quarta-feira, 18 de março de 2015

15 de março - um dia para se lembrar (embora fosse muito melhor esquecer)

Fotos: Matheus José Maria

Matheus José Maria*

Certos dias, você já sabe como serão só pela forma que eles começam.

Saindo de Santos para realizar a cobertura do protesto contra a presidente Dilma Rousseff, conheci – no carro - um garoto que seguia para o mesmo lugar, mas com o propósito de protestar. Não vou discordar do direito dele fazer isso – algo incontestável -, mas em dado momento da conversa, ele diz:

— Vamos tirar a Dilma e, se o Maluf se candidatar eu voto nele, porque ele rouba, mas pelo menos faz.

Talvez isso diga muito sobre o povo brasileiro e seus costumes... Que o Maluf não se candidate novamente.

Quando chego em São Paulo, a Rodoviária do Jabaquara já está tomada por gritos, apitos e camisas da CBF (nem durante a copa vi tantos “torcedores” juntos) que se dirigiam ao metrô.

Entro com dificuldade no vagão lotado e, dentro dele, os gritos de “Dilma, filha da puta, vai tomar no cú” se fazem ouvir em alto e bom som.

Desço na Estação Praça da Árvore para encontrar outro amigo e também fotojornalista, o Gabriel Chaim. Entre o momento em que desci e ele chegou, passaram três outras composições até que entramos em outro vagão, mas com o mesmo recheio.

Crianças carregadas pelos pais, idosos com os rostos pintados e usando todo o vocabulário adquirido ao longo de suas vidas e garotas desfilando a última moda em questão de protestos (uma camiseta coberta de lantejoulas que formavam a bandeira do Brasil). 

Manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo

Quando chegamos à Estação Paraíso, onde descemos para trocar de metrô e seguir em direção à Avenida Paulista, eis que escuto a frase de um senhor de cabelos brancos:

— Hoje não deviam cobrar o metrô. Deveria ser catraca livre!

Isso me fez pensar de imediato nos protestos contra os 50 centavos, quando os manifestantes foram recriminados exatamente por pedir a mesma coisa.

A Avenida Paulista estava completamente tomada. Se locomover era extremamente difícil e, com um pouco de esforço, consegui subir em um trio-elétrico para ter uma visão melhor da extensão do protesto. Era um mar nas cores verde e amarelo. Que tipo de associação fizeram essas pessoas, para destacar seu patriotismo, ao usar a camisa da seleção brasileira, ligada à CBF, ícone da corrupção nacional?

Em cima do trio elétrico, encontro outro fotojornalista famoso, que escreve uma coluna em um grande jornal de São Paulo. Ele sorria satisfeito e me disse:

— Que lindo isso.

Ao lado, duas pessoas vestidas com roupas de presidiário e máscaras do Lula e da Dilma montaram uma grade de madeira e simulavam a prisão dos dois. Desci do trio e segui pelo meio da multidão.

Várias mãos carregando latas de cerveja. Corpos sarados desfilando sem camisa exibindo a última tatuagem feita. Rostos maquiados e cabelos bem cuidados. Abercombrie, La Coste, D&G, Apple e outras marcas. Selfies em todos os lugares, poodles e outras raças de pequeno porte no colo.

Estou dizendo que todos eram assim? Não, não estou. Seria uma leviandade achar que posso generalizar um movimento com tantas pessoas, mas me atrevo a dizer que era uma grande parte, senão a maioria.

Reproduzo algumas frases que ouvi:

— O que falta para tomarmos uma atitude? Esperar que vaze um vídeo de sexo com crianças? Não, isso não vai aparecer então temos que agir – (Um manifestante do alto do trio-elétrico falando sobre a necessidade de agir contra o PT)

(som de aplausos conforme policiais da tropa de choque passavam e eram saudados com continências por alguns manifestantes) — Isso é um exemplo de protesto direito, feito de forma ordeira e pacífica. (Resposta de um policial quando perguntei o que ele achava disso).

— Tira essa mochila vermelha, tá querendo apanhar, comunista? (Manifestante nitidamente alcoolizado, que segurava uma lata de cerveja nas mãos e gritava para uma pessoa que passou por ele, sem camisa, mas com uma mochila nas cores vermelha e preta).

