ou apostaria que os políticos não mudarão de lado se os ventos ficarem favoráveis para um número cada vez maior de consumidores-eleitores, como aconteceu em São Paulo?

O teatro eleitoral é definitivo: antes do terceiro ato, sempre há uma reviravolta na história.

Obs.: Texto publicado no Juicy Santos, em 24 de agosto de 2016.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Os aposentados, os pobres e os sujos

Barra Olimpic Park, no Rio de Janeiro

Marcus Vinicius Batista

Quando uma festa acaba e somos os anfitriões, só nos resta criar coragem e limpar a casa. Se estivermos exaustos demais, a saída é adiar, esperar até a manhã seguinte para o mesmo destino. Pior é fugir do problema, mesmo que se escondam os pratos quebrados, o lixo embaixo do sofá, as contas da farra que virão na próxima fatura do cartão de crédito.

Com o furor olímpico em ponto de hibernação, voltamos à pergunta: o que vai sobreviver da Olimpíada, no Rio de Janeiro? Não tenho ilusões sobre os elefantes brancos que vão empacar ao lado de seus colegas estádios da Copa do Mundo.

O que me preocupa são as pessoas, os atletas que não podem pagar contas com suas medalhas - exceção dos jogadores de futebol, R$ 500 mil mais ricos cada um. E os atletas que não foram premiados, praticantes daquelas modalidades que mal se sabe pronunciar os nomes?

Torço para que nossa amnésia histórica não contamine a admiração por quem se aposenta, como o líbero Serginho, retornado do retiro pós-Londres e liderança maior do vôlei. Gratidão para Marilson dos Santos, tricampeão da São Silvestre e bicampeão da Maratona de Nova Iorque, uma figura discreta na despedida no Rio de Janeiro.

O patriotismo olímpico se manterá aceso contra os golpes baixos depois que a luz e a tocha se apagaram? Ficaremos calados diante da ausência de uma política esportiva mais igualitária? Nas pistas do Palácio do Planalto, o presidente reserva corre para cortar verbas dos atletas fora do paraíso do futebol da Série A. Gente que conta as moedas para estar numa competição internacional, que organiza rifas, que pede ajuda nos semáforos, que vende bolo e salgados para poder pagar inscrições e viagens.

O ufanismo cego e raivoso nas vaias vai se estender à CBF, que faz da política um esporte com substâncias proibidas? A mesma turma suja capaz de pagar meio milhão para atletas milionários, enquanto estuda cortar a verba das mulheres, que tantos adularam até a semana passada.

Provamos ser capazes de fazer festa, de abertura e de encerramento. Agora, teremos a decência de arrumar a casa no dia seguinte? Ou vamos manter o pregador no nariz, enquanto as baratas comem as sobras da farra?

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 24 de agosto de 2016.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

A praça dos Pokemons



Marcus Vinicius Batista


Por mais que fuja do aplicativo, não dá para ignorar um fenômeno social como a fissura pelo Pokemon Go. Meus filhos falam no assunto, meus alunos caçam as criaturas pela faculdade, testemunho gente a capturá-los pelos corredores do shopping. E tomei a decisão de refletir mais a respeito quando passei pela Praça das Bandeiras, no Gonzaga.

O cenário ganhou outra dinâmica. Tive, de início, a impressão de que as pessoas estavam isoladas e juntas ao mesmo tempo. Sei que é assim, como uma das características do comportamento contemporâneo, mas nunca havia visto tanta gente unida com o mesmo objetivo virtual. Mais de 200 pessoas disputando as mesmas presas. Em meio a elas, o bonde como símbolo de outra definição de coletividade, de ontem e de hoje.

O Pokemon Go aguçou minha curiosidade depois da repetição de manifestações no Facebook. Quis entender o que era, ainda mais que meus filhos e amigos deles passaram boa parte das férias envolvidos com as criaturas japonesas, mas na versão card game.

Nunca comprei certas versões apressadas que classificam os jogadores como retardados. Ou que é uma bobagem de jovens. Até porque não vejo diferença de certas postagens de comida em rede social ou os selfies durante shows, jogos de futebol e afins. São variações do mesmo tema, da mesma forma de viver, essa sim passível de reflexão.

A Praça das Bandeiras me soa como a versão pós-moderna da Grécia Antiga. Lá atrás, nasceu o conceito de praça pública, endereço onde eram decididas questões coletivas, via debates, via filosofia.

A praça da atualidade é, no cotidiano, somente local de passagem, salvo exceções como as comemorações na Praça da Independência, em Santos. Comemorações quase sempre limitadas ao futebol e, eventualmente, celebrações políticas como os protestos contra o PT.

