sexta-feira, 29 de maio de 2015

Por que só te calas?

Dois anos atrás, várias Prefeituras recuaram no reajuste do preço da passagem de ônibus e, no caso de Santos, a administração local decidiu manter a tarifa, por conta do clima político e das manifestações nas ruas. No domingo, dia 24, o preço pula de R$ 2,90 para R$ 3,25. Silêncio. Ruas caladas diante de um conformismo ou a reação de que não é conosco.

Nós ficamos em coma com o reajuste, assim como nos fingimos de mortos com a energia, com a gasolina, com a comida, tudo mais caro. Somos omissos diante de motoristas sem troco. Como será agora com as moedas de 25 centavos? Aceitaremos um assalto de valor mais alto? Somos omissos também com a distância maior entre os pontos de ônibus, para proteger o trânsito dos carros que – quase sempre – carregam exércitos de um passageiro só.

Aceitamos como favor ou migalhas obrigações transformadas em mérito como Internet e ar-condicionado nos veículos. Concordamos com ônibus lotados em horários de pico e minutos para um coletivo sair de um ponto por causa do número menor de paradas.

Não desconfiamos porque a mesma empresa controla o serviço de transporte público desde o século passado. Não perguntamos por que somente a mesma empresa se interessou pela concessão de um serviço tão lucrativo, ainda que os números não sejam públicos.

O aumento da tarifa de ônibus é só mais um exemplo que se multiplica como vírus numa sociedade de analfabetismo político. Ficamos calados quando deputados federais aprovam a construção de um shopping center ao lado do Congresso Nacional, ao custo de R$ 1 bilhão. Por que não transferir o esforço parlamentar para evitar um corte maior de R$ 9 bilhões na pasta da Educação?

Nós nos calamos quando o deputado federal Beto Mansur – o mesmo do selfie no incêndio da Alemoa – justifica o gasto da obra com palavras como “centro comercial” e “algumas lojas”. É o mesmo silêncio que ocorreu quando todos os deputados federais que representam a Baixada Santista votaram pela terceirização das relações trabalhistas.

Nós nos calamos quando os professores entram em greve para amenizar o abismo social que os engole ano a ano. Do vale-coxinha (nome sugestivo, anterior ao apelido que alcança o chefe do Palácio dos Bandeirantes) à violência diária nas escolas estaduais.

Nós nos calamos até o momento em que o governador Geraldo Alckmin, um mestre do xadrez político, esvazia o movimento pelo cansaço. Dois meses depois, dois meses de negativas e olhos fechados como Alice no País das Maravilhas, as escolas seguem quase em ritmo normal, de cotidiano heroico de várias categorias de funcionários.

Nós nos calamos diante das torneiras secas, do reajuste da água digno dos tempos do Sarney, na década de 80, e do mundo do não que governa Alckmin. Ele se elegeu, mais uma vez, com a cumplicidade de quem tolera um reajuste cavalar nos pedágios por causa de um contrato assinado pela turma que continua no poder. De quem tolera faltar água e ver professores com jornadas exaustivas e afastamentos por depressão, síndrome do pânico e outras patologias da modernidade semi-escravocrata.

Como dizem os argentinos quando falam de si, vivemos uma política adolescente. Reclamamos do PT com razão, por ser incapaz de cortar fundo a própria carne, mas transformamos a política numa novela mexicana, frágil na montagem de heróis e vilões.

Por que nos calamos? Talvez por nos faltar maturidade política para entender que os engravatados só se mexem quando a causa é clara, quando a faca encosta nos pescoços deles. Fora Dilma ou Volta Ditadura soam como pedido espiritual tamanha a abstração e distância da realidade. Blefes cívicos não resolvem uma questão prática, como abrir uma torneira ou pagar mais para subir num ônibus lotado, todos os dias.

Por que nos calamos e somos seletivos para ir às ruas? Gritar na Internet ajuda, mas não faz cócegas em que insiste em nos lesar. Bater panelas nas varandas não muda nada, apenas aumenta os decibéis de quem precisa descansar um pouco. Bater panela na janela faz, na prática política, o mesmo barulho que um monastério budista.

