Marcus Vinicius Batista
Se você está em crise de abstinência e precisa de uma dose de opinião para se sentir bem nas redes sociais, é só seguir o caminho abaixo. Se você sente falta de ser o protagonista dos grupos de Whatsapp, com o poder de bloquear e atrair seguidores, é só tomar posse das informações deste texto, fruto de anos de achismos e impressões colhidas em almoços, jantares, cafés da tarde onde a aparência é tudo.
Antes, uma sugestão: não se apegue às estatísticas. Nem caia na tentação de distorcê-las. Os números podem ser cruéis com você. Eles exigem sempre mais números, e o palco só estará aberto para você hoje. Amanhã, é ressaca. Para negar qualquer coisa, finja que elas não existem. Estatísticas mantém essa “qualquer coisa” em modo de sobrevivência.
Comece questionando a data de hoje. Sempre funciona. Tira o foco do que importa. Não pareça presunçoso. Não fale no “Dia da Consciência Branca”. Fale em “Dia da Consciência Humana”. Afinal, somos todos iguais, não?
Depois, tangencie – que significa “desviar um pouco” – do conceito de racismo estrutural. Não o explique. Use exemplos de presença negra na sociedade. Policiais, artistas, jogadores de futebol. Você precisa somente indicar que ouviu falar no termo ‘racismo estrutural’. Ouvir falar é o passo para o degrau seguinte.
Na sua ascensão intelectual, questione o racismo inverso. Fale sobre a discriminação que pode alcançar a todos, que o Brasil é uma sociedade onde todos vivem com harmonia. Que alegar racismo contra um grupo só – mesmo que ele seja a maioria, mas – pelo amor de Deus – não toque nisso, lembra dos números? – é manter privilégios, é desejar benefícios. Igualdade sempre.
Agora, é o momento da globalização. Coloque os Estados Unidos na conversa. O Tio Sam vai te salvar. Pode falar em nome Dele. É clichê? Depende de quem te escuta. Fale como o racismo nos Estados Unidos é diferente, que lá é pior. Só ver a violência na TV. Aqui, temos casos esporádicos, que são explorados pela mídia para ganhar dinheiro. E pule para a casinha seguinte. Você está no rumo da sabedoria.
Para não parecer arrogante, entre em questões populares. Futebol. Mencione jogadores, lembre que o melhor de todos é negro, mas fique dentro das quatro linhas. Só jogadores. Não aborde técnicos, dirigentes, médicos, crônica esportiva e assim por diante. Teus amigos, coitados, podem confundir com a Bélgica. Você está aí para esclarecer a democracia racial brasileira.
Democracia é falar em política. Então, cite a Fundação Palmares. Não toque no nome do presidente para evitar perguntas sobre quem não se conhece. Elogie como o governo não é racista, pois escolheu um negro para comandar uma fundação importante. Na retórica política, meu amigo, exceção vira regra. Forma substitui conteúdo.
Não se convenceram de que o Dia Nacional da Consciência Negra é um problema de privilégio? É a hora das cotas. Mesma regra de ouro: na política, exceção vira regra. Forma substitui conteúdo. Repita, por favor, em voz alta! Fez? Ótimo, se agarre nas fraudes, aquelas exceções que saíram na imprensa que, de vez em sempre, está do nosso lado. Se se sentir acuado, Google neles. Tudo o que sai publicado é verdade.
Agora é o momento de conter os ânimos e gerar identificação. Pegue o touro pela unha e pelo coração. Torne a coisa pessoal, meu caro. Ancestrais, relações pessoais, afetividade. Conte a história de seu tataravô que era negro, daquela prima do interior – se não lembrar do nome, tudo bem – que é negra, do amiguinho da sala de aula, o único em oito anos. De como seu tio trata bem os empregados. Na mosca! Você vai parecer sensível e provocará lágrimas nos outros. Se quiser, pode chorar também. Não é fraqueza, não.
Você conseguiu se recompor? Então, lidere e termine a conversa – dê a última palavra, sempre, como mantra para vencer – com o vídeo do Morgan Freeman. Quer melhor saída do que pegar emprestada a fala de quem interpretou Deus? Mas só use o trecho da negação. Mais do que isso, há o risco de brotar contexto, essa praga que contamina quem gosta de estudar.
Espero que dê certo. Tenho certeza de que você vai parecer ‘inteligente’ no dia de hoje. Até porque você falará com propriedade arrendada de algo que parece que não existe: o racismo. E dia 20 de novembro, meu querido, hoje é seu dia!
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