Marcus Vinicius Batista
Quando era criança, eu já desconfiava, sem entender o que se escondia por trás da fila no pátio e dos gritos da professora. No início da década de 80, o hino nacional entrava no pacote que incluía disciplinas como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), ícones educacionais do regime militar.
Depois, adulto, ficou mais claro como se agredia o hino nacional quando a seleção brasileira de futebol entoava os versos para mascarar o eterno uso político do esporte, o balcão de negócio sem pudor ou portas fechadas. Os jogos da seleção representam o momento no qual mais gente se reúne para exercitar o patriotismo de gaveta.
Neste ano, o hino nacional foi assassinado duas vezes, se é possível matar um símbolo de formas repetidas. A primeira foi quando deputados federais festejaram em cima da letra de Joaquim Osório Duque Estrada, depois de promover um espetáculo de grosserias e limitada inteligência na votação pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Quem não acompanha política se surpreendeu com o nível de subsolo dos parlamentares, loucos para aparecer na TV.
Na semana passada, a malhação pública do hino nacional se repetiu na outra casa legislativa federal, em Brasília. Os senadores, ao afastar Dilma, mas mantê-la elegível, cantaram o hino e fizeram papel picado da Constituição Federal.
O hino nacional pouco me causa impacto, para ser educado. Não o canto. Mantenho-me silencioso em eventos públicos, em respeito ao que representou na História, não pelo sua exploração atual.
A música e a letra são de um país que não existe hoje. Talvez nunca tenha existido, quando aproximamos a lupa histórica. São símbolos do país do futuro, do gigante que nunca acorda, daquela nação que poderia ter sido.
O hino nacional mais se parece com uma poesia, bela por si mesma, do que um espelho de vidro limpo e brilhante. É necessário esforço para enxergar suas palavras em meio às manchas e ao limo que encobrem a superfície.
Em 7 de setembro, cantar para quê? Na política, o hino nacional está no mesmo time de Deus e da família. Muitos o usam para gastar saliva, mas poucos sabem o que significam. E não falo apenas da óbvia política com mandato, terno, gravata e processos na Justiça.
Obs.: Texto publicado no Diário do Litoral, em 7 de setembro de 2016.
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