Por que não mudamos de janela? Talvez os ouvidos políticos fiquem mais sensíveis se as panelas estiverem embaixo das varandas com mandato? Por que não abrimos a boca e vamos para a rua, uma causa por vez?

sábado, 2 de maio de 2015

Os bandidos


Os professores são bichos estranhos. Enquanto todos falam de seus trabalhos como atividade remunerada, professores são voluntários porque dão aulas. E não somente dão aulas com ajuda de custo, como o fazem com exclusividade, traduzida na pergunta: você só dá aula?

Agora, os professores resolveram se comportar mal. Quando a ordem é enterrar a cidadania e os direitos adquiridos, os professores do Paraná foram petulantes ao protestar nas ruas. Manifestações só valem para questões tão dispersas quanto espirituais. Intervenção militar, por exemplo.

Os professores são sujeitos violentos. Quando não se armam com giz ou caneta de lousa branca – apagador é proibido -, os educadores perdem os bons modos e atacam policiais com os próprios corpos. Batem a cabeça em cassetetes, furam o braço nos escudos dos policiais.

Professores são masoquistas. Aceitam com prazer salários ruins, vale-coxinhas e jornadas em várias instituições. O altruísmo sem limites inclui dar a outra face para o murro policial. E tem que ser em praça pública, pois docentes são narcisistas que precisam apanhar e aparecer para as câmeras de TV.

Esses marginais contam com apoio de outros criminosos impregnados de má fé. Um deles era cinegrafista. Ele não só registrava o que acontecia para prejudicar os policiais como também provocou o pitbull que dilacerou sua perna esquerda. Um kamikaze, provavelmente, que pretendia tirar licença do trabalho e curtir férias no hospital. Por que não adquirir uma cirurgia reparadora no pacote de folgas?

Os bandidos de diploma de licenciatura representam má influência, claro. Os deputados estaduais do Paraná, assim como parlamentares de todo o Brasil, tem o direito de defender suas propriedades. Assembleia Legislativa não é casa do povo, da ralé. É a extensão residencial dos engravatados com mandato. E com guarda pretoriana particular, enfeitada de capacete, escudo, armas, bombas e dinheiro público.

A má influência contaminou 17 PMs desertores. Eles se recusaram a atacar os professores. Cadeia neles! Como puderam perder tamanha oportunidade de surrar insurgentes desarmados, baderneiros? A polícia não é para proteger patrimônio?

Esses policiais tomaram doses de humanidade. Envenenados pelo povo que deveria estar em sala de aula, de bico calado e cabeça baixa. Parar de trabalhar? O Paraná deveria aprender com São Paulo, onde o governador – do mesmo partido – jura que greves (ah, e falta d´água) não existem.

Três grandes jornais diários não surpreenderam. Nas manchetes, a palavra confronto. Jornalistas sabem – porque é matéria-prima – o peso e a intenção de uma palavra. Confronto quando um lado ataca e o outro corre pela impossibilidade de se defender?

Triste é o país onde seus professores são tratados como bandidos. Triste é uma sociedade que, em suas entranhas, defende intervenção militar e é incapaz de se mover por quem os ensinou durante muitos anos. Vai ver que a ironia está aí: os professores não ensinaram direito porque estavam preocupados em protestar!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Um prêmio à criatividade




Cada vez que encontro um vereador em Santos – sim, eles andam na rua de vez em quando -, vejo com pesar seu rosto exausto, envelhecido. Ser um vereador significa horas de trabalho em comissões, de debates em reuniões, de conversas em articulações políticas, de brigas em plenário e, claro, dias de planejamento para entrega de medalhas e outras honrarias.

A melhor forma que encontrei de reconhecê-los é divulgar a criatividade de alguns deles. O ápice de um vereador é quando ele apresenta um projeto de lei. Que honra modificar os caminhos de um município com ideias que zelam pelo bem estar dos cidadãos, como também proteger a moral e os bons costumes! Uma luz de criatividade nas trevas da política!