O uso da Praça das Bandeiras pelos jogadores-caçadores me faz pensar sobre um ponto que tangencia o papel da praça. Os jogadores representam, acima de tudo, a nova noção de público e privado.

Os jogadores de Pokemon Go são mais um exemplo - aí nada de novo! - de como nos comportamos com os aparelhos que seriam extensões de nossos corpos, assim profetizou Marshall Mc Luhan, na década de 60.

Os limites se alteraram, se estenderam. Se o jogo é privado, individualizado, o local das ações é público. A interatividade oscila entre o físico e o virtual. As comunicações vagueiam entre o olho no olho e a tecnologia dos aparelhos móveis.

O aplicativo Pokemon Go, na orla da praia, expõe - de maneira involuntária - a transição que vivemos, os paradoxos que por vezes nos recusamos a admitir como prática.

O que acontece na Praça das Bandeiras só é a notícia do dia, repetida como ação humana e destinada a morrer em breve. Nada inédito digno de horror ou expressão de surpresa. As redes sociais mostram, há alguns anos, como ainda temos dificuldades para lidar com a exposição pública, que inclui a leitura até certo ponto ingênua das ferramentas tecnológicas.

Fingimos anonimato enquanto desejamos os dividendos do reconhecimento público, para não dizer a fama instantânea. Queremos olhar pelo buraco da fechadura alheia enquanto fechamos portas e janelas e pedimos silêncio depois de entupir a sala de jantar de gente estranha. Julgamos e apontamos o dedo enquanto recebemos conivência e compaixão ao virarmos réus, com ou sem justiça, em sessão transmitida ao vivo.

A vida editada do mundo virtual apenas ganhou um novo jeito de ser contada. É preciso pertencer, seja lá como os grupos se formam ou se desfazem. É essencial ser visto e o mundo dos aplicativos nos colocam no palco, nos tornam assuntos, nos integram à agenda criada por todos e por ninguém.

A Praça das Bandeiras é, para mim, um terreno fértil de observação. Não tenho paciência com jogos. Tenho curiosidade sobre as pessoas. Até porque, se a coerência pública-privada for mantida, o Pokemon Go vai se juntar, em breve, ao clube dos fenômenos mortos, com sepultura ao lado do avô Tamagochi, do primo Orkut, entre outros seres tecnológicos em ciclos de vida que mal consigo acompanhar.

A praça, pelo menos, é vida que pulsa. Se é real ou virtual, depende de qual aparelho você vê ou carrega nas mãos.

Obs.: Texto publicado no site Juicy Santos, em 19 de agosto de 2016.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A marca humana

O bombeiro Henrique Lopes Carvalho de Silva 

Marcus Vinicius Batista

A burrice dos homens e das instituições só pode ser amenizada ou corrigida pelo bom senso. Mas, muitas vezes, o preconceito precisa da força da lei para virar peso morto.

O Superior Tribunal Federal encerrou essa semana uma história de oito anos. Uma saga que atrapalhou a vida profissional de Henrique Lopes Carvalho da Silva. O STF determinou que nenhum concurso público pode adotar tatuagens como critério de eliminação, exceto em casos de ataques diretos à instituição organizadora da prova, defesa de terrorismo ou de grupos violentos.

Henrique foi eliminado no exame médico, no concurso para bombeiro, em São Paulo, por causa de uma tatuagem na panturrilha direita. O edital falava em lugares expostos e atentar contra a "moral e os bons costumes". Seria resquício da Tradição, Família e Propriedade?

Ele entrou na Justiça, venceu em primeira instância e assumiu o cargo. O Estado recorreu, ganhou e o bombeiro acabou exonerado. O fim da linha foi o STF, por sete votos a um.

Considerar tatuagem um desvio de comportamento é retroceder a meados do século passado. Seria crer que desenhos na pele significam exclusividade de presidiários, de bandidos.

As tatuagens, hoje, fazem parte do cotidiano de todas as classes sociais e faixas etárias. Tatuadores ganharam respeito como artistas. Os desenhos foram além da rebeldia juvenil ou de grupos específicos, como marinheiros e surfistas, estigmatizados como marginais.

Tatuagens adquiriram valor estético e status na sociedade de consumo. Ter uma tatuagem é a perenidade de uma fase da vida, de uma conquista, de uma experiência marcada por traços de afetividade. Podemos, aliás, redesenhar uma lembrança quando ela se torna amarga e dolorosa.