— Fiz uma aposta com um amigo e disse que não acreditava que fosse ter tanta gente assim no protesto. Perdi com prazer e agora devo a ele um jantar em Punta del Este. (Manifestante falando ao microfone, em cima de um trio-elétrico)

— A Dilma, com certeza, cortou o 3G para não deixar falar dela. (Manifestante irritado por não conseguir conectar o celular)

Continuando a circular, encontro com um grupo de adolescentes segurando um cartaz que agradecia ao exército pelo golpe de 1964 e, por isso, ter livrado o Brasil da ameaça comunista. Mais à frente, uma bagunça em uma esquina e me aproximando vejo Danilo Gentilli, fazendo a festa dos fãs com fotos, selfies, beijos e abraços.

Que fique claro, mais uma vez, que isso foi o que eu vi e não uma generalização impossível de se fazer dado o número de pessoas que lá estavam.

Encontramos com outro colega fotojornalista, Wesley Passos, que, junto de nós, seguiu até a rua da Consolação. Nela, ouviam-se as buzinas de diversos caminhões que aderiram ao protesto.

Representantes de movimento social, na rua da Consolação
Descendo pela rua, vi o que, para mim, foi a cena mais bizarra, triste e revoltante de todo o ato. Em uma ocupação localizada na Consolação, um grupo de moradores fixou uma faixa com os dizeres: Que os ricos paguem pela crise. Total apoio à greve dos (as) professores (as). Nenhuma menção ao PT, à presidente Dilma, à Petrobrás, nenhuma declaração de apoio aos monstros que estavam sendo caçados pela população ali presente.

Isso bastou para que ofensas tais como vagabundos, petistas, miseráveis, bandidos, pobres, filhos do bolsa miséria, filhos da puta fossem dirigidas a eles. No grupo que ali parou, havia idosos, jovens, mulheres e skinheads. Uma das manifestantes gritou que eles gostavam de mamar nas tetas do governo, mostrou um dos seios e pediu para que, então, mamasse ali. Um dos skinheads socou a porta de aço da casa e desafiou os fotógrafos a registrar a imagem. 

O protesto contra quem também protestava
Enquanto isso, eu, Chaim e Wesley, junto de mais outro fotógrafo e dois jovens que ali estavam, nos posicionamos na porta da casa de modo a evitar uma possível tentativa de invasão. Alguns manifestantes chegavam perto e gritavam outras ofensas e os desafiavam a sair lá de dentro e encará-los.

Por quê? A luta pela moradia e o apoio aos professores é um crime tão grande que justifica essa ação tão cheia de ódio?

Parecia que o grupo de pessoas havia se tornado um touro furioso, que investia contra quem tivesse a ousadia de colocar uma bandeira vermelha na janela do apartamento. De imediato, pensei em um touro correndo atrás da bandeira, pronto a atacar sem saber por que fazia 
isso.

Manifestantes ameaçam invadir imóvel 

— Pula, pula, pula!!!, era o que eles gritavam. Uma divergência política foi o suficiente para desejar a morte a um completo desconhecido. 

Essa parte do protesto seguiu e se encerrou na Praça da República, onde pessoas estenderam faixas azuis, verdes e amarelas pela avenida.

Gostaria de deixar claro que esse é um relato completamente pessoal, baseado no que eu vi e destacando as coisas que mais me chocaram no ato deste domingo 15 de março. Foi um protesto pacífico? Sim, até onde eu sei não houve incidentes envolvendo violência física ou depredação. 

Fim de protesto na rua da Consolação
Mesmo sendo nitidamente um protesto composto por uma parcela mais abastada da sociedade, não questiono em momento algum o direito deles irem às ruas e defendo a liberdade deles se manifestarem, mas é preciso que se preste atenção na ausência de uma consciência política embasada, do ódio cego e seletivo – afinal, o cartel do metrô está aí. Ops, não tá mais, foi arquivado – dirigido à apenas uma pessoa, partido, cor ou extrato social.

Se eu concordo com as reivindicações? Não com as que eu vi ali, mas concordo com a necessidade de ser feita Justiça ou, pelo menos, se fazer valer a Justiça no país, de forma igualitária.

* Matheus José Maria é fotojornalista. 

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