O prêmio de funcionário do mês deveria ser entregue – falta ainda a decisão de uma comissão de notáveis – para o Professor Igor, do PSB. Ele apresentou um projeto que, tenho certeza, vai modificar a maneira como o santista vê filmes. Uma proposta que fará os colegas se morderem de inveja (como não pensei nisso antes?) e que, se aprovada, se espalhará pelo Brasil.

O vereador propôs disciplinar o comportamento das pessoas dentro das salas de cinema. A lei, na fase de comissões, determina o fim do barulho nas salas, proíbe a entrada de consumidores com celulares ligados e com “alimentos incompatíveis”. Não sabe o que são “alimentos incompatíveis”? Ora, aqueles que são semelhantes aos vendidos nas salas de exibição. Bom comportamento inclui qualidade de vida, que significa alimentação nutritiva.

O projeto é tão zeloso dentro dos princípios da criatividade que determina que os pés do espectador têm que ficar perto da poltrona. Imagina conviver com a indecência de pernas para o ar! E, como professor, o vereador não deixou de lado a educação. Se aprovado, será lei não filmar ou fotografar, como também levar as embalagens para as lixeiras antes de deixar a sala de cinema.

Os infratores serão convidados a deixar o recinto. Por quem? Calma, não dá para pensar em tudo. Ressurreição dos lanterninhas? Olha aí a geração de mais empregos.

A ideia é tão prestativa que se casa com outras propostas de colegas da casa. Poderíamos classificar até como um gesto de altruísmo parlamentar, pois valoriza a própria proposta e ainda ressuscita o que foi enterrado pelas justificativas arbitrárias de inutilidade ou ilegalidade.

Disciplinar os arruaceiros que insistem em ver filmes no cinema complementa, em parte, o projeto de lei do vereador José Lascane (PSDB), aquele que proíbe os selfies nos banheiros. Daria para fazer um combo legislativo, já que devem ser comuns selfies em banheiros de salas de cinema. Uma pena que este projeto foi reprovado na Comissão de Justiça, Redação e Legislação Participativa, da Câmara Municipal.

Há outros exemplos de criatividade entre os parlamentares de Santos. No final de 2013, a Câmara aprovou a proibição do uso de celulares em sala de aula, na rede municipal. Quem fiscaliza? O professor, sujeito que não tem muito o que fazer durante os dias letivos, a não ser dar aula.

Outro caso foi o projeto de lei, apresentado na década passada, que mudava o tratamento entre os vereadores de “Vossa Excelência” para “Senhor”. Depois de muito discutir na ocasião, os parlamentares reprovaram a ideia. Como vulgarizar a maneira de chamar a um colega? Vereadores tinham que dar o exemplo.

Por essas e outras, sempre olho com pesar – e admiração – quando vejo um vereador com olhares exaustos pelas ruas da cidade.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Sete pontos (e muitas perguntas) sobre o incêndio na Alemoa


Foto: Solange Freitas - G1-Santos
O incêndio nos tanques da Ultracargo, na Alemoa, em Santos, nos possibilita – infelizmente – testemunhar certos aspectos da cidade que é vendida como exemplo de qualidade de vida. E, por conta disso, nascem diversas dúvidas, dificilmente respondidas pelos homens de terno que se reúnem, se reúnem, se reúnem, dão entrevistas, dão entrevistas e silenciam quem estava na linha de frente, pessoas preocupadas não só em apagar o fogo, mas também informar sobre os riscos e os impactos do segundo incêndio do gênero no mundo. 

Eis algumas breves constatações e dúvidas:

1) Logística - O incêndio na Alemoa expõe, novamente, a precariedade da infraestrutura logística de Santos. O porto opera sempre no limite e isso fica claro quando acontece um incidente mais grave. Não aprendemos com 2013, quando houve congestionamento de caminhões. Pouco se fez. Prosseguimos dependentes das vias rodoviárias. Investe-se aquém do necessário em sistema ferroviário e, quando se fala no assunto, é a distorção do tema.