As tatuagens indicam quem somos ou os valores que carregamos. Mesmo que simbolizem apenas projeção ou desejo, elas carregam nas linhas e nas tintas um pedaço epidérmico de cultura, com ou sem profundidade de conteúdo. Rejeitar alguém por causa delas é se arrastar rumo à velhice de pensamento.

Tenho três tatuagens. E outras virão! Não me tornei melhor ou pior por elas. Se avancei ou não na vida, a "culpa" pertence ao corpo que as abriga e à mente que as concebeu como ideia.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 21 de agosto de 2016.

Santos: uma cidade em ponto morto


Marcus Vinicius Batista

A campanha eleitoral começou, mas parece que ainda não saiu do lugar. Depois de quase uma semana, as candidaturas não invadiram as ruas, exceto por tímidos adesivos de carros, com a repetição de cores, slogans e rostos sorridentes.

É claro que as novas regras limitaram a euforia dos candidatos e suas cargas de poluição visual. Sonho com uma Santos com menos lixo em forma de santinhos e outras tranqueiras de papel. Se a cidade já recicla pouco (menos de 2%), imagina o destino cruel dos bueiros a engolirem o que não merecem.

Por outro lado, muitos candidatos pensam que inventaram a roda no mundo virtual. Páginas de Facebook se multiplicaram, pedidos de amizade nos iludem com falsa popularidade, mas permanecem os slogans infantilizados na maioria dos casos. Termos como coragem, ousadia, família e Deus reforçam o teatro em busca do emprego dos céus.

O resultado já se reflete na pesquisa da Enfoque/Jornal Boqnews. A 40 dias da eleições, 55,3% dos entrevistados estão indecisos sobre o prefeito a escolher, segundo a pesquisa espontânea. Na estimulada, quando os nomes dos candidatos são expostos aos entrevistados, os indecisos caem para 36,7%. Em outras palavras, há um desinteresse de parte significativa do eleitorado pela campanha.

O prefeito Paulo Alexandre Barbosa é o maior beneficiado com uma campanha eleitoral em ponto morto. Quando menos atenção for dada aos adversários, maiores serão as chances dos eleitores votarem no piloto automático.

Na pesquisa espontânea, Paulo Alexandre (PSDB) lidera com 22,7%. Marcelo Del Bosco (PPS) tem 2,3%. Carina Vitral (PC do B), 1,1%. Os demais não alcançam 1%. Na pesquisa estimulada, o prefeito está na frente com 36,7%, seguido por Del Bosco, com 5,3%. Depois, Carina Vitral, com 2,3%; Paulo Schiff (PDT), com 2%.

Os dados indicam que, embora seja cedo para previsões consistentes, é possível pensar a campanha a curto prazo. O prefeito não está com a bola toda, se pensarmos que venceu há quatro anos no primeiro turno, com folga maior. Em compensação, os adversários padecem de desconhecimento do público ou de desconfiança. E o tempo talvez seja pequeno para reverter o cenário.

Paulo Alexandre apresenta, conforme a pesquisa, 53,3% de aprovação. mas 29% o reprovam como administrador. Metade dos entrevistados o consideram um prefeito de nota 5 a nota 7. Numa universidade, ele ficaria de exame, não passaria direto. Os números se assemelham à pesquisa anterior, de junho, o que denota relativa estabilidade.

O prefeito atual apresenta o maior índice de rejeição do eleitorado: 10,7%. Mas cuidado: 1) ele é bem mais conhecido do que os demais candidatos; 2) é vidraça por razões óbvias e 3) é um índice baixo para quem lidera a corrida. Um sintoma disso é que 47% dos entrevistados acreditam que Paulo Alexandre vai se reeleger em outubro.

Outra questão interessante é a preocupação do eleitor. 38,1% acreditam que o próximo prefeito deve priorizar a Saúde. Nada mais simbólico, diante de um hospital como os Estivadores, que custou uma fortuna, mas não foi aberto justamente por falta de dinheiro para equipamentos e pessoal, aspectos que deveriam ser previstos e planejados desde que o projeto foi anunciado, no início da atual gestão.

A primeira pesquisa pós-início de campanha eleitoral confirma algumas sensações. A eleição acontece numa cidade acomodada, não exatamente satisfeita. Parte do eleitorado não vê, até o momento, um adversário capaz de derrubar o atual prefeito e se apresentar como uma alternativa real.

Leve-se em conta que há pouco interesse em se informar com profundidade sobre nomes e programas de governo. O passado de promessas ao vento também pesa na desconfiança generalizada.

