Cada vez que encontro um vereador em Santos – sim, eles andam na rua de vez em quando -, vejo com pesar seu rosto exausto, envelhecido. Ser um vereador significa horas de trabalho em comissões, de debates em reuniões, de conversas em articulações políticas, de brigas em plenário e, claro, dias de planejamento para entrega de medalhas e outras honrarias.
A melhor forma que encontrei de reconhecê-los é divulgar a criatividade de alguns deles. O ápice de um vereador é quando ele apresenta um projeto de lei. Que honra modificar os caminhos de um município com ideias que zelam pelo bem estar dos cidadãos, como também proteger a moral e os bons costumes! Uma luz de criatividade nas trevas da política!
O prêmio de funcionário do mês deveria ser entregue – falta ainda a decisão de uma comissão de notáveis – para o Professor Igor, do PSB. Ele apresentou um projeto que, tenho certeza, vai modificar a maneira como o santista vê filmes. Uma proposta que fará os colegas se morderem de inveja (como não pensei nisso antes?) e que, se aprovada, se espalhará pelo Brasil.
O vereador propôs disciplinar o comportamento das pessoas dentro das salas de cinema. A lei, na fase de comissões, determina o fim do barulho nas salas, proíbe a entrada de consumidores com celulares ligados e com “alimentos incompatíveis”. Não sabe o que são “alimentos incompatíveis”? Ora, aqueles que são semelhantes aos vendidos nas salas de exibição. Bom comportamento inclui qualidade de vida, que significa alimentação nutritiva.
O projeto é tão zeloso dentro dos princípios da criatividade que determina que os pés do espectador têm que ficar perto da poltrona. Imagina conviver com a indecência de pernas para o ar! E, como professor, o vereador não deixou de lado a educação. Se aprovado, será lei não filmar ou fotografar, como também levar as embalagens para as lixeiras antes de deixar a sala de cinema.
Os infratores serão convidados a deixar o recinto. Por quem? Calma, não dá para pensar em tudo. Ressurreição dos lanterninhas? Olha aí a geração de mais empregos.
A ideia é tão prestativa que se casa com outras propostas de colegas da casa. Poderíamos classificar até como um gesto de altruísmo parlamentar, pois valoriza a própria proposta e ainda ressuscita o que foi enterrado pelas justificativas arbitrárias de inutilidade ou ilegalidade.
Disciplinar os arruaceiros que insistem em ver filmes no cinema complementa, em parte, o projeto de lei do vereador José Lascane (PSDB), aquele que proíbe os selfies nos banheiros. Daria para fazer um combo legislativo, já que devem ser comuns selfies em banheiros de salas de cinema. Uma pena que este projeto foi reprovado na Comissão de Justiça, Redação e Legislação Participativa, da Câmara Municipal.
Há outros exemplos de criatividade entre os parlamentares de Santos. No final de 2013, a Câmara aprovou a proibição do uso de celulares em sala de aula, na rede municipal. Quem fiscaliza? O professor, sujeito que não tem muito o que fazer durante os dias letivos, a não ser dar aula.
Outro caso foi o projeto de lei, apresentado na década passada, que mudava o tratamento entre os vereadores de “Vossa Excelência” para “Senhor”. Depois de muito discutir na ocasião, os parlamentares reprovaram a ideia. Como vulgarizar a maneira de chamar a um colega? Vereadores tinham que dar o exemplo.
Por essas e outras, sempre olho com pesar – e admiração – quando vejo um vereador com olhares exaustos pelas ruas da cidade.
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