2) Caminhões – os caminhoneiros, como bucha de canhão, sofrem com a desatenção e desorganização das autoridades. Medidas paliativas foram tomadas pela Codesp, a partir de conversas com a Prefeitura de Santos. Por que não se criou um protocolo para situações como essa? Por que não se elaborou um documento que permitiria, passo a passo, executar ações para minimizar o prejuízo econômico e, acima de tudo, humano? Por que se esperou acontecer o problema, sabendo-se dos riscos e das experiências anteriores? Isso sem falar nos caminhoneiros, há dias tomando banho em restaurantes, comendo de maneira improvisada, entre outras dificuldades cotidianas.

3) Política - Os políticos agiram como se esperava deles: a) necessidade de aparecer e lentidão para agir, além das disputas internas de comando; b) criação de comitês e outros penduricalhos burocráticos para resolver um problema com atraso. Aliás, por que comitês de segurança e prevenção não existiam? c) a adoção de estratégias midiáticas, como a contratação de especialistas americanos, para dar a sensação – depois de uma semana – que se têm consciência do que deve ser feito. Uma semana? 

O ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi
(centro da foto - Imagem: Mariane Rossi/G1)
4) Social - Os prejuízos econômicos e ambientais são falados de vento em popa. Precisam ser discutidos, mas e o prejuízo social? Trabalhadores e moradores da região, o que será feito em relação a essas pessoas? Não é o momento para se aprender e se pensar – num futuro próximo - em simulação de acidentes, treinamento dos moradores dos bairros próximos para evacuação? Além disso, planejamento urbano nas imediações de locais com alto risco de acidentes é relevante, não? Um adendo: como ficará a saúde dos cerca de 100 bombeiros, expostos há dias a produtos químicos no combate ao incêndio?

5) Satisfação - Quando os dirigentes da Ultracargo vão mostrar seus rostos e cumprir sua obrigação de explicar - PUBLICAMENTE - o que aconteceu e como a empresa lidará com suas responsabilidades?

6) Informação - Prevalece a guerra de informação. Bombeiros silenciados por engravatados. Boatos e informações desencontradas, plantadas muitas vezes por quem deveria esclarecê-las. Menos preocupação com marketing político-eleitoral, por favor. Qual é a diferença entre Comitê de Crise e Gabinete de Integração, se ambos significam palavrório como “tudo sob controle”?

7) Meio Ambiente - Houve vítimas fatais sim. Sete toneladas de peixes. Como ficam os pescadores artesanais? Alguém se lembrará deles e a limitação de sua subsistência? Haverá impacto sobre o consumo de pescado em alguma área da Baixada Santista? Quais são as recomendações para o consumidor, embora boa parte dos peixes consumidos venha de outras regiões do país? Mas o consumidor sabe disso?

Para onde foram os peixes recolhidos pela empresa contratada pela Ultracargo? Cetesb e Ibama vão continuar com o discurso de "tudo sob controle", em coro com muitos políticos? Por que as duas instituições não tomaram atitudes mais rigorosas diante do impacto ambiental?

Mais perguntas do que respostas. A prova viva da desinformação disseminada e da preocupação em se proteger politicamente do que, na prática, esclarecer a dimensão do problema. Falta, acima de tudo, transparência.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O selfie-desgraça


(Foto: Reprodução)


Vaidade e poder andam de mãos dadas. E só largam as mãos para apertar outras, de políticos, bajuladores e demais espécies que os cercam e se deleitam na soberba. Mãos que por vezes deixam de cumprimentar para registrar, fotografar, gravar o desejo de estar presente nos acontecimentos, não exatamente para resolvê-los ou testemunhá-los, mas para dizer que se mostrou serviço. Selfies e outros badulaques a serem vistos pelos cegos de plantão. 

O selfie do deputado federal Beto Mansur e do prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, não mereceria tanto destaque se não representasse a cereja de um bolo que nasceu tostado. Foi mais uma faísca de vaidade que me fez lembrar do ator Al Pacino, que disse com sabedoria ao interpretar o Diabo: “A vaidade é, definitivamente, meu pecado preferido.”