O próximo passo é a exibição do horário eleitoral gratuito. Difícil crer numa alteração significativa por causa do rádio e da TV, diante do tempo maior do candidato favorito. Até que ponto os demais concorrentes serão criativos com pouco dinheiro e tempo reduzido?

Lamento que a campanha eleitoral não esquente em temperatura mais perto da fervura. O banho maria só empurra os reais problemas para debaixo do tapete e não força um debate contundente sobre o que realmente interessa para Santos. Por enquanto, sorrisos, slogans e tapinhas nas costas não resolvem a equação da urna eletrônica.

Obs.: Leia aqui a pesquisa completa

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Quando o trânsito vira videogame



Marcus Vinicius Batista

Sou ciclista pela manhã. Depois do almoço, uso ônibus. À noite, ando até o trabalho e de volta para casa. Quando a chuva ou a hora apertam, vou no banco do passageiro do carro, com ou sem bandeira.

Não sofro de Transtorno Dissociativo de Personalidade (pelo menos, ainda não fui diagnosticado). Essa personalidade múltipla me permitiu compreender e vivenciar as diversas visões do trânsito de Santos. E observar o quanto motoristas, ciclistas e pedestres podem sofrer de neuroses urbanas.

O trânsito, não apenas em Santos, padece de uma mentalidade individualista. Não conseguimos pensar em termos coletivos. A estrutura e o comportamento favorecem o carro, em quase todas as circunstâncias. Os estacionamentos, por exemplo, se multiplicam como coelhos, cobram preços de capital e, mesmo assim, não dão conta da demanda em certas áreas da cidade, como arredores de faculdades e região central.

Como sintoma brasileiro, o transporte coletivo é caro, por proporção, e excludente, vide o nome Seletivo. Uma empresa mantém o monopólio e opera sem ser incomodada. Os vereadores, no máximo da subserviência, aprovam leis para confirmar o óbvio, como a presença de troco nos ônibus. Nem pensar em cobradores, em veículos adequados às avenidas sufocadas ou pontualidade dos ônibus.

Já o serviço intermunicipal, fiscalizado pelo fantasma EMTU, é guerra civil porque multiplica em potência de 10 os problemas descritos acima.

O trânsito de Santos sofre de narcisismo patológico. Cada um disposto a resolver seu lado, economizar exorbitantes dois, três segundos, enquanto espreme a buzina para empacar no semáforo seguinte. Os problemas seriam menores se educação cidadã batizasse todos os tipos de combustível.

No último final de semana, eu e meu pai brincamos que o trânsito de Santos se parece com um videogame. Como ciclista, ganho pontos por desviar de galhos de árvores, de pedestres que passeiam pelas ciclovias e por driblar carros que ignoram a pintura de solo ou o semáforo.

Todos os dias, chegar em casa é passar de fase e continuar no jogo. E minha mulher e amigos torcem para que nunca aconteça Game Over.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

A vacinação eleitoral



Marcus Vinicius Batista

A campanha por votos puxou outra, a de vacinação eleitoral. Os técnicos devem percorrer as ruas da cidade, a partir dessa semana, para conter a epidemia que transforma pessoas em candidatos a vereador.

A proposta é evitar que o vírus da megalomania eleitoral se espalhe nos próximos 45 dias; por coincidência, o período de incubação da doença e o tempo de campanha para as eleições. As autoridades sanitárias explicam que é impossível erradicar a enfermidade. A saída é administrar os sintomas e se apoiar em estratégias de prevenção para uma doença que se manifesta a cada quatro anos.

Em 2016, especialistas preveem que a síndrome alcance a forma mais aguda por causa da proximidade e do excesso de candidatos. Não há diferenças físicas entre os portadores do vírus e os candidatos não infectados. Não há manchas, feridas ou bolinhas pelo corpo. Só o desejo de se dar bem.

Por isso, saiu uma cartilha com regras básicas de prevenção. A primeira delas é evitar o contágio corporal. Não deixe que candidatos carreguem bebês no colo, beijem e abracem velhinhas, comam seu pastel na feira livre, almocem ao seu lado no restaurante por quilo. Um dos sintomas, aliás, é o apetite incontrolável. Um candidato pode almoçar duas vezes e jantar outras três, mais chá da tarde e cafezinho, só para ganhar votos.

Um candidato com a doença pode ter crises espirituais. A fé fica exacerbada. Ele poderá abraçar pastores, balançar o corpo em terreiros, incorporar o sorriso espírita e comer a hóstia diante do padre.

