quarta-feira, 8 de abril de 2015

O selfie-desgraça


(Foto: Reprodução)


Vaidade e poder andam de mãos dadas. E só largam as mãos para apertar outras, de políticos, bajuladores e demais espécies que os cercam e se deleitam na soberba. Mãos que por vezes deixam de cumprimentar para registrar, fotografar, gravar o desejo de estar presente nos acontecimentos, não exatamente para resolvê-los ou testemunhá-los, mas para dizer que se mostrou serviço. Selfies e outros badulaques a serem vistos pelos cegos de plantão. 

O selfie do deputado federal Beto Mansur e do prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa, não mereceria tanto destaque se não representasse a cereja de um bolo que nasceu tostado. Foi mais uma faísca de vaidade que me fez lembrar do ator Al Pacino, que disse com sabedoria ao interpretar o Diabo: “A vaidade é, definitivamente, meu pecado preferido.”

A imagem deles simboliza a cadeia de comportamentos da classe política diante de um problema que poderia ter sido amenizado ou evitado. Um problema tão antigo quanto à reportagem do jornalista André Argolo, publicada no extinto Diário Popular, em 1996. A matéria apontava os riscos de incêndio nos tanques da Alemoa, a inexistência de exercícios de simulação de acidentes com os moradores das imediações e a consequente ignorância sobre como agir em caso de incidentes.

O selfie seria irrelevante, um deslize narcísico na selva virtual, se não viesse acompanhado de um pacote de medidas pouco esclarecedoras e de uma trupe disposta a alimentar a fogueira de vaidades. A Prefeitura de Santos se mexeu com rapidez ao pedir ajuda. Já o Governo do Estado levou três dias para sair da inércia. O Governo Federal só se moveu cinco dias depois. Prejuízos ambientais, econômicos e de saúde pública compuseram o picadeiro de estripulias políticas. 


Toneladas de peixes mortos no Rio Casqueiro
(Foto: Rafaella Martinez)


Daí, nasceram as repetitivas e inodoras coletivas de imprensa. Daí, brotou o Comitê de Crise, depois chamado de Gabinete de Integração. Crise, que palavra temível. Neste caso, a ordem dos fatores não alterou o produto; apenas multiplicou as labaredas que chamuscaram a imagem política. Imagem de uma cidade, aliás, vendida no mês passado pela administração municipal como liderança em qualidade de vida no Brasil. Tossimos de alegria. Nossos olhos lacrimejaram de contentamento e de luto às sete toneladas de peixes mortos. Jornalistas e ambientalistas falam em 20 toneladas. 

Beto Mansur dá a impressão de que a experiência como proprietário de emissoras de TV e rádio não o ensinou a lidar com as novas tecnologias. Em 2012, o então candidato a prefeito virou hit nas redes sociais por conta do slogan “É obra do Beto”. Foi a piada pronta. Mansur apareceu em frente à Torre Eiffel, entre outros endereços. Desta vez, uma das montagens inseriu Beto Mansur e Paulo Alexandre em frente às torres gêmeas, no instante do ataque aéreo, em 2001. 


(Foto: Reprodução)
O prefeito atual também precisa reduzir as dosagens diárias de vaidade. Há exemplos de mal-estar. Em fevereiro de 2013, Paulo Alexandre andou de ônibus a partir da Zona Noroeste, passeio registrado por câmeras de todas as ordens, para constatar o óbvio: o serviço de transporte público apresenta pilhas de problemas.

No incêndio que nunca termina, o coquetel de arroz de festa se completou com outra ação infeliz, a do vereador Kenny Mendes. O parlamentar registrou em vídeo, editado profissionalmente e, portanto, premeditado, os momentos em que comprou dezenas de garrafas de isotônicos e água e levou os produtos para os bombeiros que trabalhavam no incêndio.

Seria possível, com boa vontade, acreditar nas intenções do vereador em colaborar com a corporação. No entanto, quaisquer crenças foram incineradas com o episódio-reality-show, que se tornou um tiro no pé, tamanha a quantidade de críticas ao político nas redes sociais. Demagogo foi a ofensa mais delicada.

Kenny não foi o primeiro nem é o único vereador em Santos a registrar os próprios passos no cotidiano parlamentar. Alguns dos colegas dele parecem até xerifes quando andam pela cidade de dedo em riste e câmera na mão. Só falta a cartucheira.

Hoje, a religião-vaidade determina como exercício de fé documentar cada passo, sorrir a cada flash que pisca, abraçar quem se aproxima com um celular engatilhado para fotografar. Não é um mal exclusivo, claro, é sinal de “modernidade” tecnológica dos políticos.

Talvez a saída seja fazer como eles fazem. Na dúvida, criam-se leis, sejam para pegar ou não. Diante dos acontecimentos recentes, basta aproveitar o projeto de lei do colega José Lascane, aquele que proíbe selfie em banheiros, e estender para incêndios. Mas quem fiscalizaria quem?

Em tempo: o título deste texto é sugestão do jornalista e amigo Fulvio Feola, um dos mais críticos e atentos profissionais da Baixada Santista.


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