A imagem deles simboliza a cadeia de comportamentos da classe política diante de um problema que poderia ter sido amenizado ou evitado. Um problema tão antigo quanto à reportagem do jornalista André Argolo, publicada no extinto Diário Popular, em 1996. A matéria apontava os riscos de incêndio nos tanques da Alemoa, a inexistência de exercícios de simulação de acidentes com os moradores das imediações e a consequente ignorância sobre como agir em caso de incidentes.

O selfie seria irrelevante, um deslize narcísico na selva virtual, se não viesse acompanhado de um pacote de medidas pouco esclarecedoras e de uma trupe disposta a alimentar a fogueira de vaidades. A Prefeitura de Santos se mexeu com rapidez ao pedir ajuda. Já o Governo do Estado levou três dias para sair da inércia. O Governo Federal só se moveu cinco dias depois. Prejuízos ambientais, econômicos e de saúde pública compuseram o picadeiro de estripulias políticas. 


Toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro
(Foto: Rafaella Martinez)


Daí, nasceram as repetitivas e inodoras coletivas de imprensa. Daí, brotou o Comitê de Crise, depois chamado de Gabinete de Integração. Crise, que palavra temível. Neste caso, a ordem dos fatores não alterou o produto; apenas multiplicou as labaredas que chamuscaram a imagem política. Imagem de uma cidade, aliás, vendida no mês passado pela administração municipal como liderança em qualidade de vida no Brasil. Tossimos de alegria. Nossos olhos lacrimejaram de contentamento e de luto às sete toneladas de peixes mortos. Jornalistas e ambientalistas falam em 20 toneladas. 

Beto Mansur dá a impressão de que a experiência como proprietário de emissoras de TV e rádio não o ensinou a lidar com as novas tecnologias. Em 2012, o então candidato a prefeito virou hit nas redes sociais por conta do slogan “É obra do Beto”. Foi a piada pronta. Mansur apareceu em frente à Torre Eiffel, entre outros endereços. Desta vez, uma das montagens inseriu Beto Mansur e Paulo Alexandre em frente às torres gêmeas, no instante do ataque aéreo, em 2001. 


(Foto: Reprodução)
O prefeito atual também precisa reduzir as dosagens diárias de vaidade. Há exemplos de mal-estar. Em fevereiro de 2013, Paulo Alexandre andou de ônibus a partir da Zona Noroeste, passeio registrado por câmeras de todas as ordens, para constatar o óbvio: o serviço de transporte público apresenta pilhas de problemas.

No incêndio que nunca termina, o coquetel de arroz de festa se completou com outra ação infeliz, a do vereador Kenny Mendes. O parlamentar registrou em vídeo, editado profissionalmente e, portanto, premeditado, os momentos em que comprou dezenas de garrafas de isotônicos e água e levou os produtos para os bombeiros que trabalhavam no incêndio.

Seria possível, com boa vontade, acreditar nas intenções do vereador em colaborar com a corporação. No entanto, quaisquer crenças foram incineradas com o episódio-reality-show, que se tornou um tiro no pé, tamanha a quantidade de críticas ao político nas redes sociais. Demagogo foi a ofensa mais delicada.

Kenny não foi o primeiro nem é o único vereador em Santos a registrar os próprios passos no cotidiano parlamentar. Alguns dos colegas dele parecem até xerifes quando andam pela cidade de dedo em riste e câmera na mão. Só falta a cartucheira.

Hoje, a religião-vaidade determina como exercício de fé documentar cada passo, sorrir a cada flash que pisca, abraçar quem se aproxima com um celular engatilhado para fotografar. Não é um mal exclusivo, claro, é sinal de “modernidade” tecnológica dos políticos.

Talvez a saída seja fazer como eles fazem. Na dúvida, criam-se leis, sejam para pegar ou não. Diante dos acontecimentos recentes, basta aproveitar o projeto de lei do colega José Lascane, aquele que proíbe selfie em banheiros, e estender para incêndios. Mas quem fiscalizaria quem?