O terceiro sintoma, explica a cartilha, é a fala, entre o otimismo e a agressividade. As palavras se repetem, de defesa da família à valorização de Deus, de educação à geração de empregos. Há ainda a obsessão por prometer o impossível, recitar projetos e criar programas.

A campanha de vacinação deve prosseguir, em Santos, até 3 de outubro. A expectativa é que parte da população crie anticorpos para se manter saudável diante da urna eletrônica. Caso contrário, crescem as chances de surtos nas zonas eleitorais.

O Ministério da Saúde adverte: se persistirem os sintomas na campanha política, procure por informação.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 14 de agosto de 2016.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O pai político

Getúlio Vargas: o Pai dos Pobres; para críticos e defensores,
sentidos diferentes

Marcus Vinicius Batista

O pai político é o pior dos pais. Ele está predestinado a quebrar a regra de ouro no relacionamento com os filhos. Nós os criamos para que caminhem sozinhos. Libertá-los para os erros da vida é pensar neles, ainda que seja sofrido para os envolvidos.

O pai político não consegue ser assim porque precisa dos filhos debaixo das asas do poder. Sem a presença dos rebentos na barra da calça, ele se torna sem função, porque é incapaz de abandonar o vício chamado controle.

O pai político pode se vestir de progressista, se fantasiar de democrata, se mascarar de liberal, mas se revelará, nas crises, como um sujeito autoritário, com requintes de totalitarismo. É sua própria dependência da mosca azul, expressão simbólica para quem não consegue dizer adeus ao poder.

A História brasileira é impregnada de personagens com este perfil. Uma das consequências, por exemplo, é que tanto eleitores quanto políticos personalizam os processos eleitorais, em detrimento das ideologias e dos projetos partidários.

Os políticos podem até fingir, mas se traem logo na primeira rusga com adversários, na primeira exposição de defesa pública. A personificação da política relativiza a complexidade das relações humanas, as dificuldades em dimensionar os degraus que compõem a escada de um governo.

Getúlio Vargas era o pai dos pobres. Vários governantes vieram depois dele, em maior ou menor intensidade. Lula foi o último da linhagem paternalista. Ele tentou transformar sua sucessora em mãe, mas a família parlamentar fez questão de sabotar a linhagem e lembrá-la que, na casa Brasil, o pai (ou a mãe) só governa depois de negociar com os parentes, de vários graus. Getúlio que o diga sobre as dores de uma negociação.

Michel Temer até esboça ser o novo pai. Ele está mais para tio distante ou para padrasto. O padrasto raramente se transforma em pai. O padrasto enfrenta rebentos mimados na casta política, acostumados a privilégios, sem legitimidade para dizer quem manda na sala de jantar.

O pai político, como figura simbólica da história republicana, controla seus filhos com mão de ferro. Na frente dos amigos, acaricia as cabeças das crianças enquanto deseja repetir as cintadas quando a última visita fechar a porta. O morde e assopra é parte da ciranda, parte do cabresto.

Como se perpetuar na condição de ídolo, se não tornar a relação com os filhos um sequestro vitalício? O pai político, muitas vezes, não escolhe um filho preferido. Ou melhor, muda de preferência para estimular o ciúme coletivo, para estar à frente pelo respeito via medo, jamais admiração. Os filhos devem acreditar que têm muito a perder se enfrentarem o provedor.

Em Santos, nunca houve um pai político, desde o final do regime militar. Tentativas aconteceram, mas esbarraram no perfil dos candidatos, ora técnicos, ora coronéis. Um coronel pode ser pai, mas não é genética política.

Herdar uma dinastia, diga-se passagem, também não é receber - via DNA - o talento para a paternidade política. Neste caso, há de se esperar mais umas três, quatro eleições.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Mulheres, ocupem as cadeiras!



Marcus Vinicius Batista

O início das Olimpíadas reacendeu a conversa sobre o papel das mulheres, por causa do futebol feminino e pela medalha de ouro de Rafaela Silva, no judô. Ambos os casos simbolizam como a luta das mulheres por espaço é marcada por sofrimento, preconceito e resistência. Nos Jogos Olímpicos, Estados Unidos e China são as potências com mais mulheres do que homens inscritos como atletas.

A briga feminina por voz na sociedade e pela redução de estigmas é um processo em curso. São, por exemplo, as denúncias da cultura do estupro, o movimento pelo direito de amamentar em público, além das várias vertentes do feminismo.

É essencial aproveitar o quadro favorável e ultrapassar mais uma fronteira, a da política. Faltam menos de dois meses para as eleições, e a Baixada Santista dá sinais de retrocesso histórico. As três cidades, Guarujá, Cubatão e Peruíbe, administradas por prefeitas, devem ser governadas outra vez por homens.

