segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Meu candidato



Marcus Vinicius Batista

Meu candidato é uma silhueta no horizonte eleitoral. Mal consigo vê-lo, e sua voz é abafada pelo coral desafinado de promessas e propostas. Diante da incerteza, o que posso esperar dele ou dela? O que não posso tolerar?

Meu candidato pode ter nascido em qualquer lugar. É provinciano bufar para que seja na mesma cidade onde concorre. Certidão de nascimento não é atestado de competência ou critério de voto. Também não há necessidade de morar aqui por décadas.

Basta conhecer bem o território e suas dificuldades, além de apostar em pessoas que compreendem as nuances do local. Conheço gente que mora na minha cidade há meio século e nunca saiu de três ou quatro bairros perto da praia, mais dois shoppings de bônus.

Meu candidato não precisa ter família de comercial de margarina. A cidade procura por um administrador, não alguém para se sentar na cabeceira da mesa no almoço de domingo. De preferência, a família deve ser pequena; assim, haverá menos gente para pedir privilégios e exigir que seja encaixada em qualquer repartição pública.

Meu candidato não precisa ter religião. Nem carece de ser um homem de Deus. Basta ter fé, sem desejar ser messiânico ou falso profeta. A fé, neste caso, serve para resistir às tentações, sobreviver às tempestades políticas e olhar de frente para o sete peles, este no corpo de adversários e também de aliados. Ao tomar pé das finanças, o eleito terá certeza de que o inferno é aqui.

Meu candidato não precisa prometer que cuidará ou acolherá os moradores. O anúncio recruta um profissional com capacidade administrativa, e não pai ou mãe. Pai e mãe podem ser afetivos ou cruéis. Confundem sentimentos com razão e abusam de poder quando definem todas as relações com seus "filhos" como verticais. De Getúlio a Lula, de Maluf a Dilma, de JK a Temer, dispenso inclusive os padrastos.

Meu candidato não precisa estabelecer uma relação de amizade. Não quero abraços, beijos, sequer um aperto de mãos ou sorriso amarelo. A vaga, que paga bem, exige alguém que apresente soluções compatíveis com a cidade, sem levá-la à falência ou deixar defuntos no armário para o sucessor. Se os administradores mudam, os moradores ficam e sofrem.

Meu candidato pode estar de dieta. Não precisa ser maratonista gastronômico. Pastel de feira com caldo de cana, cafezinho com pão na chapa na padaria, restaurante de um real, tudo no mesmo dia. É melhor alimentação equilibrada do que ser afastado do trabalho por pressão alta, colesterol, diabetes. Os excessos com a comida ficam por minha conta.

Meu candidato deve andar com pés nos chão para fugir da arrogância megalomaníaca. A cidade não precisa de elefantes brancos desfilando pelas principais avenidas. Muito menos de obras cosméticas, que serão refeitas depois de três, quatro anos, porque o eleito mudou de ideia. Caminhar com firmeza é a singela compreensão de que a cidade pulsa pelas pessoas, muito mais do que por carcaças de concreto e ferro com nomes gourmets.

Ele (ou ela) ainda é um desconhecido. Olhando para o horizonte, tenho dúvidas: meu candidato é uma miragem, alguém que se aproxima ou um espírito disposto a puxar meus pés no dia 2 de outubro?

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