Em tempo: o título deste texto é sugestão do jornalista e amigo Fulvio Feola, um dos mais críticos e atentos profissionais da Baixada Santista.


domingo, 22 de março de 2015

Os encoxadores




Uma amiga tentava voltar para Santos num final de tarde de muita chuva. Ela estava em São Paulo e entrou no metrô, na Estação Barra Funda. Como sabemos, os temporais desta época do ano provocam congestionamentos, entopem as estações, praticamente paralisam a metrópole.

Ela levou cerca de meia hora para entrar em um dos vagões, lotado como caminhão de gado rumo ao abatedouro. Quando conseguiu se segurar em uma das barras, viu-se cercada por três homens. Do sujeito em frente, protegeu-se com a bolsa. Do homem à esquerda, usou o braço para manter distância mínima. O problema foi o terceiro – e justamente esse era o mal intencionado -, que estava atrás, perto de uma das portas.

O sujeito nitidamente se encostava nela e tentava acompanhar de forma sincronizada os movimentos do trem. Prefiro poupar o leitor dos detalhes sórdidos, mas não havia como ela fugir do encoxador. A única chance foi sair na estação seguinte, contando a ajuda de outra mulher que gritava e pedia passagem.

Segundo a própria empresa que administra os trens, é possível identificar até 30 encoxadores por dia. Eles se vestem de bermuda de tactel, blusas de mangas compridas, muitas vezes não usam cuecas e andam com um agasalho na frente.

A situação não é prerrogativa do metrô de São Paulo. Isso acontece em trens cariocas e em ônibus aqui, em Santos. Por conta disso, a Prefeitura lançou a campanha “Mantenha distância, não abuse” para tentar diminuir o comportamento libidinoso no transporte coletivo. Há, inclusive, um telefone para denúncias: 180.

A diferença é que, na principal cidade da Baixada Santista, não há um perfil-padrão dos covardes. Muitos deles, segundo uma amiga-passageira que já foi vítima dos tarados, são “velhos de pau mole”. Com o perdão dos adjetivos, o problema alcança todas as faixas etárias a partir da adolescência, tanto para agressores como para vítimas.

É óbvio que os encoxadores não têm idade específica ou comportamento. São oportunistas sem vergonha, dispostos a esfregar as coxas ou até os braços e joelhos, com a cara de surpresa quando recebem uma reação agressiva – e justa – das vítimas.

O comportamento dentro dos ônibus representa uma derivação não apenas criminosa, mas também perversa que se tem das mulheres. Muitos homens se julgam no direito de compreendê-las como objetos de uso sexual, porém não tem a coragem de assumir que as enxergam desta forma. Escondem-se justamente na multidão de um ônibus lotado. 



Tais sujeitos, quando resolvem encoxar uma mulher dentro do transporte coletivo, reproduzem a visão recorrente de que a mulher existe como elemento de propriedade masculina, nascidas para servir, vivas para saciar o apetite dos senhores. No entanto, falta-lhes a virilidade de enfrentar – como homens – as consequências de seus atos. Tentam tomar o lugar da vítima quando descobertos. Elas que provocaram, juram.

A campanha tem que ser levada a sério. Mais do que ser denunciados, os encoxadores devem responder criminalmente por abuso sexual, atos libidinosos ou variações jurídicas semelhantes. Precisamos colocar nos holofotes do debate público, inclusive, aqueles que defendem que mulheres estão ali para serem encoxadas, como se as vítimas pedissem por sexo pelas roupas que vestem.

Mulheres não são cabides para covardes se pendurarem. Eles desconhecem a primeira lição: para tratar uma mulher com o respeito e a igualdade que ela merece, é preciso ser Homem!

quarta-feira, 18 de março de 2015

15 de março - um dia para se lembrar (embora fosse muito melhor esquecer)

Fotos: Matheus José Maria

Matheus José Maria*

Certos dias, você já sabe como serão só pela forma que eles começam.