Em Santos, dos nove candidatos a prefeito, apenas duas mulheres: Carina Vitral (PC do B) e Débora Camilo (PSOL), ambas sem o manto do favoritismo. A última prefeita foi Telma de Souza (PT), há 24 anos.

A Câmara de Santos tem um quadro pior: a atual turma de 21 vereadores forma o Clube do Bolinha. Apenas uma suplente, Fernanda Vanucci, ocupou o cargo por curtíssimo tempo. O Poder Legislativo sempre teve tradição de mulheres combativas em plenário. Nomes como Sueli Morgado, Sueli Maia, Maria Lúcia Prandi e Cassandra Maroni.

A maioria das mulheres passou pelo PT ou começou no partido. A cota de 30% de mulheres nas chapas de candidatos ao Legislativo nunca foi alcançada, nem pelo PT no auge da militância na cidade. O eleitorado feminino é maioria (52%), mas gênero não parece ser critério de voto.

Esse cenário me lembra a história de uma psicóloga, convidada para entrar em um partido político, em Santos. A proposta envolvia aumentar a presença feminina na sigla. Na primeira reunião, no escritório partidário, ela descobriu que "aumentar a presença feminina" significava organizar chás da tarde e bingos beneficentes. Ela nunca mais voltou.

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 10 de agosto de 2016.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

As pedaladas e os jogos de poder

O dilema de alguns candidatos: vencer ou proteger o líder? 

Marcus Vinicius Batista

Com o término das mornas convenções partidárias, a campanha eleitoral pode finalmente sair do armário. Na sexta-feira, confirmou-se o nono e último candidato a prefeito de Santos, o jornalista Edgar Boturão (PROS). Ele representará uma coligação de três partidos nanicos, sem chances de incomodar os cachorros maiores na rinha de outubro.

A entrada de Boturão no clube dos 9 reforça que a corrida eleitoral deve ser vista por aquilo que não se vê. Explicando melhor: a eleição em Santos se parece com uma prova de ciclismo, em que vários competidores, sem possibilidades de vitória, trabalham para atrapalhar os principais concorrentes e ditar o ritmo que conduzirá o líder da equipe à vitória.

O prefeito Paulo Alexandre Barbosa, gostando dele ou não, merece o reconhecimento como estrategista político. Além do trem de carga com 16 partidos-vagões, ele conta com o apoio às avessas da oposição para se reeleger sem sair de casa.

Independentemente do tempo monstruoso de TV e rádio - duvido cada vez mais da eficácia do horário eleitoral -, o prefeito não precisará se prender à competência do marketing para vencer outra vez. Basta observar, do gabinete, a implosão eleitoral de seus adversários.

A eleição em Santos será, com alto grau de probabilidade, uma batalha marcada pelo fogo amigo. É preciso descontar as candidaturas de partidos pequenos, por tradição ideológica contrários ao modelo de gestão atual e afinados com os preceitos de uma esquerda do século 20. Outros nanicos somente compõem o cenário.

Eliminemos também a candidatura de Carina Vitral que, pela aliança com o PT, enfrentará a rejeição histórica das alas conservadoras da cidade, mais as fagulhas do incêndio da escola lulista.

Sobram três candidaturas que poderiam unir esforços, mas caminham em paralelo, com discursos semelhantes e fatias de eleitorado mais parecidas ainda. Fora a relativa intersecção de público com Carina Vitral.

Paulo Alexandre Barbosa poderá vencer por inércia. Minha dúvida é: como alguns candidatos vão se portar depois que o primeiro turno passar?

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 7 de agosto de 2016. 

domingo, 7 de agosto de 2016

Patriotas e ufanistas



Marcus Vinicius Batista

Acompanhar as Olimpíadas é mais do que se sentar diante da TV, vaiar ou gritar nas arquibancadas. Os Jogos Olímpicos são o retrato de um conjunto de sentimentos e de valores culturais que brotam e se manifestam por exagero durante duas semanas, para adormecer logo após que a tocha se apagar.

No Brasil, as Olimpíadas nos levam a cozinhar na mesma panela, em fogo alto, ufanismo e patriotismo, tornando os dois obrigação cívica e pressionando aqueles que tentam se afastar da euforia. Ufanismo e patriotismo são pratos de gosto parecido, principalmente pelo impacto do espetáculo e da carga emocional que abraçam vitórias e derrotas.

Os ufanistas me preocupam pela empolgação quase patológica, cegos e surdos diante de vários aspectos que envolvem as competições. O ufanista é escravo da ausência de reflexão. É vítima de um amor incondicional e servil. Padece da ilusão de que seu sonho de país se aproxima da concretização real e sem volta. Todos os insucessos e defeitos serão apagados assim que ouvir o primeiro acorde do hino nacional.

O ufanista não trabalha em silêncio. Vende-se como um sujeito leal e, portanto, digno de ser testemunha das conquistas que se avizinham. O nacionalismo, a face política (ou pseudo-política) do ufanismo, está atrelado aos princípios elementares da propaganda de guerra. Não basta seu país. É vital esmagar o adversário e ratificar a condição de superioridade e, por tabela, de inferioridade do perdedor.

O ufanista jamais perde. É egocêntrico demais para isso. Nas derrotas reais, florescem os mecanismos de defesa, as justificativas, as desculpas que, se pensasse, nem o ufanista acreditaria na própria voz. Na inspiração e expiração de ingenuidade, ele coloca nas costas de um terceiro a culpa pelo resultado indesejado.

Nas Olimpíadas, ele se queixa de árbitros, fórmula de disputa, infraestrutura do adversário, El Niño, Bolsa de Valores, o que for para jamais olhar em direção ao próprio umbigo e perceber que não o lava há tempos, quanto mais compreender os méritos de quem o venceu.

O patriota representa quase a visão oposta. Quase, pois se fundem no mar verde e amarelo. Mas a diferença não seria sutil? Nos Jogos Olímpicos, patriotas e ufanistas estão lado a lado, simbióticos na torcida. O patriota é perceptível no rescaldo, etapa menos suscetível às pressões sociais carnavalescas.

O patriota se preocupa, em tese, com as consequências da festa. Quem ficará com a despesa, por exemplo, de R$ 59 milhões por ano para manter dois grandes complexos esportivos no Rio de Janeiro? O patriota, eventualmente, consegue ser capaz de manter uma distância segura e ponderar sobre o cenário, preocupado com os excessos presentes via propaganda.

Não consigo ser um ou outro. Embora lute, posso até ser ambos, assim como você. Verei de perto os jogos, porém admito que me interesso muito mais pelas histórias do que pela cor da bandeira. Na maioria das vezes, já que certas cicatrizes nunca somem.

sábado, 6 de agosto de 2016

A caça ao Zé das Medalhas

Zé das Medalhas, personagem interpretado por Armando Bogus

Marcus Vinicius Batista

A Câmara de Santos aprovou o projeto de lei do vereador Benedito Furtado (PSB) que diminui pela metade o número de homenagens que cada parlamentar poderá conceder durante os quatro anos de gestão. Com a mudança, cada vereador só poderá entregar duas placas comemorativas e duas medalhas Braz Cubas. Ficam mantidos dois títulos de cidadão santista ou de cidadão santista emérito.

A justificativa é que as homenagens seriam mais valorizadas, o que evitaria a banalização das honrarias. No entanto, a questão me parece mais profunda, dentro da mentalidade presente na política brasileira desde o período colonial.

O projeto de lei, ao tratar de um assunto cosmético, indica o quanto se perpetua o hábito de se legislar sobre tudo. Qualquer problema que poderia ser resolvido com bom senso ou parcimônia necessita de uma lei que, em tese, colocaria um ponto final.

Os políticos adoram pregar um broche ou pendurar uma medalha para agradar o resto da turma. Na fase colonial, os sujeitos bem quistos ganhavam um cargo com a palavra "mor". Ou seja: mais, diferente, acima dos outros.

No século 19, os amigos do imperador eram acariciados com títulos de nobreza, como barão, conde, duque, visconde, marquês. Era a retribuição pela lealdade, pelos serviços prestados ou para selar a troca de favores.

Com o Brasil-República, permaneceu a cultura de distribuição de títulos aos amigos do "rei". Muitos dos premiados, inclusive, acumulam comendas como heróis de guerra. Ou ostentam nomes informais que simbolizam poder, como comendadores e coronéis.

O projeto de lei me fez lembrar de um personagem da novela Roque Santeiro, de Dias Gomes. Na trama, Zé das Medalhas, um sujeito mesquinho e avarento, acaba afogado nas próprias medalhas que tanto prezava.

Se somarmos os 21 vereadores, a Câmara poderá conceder, a cada quatro anos de mandato, 42 placas, 42 medalhas Braz Cubas e mais 42 títulos de cidadão santista. Dá ou não para lembrar do destino final do Zé criado por Dias Gomes?

Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 5 de agosto de 2016.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Os candidatos-pokemons




Marcus Vinicius Batista

A febre se aproximava há semanas, mas só chegou por aqui nos últimos dias. Eles começaram a aparecer em vários lugares da cidade, sem avisar quem não acompanha o processo político. Alguns parecem perdidos, deslocados, desnorteados diante do que podem fazer nas ruas, nos espaços privados, do que devem dizer para seus eleitores-jogadores.

Os candidatos-pokemons apresentam pontuações diferentes, assim como os parentes japoneses virtuais. A pontuação varia conforme algumas habilidades, como a capacidade financeira de entupir a cidade de propaganda, a força para derrubar adversários com mensagens enganosas (ou até verdadeira, mas projetada no outro), a velocidade para negar o passado e recriar, com hologramas eleitorais, um presente intacto e as armas para construir alianças com outros pokemons.

Muitos destes candidatos jogam com realidade aumentada, o que por vezes beira a pirotecnia arco-íris. Discutem problemas além da alçada de um vereador, falam de questões metropolitanas, quando não prometem soluções irreais e/ou megalomaníacas como se concorressem ao posto de prefeito de uma cidade virtual.

Não é preciso acionar o GPS do celular para localizá-los. Na eleição passada, eram 450 personagens. Agora, parecem que receberam água, feito os avós tamagochis, e se multiplicaram como gremlins. Eles estão nas redes sociais, nos adesivos dos carros, nos abraços nas ruas, comendo pastéis nas feiras, almoçando no Bom Prato, nas conversas com velhos amigos que se conheceram há cinco minutos.

Nós, eleitores, só podemos nos defender sozinhos, pelas regras do jogo. Nem treiná-los podemos, pois daqui a pouco o horário eleitoral gratuito começa e nos indicará o quanto prevalecem as armadilhas desta disputa.

Os candidatos-pokemons bem que poderiam ter saído do jogo que faz sucesso global. O problema é que carregam com eles duas diferenças dos personagens japoneses. Em primeiro lugar, não evoluem enquanto jogamos. Pelo contrário, regurgitam a retórica de todos os dias!

Depois, qual eleitor desejará capturá-los para avançar na disputa? Não há pokebolas - dispositivo para aprisionar as criaturas - que dê conta de tantos personagens caricatos que devem viralizar na urna eletrônica.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O vice de Paulo Alexandre

O vereador Sandoval Soares, candidato a vice-prefeito pelo PSDB

Marcus Vinicius Batista

As convenções partidárias são óbvias, pois confirmam o que já está nas ruas há semanas. Mas houve uma exceção: a escolha do vereador Sandoval Soares para ser candidato a vice-prefeito na chapa de Paulo Alexandre Barbosa. O nome dele só vazou poucas horas antes do encontro tucano e sacramentou uma estratégia política costurada pelo próprio prefeito.

Paulo Alexandre é aluno diplomado da velha escola da política. Repete as tradicionais táticas, que costumam dar certo quando o vento é favorável. A escolha de Sandoval Soares atende a uma série de princípios que poderão reduzir possíveis danos no segundo mandato.

Sandoval é um homem de partido. Um político discreto, acostumado a trabalhar nas sombras, sem vaidade excessiva por holofotes. Sandoval sempre esteve ao lado da Prefeitura, sem emitir uma queixa em três anos e meio.

Para ele, aceitar ser vice é um passo à frente. Na última eleição, Sandoval foi o último vereador eleito da lista do PSDB. Quatro anos depois, a turma cresceu - pulou de seis para dez vereadores -, fora os concorrentes de outros partidos da coligação. Ser vice-prefeito, numa eleição sem riscos, é manter a discrição de gabinete, somada a um pouco mais de poder.

Para o prefeito Paulo Alexandre, a escolha do vice foi uma cartada de mão cheia. Cozinhou os aliados até a última badalada para fechar com um soldado leal da própria infantaria. A chapa pura tucana é a primeira desde 2004, quando Raul Christiano saiu a prefeito e Bruno Covas, a vice. A pureza dá o recado sobre quem comanda o tabuleiro.

Com Sandoval como vice, o prefeito não corre riscos de ver um monstro crescendo dentro do armário. Esta eleição, salvo milagre, é vestibular para 2020. Tanto que vários partidos pleitearam a indicação do vice, inclusive com gente se oferecendo pela imprensa.

Sandoval, na cartilha do prefeito, repetirá o comportamento do vice atual, Eustázio Alves Pereira. Ou seja: política recatada, sem ambições sobre a cadeira alheia e, como prêmio, um pequeno feudo para comandar no reino chamado Prefeitura de Santos.