Saindo de Santos para realizar a cobertura do protesto contra a presidente Dilma Rousseff, conheci – no carro - um garoto que seguia para o mesmo lugar, mas com o propósito de protestar. Não vou discordar do direito dele fazer isso – algo incontestável -, mas em dado momento da conversa, ele diz:

— Vamos tirar a Dilma e, se o Maluf se candidatar eu voto nele, porque ele rouba, mas pelo menos faz.

Talvez isso diga muito sobre o povo brasileiro e seus costumes... Que o Maluf não se candidate novamente.

Quando chego em São Paulo, a Rodoviária do Jabaquara já está tomada por gritos, apitos e camisas da CBF (nem durante a copa vi tantos “torcedores” juntos) que se dirigiam ao metrô.

Entro com dificuldade no vagão lotado e, dentro dele, os gritos de “Dilma, filha da puta, vai tomar no cú” se fazem ouvir em alto e bom som.

Desço na Estação Praça da Árvore para encontrar outro amigo e também fotojornalista, o Gabriel Chaim. Entre o momento em que desci e ele chegou, passaram três outras composições até que entramos em outro vagão, mas com o mesmo recheio.

Crianças carregadas pelos pais, idosos com os rostos pintados e usando todo o vocabulário adquirido ao longo de suas vidas e garotas desfilando a última moda em questão de protestos (uma camiseta coberta de lantejoulas que formavam a bandeira do Brasil). 

Manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo

Quando chegamos à Estação Paraíso, onde descemos para trocar de metrô e seguir em direção à Avenida Paulista, eis que escuto a frase de um senhor de cabelos brancos:

— Hoje não deviam cobrar o metrô. Deveria ser catraca livre!

Isso me fez pensar de imediato nos protestos contra os 50 centavos, quando os manifestantes foram recriminados exatamente por pedir a mesma coisa.

A Avenida Paulista estava completamente tomada. Se locomover era extremamente difícil e, com um pouco de esforço, consegui subir em um trio-elétrico para ter uma visão melhor da extensão do protesto. Era um mar nas cores verde e amarelo. Que tipo de associação fizeram essas pessoas, para destacar seu patriotismo, ao usar a camisa da seleção brasileira, ligada à CBF, ícone da corrupção nacional?

Em cima do trio elétrico, encontro outro fotojornalista famoso, que escreve uma coluna em um grande jornal de São Paulo. Ele sorria satisfeito e me disse:

— Que lindo isso.

Ao lado, duas pessoas vestidas com roupas de presidiário e máscaras do Lula e da Dilma montaram uma grade de madeira e simulavam a prisão dos dois. Desci do trio e segui pelo meio da multidão.

Várias mãos carregando latas de cerveja. Corpos sarados desfilando sem camisa exibindo a última tatuagem feita. Rostos maquiados e cabelos bem cuidados. Abercombrie, La Coste, D&G, Apple e outras marcas. Selfies em todos os lugares, poodles e outras raças de pequeno porte no colo.

Estou dizendo que todos eram assim? Não, não estou. Seria uma leviandade achar que posso generalizar um movimento com tantas pessoas, mas me atrevo a dizer que era uma grande parte, senão a maioria.

Reproduzo algumas frases que ouvi:

— O que falta para tomarmos uma atitude? Esperar que vaze um vídeo de sexo com crianças? Não, isso não vai aparecer então temos que agir – (Um manifestante do alto do trio-elétrico falando sobre a necessidade de agir contra o PT)

(som de aplausos conforme policiais da tropa de choque passavam e eram saudados com continências por alguns manifestantes) — Isso é um exemplo de protesto direito, feito de forma ordeira e pacífica. (Resposta de um policial quando perguntei o que ele achava disso).

— Tira essa mochila vermelha, tá querendo apanhar, comunista? (Manifestante nitidamente alcoolizado, que segurava uma lata de cerveja nas mãos e gritava para uma pessoa que passou por ele, sem camisa, mas com uma mochila nas cores vermelha e preta).

— Fiz uma aposta com um amigo e disse que não acreditava que fosse ter tanta gente assim no protesto. Perdi com prazer e agora devo a ele um jantar em Punta del Este. (Manifestante falando ao microfone, em cima de um trio-elétrico)

— A Dilma, com certeza, cortou o 3G para não deixar falar dela. (Manifestante irritado por não conseguir conectar o celular)

Continuando a circular, encontro com um grupo de adolescentes segurando um cartaz que agradecia ao exército pelo golpe de 1964 e, por isso, ter livrado o Brasil da ameaça comunista. Mais à frente, uma bagunça em uma esquina e me aproximando vejo Danilo Gentilli, fazendo a festa dos fãs com fotos, selfies, beijos e abraços.

Que fique claro, mais uma vez, que isso foi o que eu vi e não uma generalização impossível de se fazer dado o número de pessoas que lá estavam.

Encontramos com outro colega fotojornalista, Wesley Passos, que, junto de nós, seguiu até a rua da Consolação. Nela, ouviam-se as buzinas de diversos caminhões que aderiram ao protesto.

Representantes de movimento social, na rua da Consolação
Descendo pela rua, vi o que, para mim, foi a cena mais bizarra, triste e revoltante de todo o ato. Em uma ocupação localizada na Consolação, um grupo de moradores fixou uma faixa com os dizeres: Que os ricos paguem pela crise. Total apoio à greve dos (as) professores (as). Nenhuma menção ao PT, à presidente Dilma, à Petrobrás, nenhuma declaração de apoio aos monstros que estavam sendo caçados pela população ali presente.

Isso bastou para que ofensas tais como vagabundos, petistas, miseráveis, bandidos, pobres, filhos do bolsa miséria, filhos da puta fossem dirigidas a eles. No grupo que ali parou, havia idosos, jovens, mulheres e skinheads. Uma das manifestantes gritou que eles gostavam de mamar nas tetas do governo, mostrou um dos seios e pediu para que, então, mamasse ali. Um dos skinheads socou a porta de aço da casa e desafiou os fotógrafos a registrar a imagem. 

O protesto contra quem também protestava
Enquanto isso, eu, Chaim e Wesley, junto de mais outro fotógrafo e dois jovens que ali estavam, nos posicionamos na porta da casa de modo a evitar uma possível tentativa de invasão. Alguns manifestantes chegavam perto e gritavam outras ofensas e os desafiavam a sair lá de dentro e encará-los.

Por quê? A luta pela moradia e o apoio aos professores é um crime tão grande que justifica essa ação tão cheia de ódio?

Parecia que o grupo de pessoas havia se tornado um touro furioso, que investia contra quem tivesse a ousadia de colocar uma bandeira vermelha na janela do apartamento. De imediato, pensei em um touro correndo atrás da bandeira, pronto a atacar sem saber por que fazia 
isso.

Manifestantes ameaçam invadir imóvel 

— Pula, pula, pula!!!, era o que eles gritavam. Uma divergência política foi o suficiente para desejar a morte a um completo desconhecido. 

Essa parte do protesto seguiu e se encerrou na Praça da República, onde pessoas estenderam faixas azuis, verdes e amarelas pela avenida.

Gostaria de deixar claro que esse é um relato completamente pessoal, baseado no que eu vi e destacando as coisas que mais me chocaram no ato deste domingo 15 de março. Foi um protesto pacífico? Sim, até onde eu sei não houve incidentes envolvendo violência física ou depredação. 

Fim de protesto na rua da Consolação
Mesmo sendo nitidamente um protesto composto por uma parcela mais abastada da sociedade, não questiono em momento algum o direito deles irem às ruas e defendo a liberdade deles se manifestarem, mas é preciso que se preste atenção na ausência de uma consciência política embasada, do ódio cego e seletivo – afinal, o cartel do metrô está aí. Ops, não tá mais, foi arquivado – dirigido à apenas uma pessoa, partido, cor ou extrato social.

Se eu concordo com as reivindicações? Não com as que eu vi ali, mas concordo com a necessidade de ser feita Justiça ou, pelo menos, se fazer valer a Justiça no país, de forma igualitária.

* Matheus José Maria é fotojornalista.