segunda-feira, 9 de maio de 2016

Os "nazistas" e as "crianças"

Cabe a comparação, vice-governador? 

Marcus Vinicius Batista

O vice-governador de São Paulo, Márcio França, não poderia ter sido mais infeliz e inoportuno. Na tentativa de diminuir o movimento dos estudantes, que ocuparam o plenário da Assembleia Legislativa, o ex-prefeito de São Vicente tentou ligá-los ao PT, usando um exemplo que é desagradável para qualquer partido.

França participava de um seminário, em Guarujá, quando disse: "Assim como na guerra, quando os aliados estavam ocupando os últimos espaços dos países do eixo dos nazistas, eles não tinham mais soldados e, por isso, começaram a colocar as crianças para fazer a defesa do Estado, e aí constrangiam as crianças. É mais ou menos a mesma coisa. Não tem mais soldados, daí colocam as crianças para fazer a guerra".

O vice-governador tentou comparar o processo de impeachment com a crise nas escolas técnicas de São Paulo, colocando maçãs e alfaces na mesma sacola. Fora a argumentação frágil, França sentou-se na cadeira da soberba, comum como estratégia política de desqualificar as ações dos adversários.

As declarações precisam ser lidas nas camadas submersas. Ao comparar a ocupação dos estudantes com táticas nazistas, o vice-governador os considera como massa de manobra, grupo incapaz de pensar pelos próprios cérebros, seguidores de uma força maior que os manipula como marionetes no palco do circo.

Considerar estudantes como sujeitos sem crítica soa como ofensa a todo o movimento, que já havia mostrado sua capacidade durante os protestos contra a "reorganização escolar", nome cosmético para o fechamento de escolas estaduais. Mas foram essas "crianças", nas palavras de França, que indiretamente derrubaram o secretário de Educação e fizeram com que Alckmin voltasse atrás em nova tentativa de enfraquecer ainda mais a rede estadual de ensino.

É curioso como setores da sociedade compreendem a classe estudantil. Em tempos de silêncio, muitos adoram dizer que os estudantes são passivos, que perderam a consciência política antes presente no momento histórico da ditadura militar, que não teremos futuros com estudantes despolitizados, entre outras bobagens generalizantes.

Quando os estudantes resolvem tomar as rédeas e fazer o que muitos acomodados e ativistas de sofá não o fizeram, eles viram baderneiros, desocupados, marginais, vagabundos que deveriam trabalhar, entre outros qualificativos. No final, os bipolares políticos pedem a polícia para dar porrada nas mesmas "crianças."

O vice-governador cometeu outro equívoco ao comparar o protesto dos estudantes com táticas nazistas. Não é preciso pensar muito para perceber que a ausência de contexto histórico se apoiava na desinformação. Não há, por qualquer ângulo, como sustentar um paralelo entre os estudantes e as crianças nazistas, no final da Segunda Guerra Mundial. Períodos, locais e processos políticos diferentes, para dizer o mínimo.

Se formos aceitar a argumentação de França, então, poderíamos dizer que deixar as crianças sem merenda é semelhante às crianças judias passando fome nos campos de concentração nazistas? Só a ironia para assimilar uma declaração sem propósito; ou melhor, com o propósito de desinformar e criar polêmica vazia. 

Repetindo a pergunta: cabe comparação, vice-governador?

Além disso, a reação dos deputados estaduais - ágeis na autopreservação e na servidão ao governador Alckmin - me leva a questionar quem estaria com o livro "Minha Luta", de Adolf Hitler, na cabeceira da cama. O Coronel Telhada - que faz questão de ser chamado de coronel, com letra maiúscula - ameaçou com voz de prisão uma estudante que o criticou, que questionou o papel dos parlamentares.

O presidente da Casa, Fernando Capez, promotor que ficou conhecido por fazer cortina de fumaça contra as torcidas organizadas, tomou algumas medidas "silenciosas" contra os estudantes. As medidas, claro, vieram depois da tentativa de usar a PM para retirá-los à força.

Capez ordenou que o ar-condicionado ficasse ligado no máximo, quando a temperatura lá fora estava em 13ºC. O deputado, um dos principais acusados na investigação sobre o desvio da merenda, proibiu que comida, água e cobertores fossem entregues aos ocupantes e que familiares o visitassem. Casa do Povo, como muitos deputados adoraram pronunciar?

Os dois deputados da região, peixes pequenos na lagoa legislativa, nadaram a favor da corrente. Caio França e Paulo Côrrea votaram contra a formação da CPI da Merenda. Apoiaram-se no palavrório-padrão, de que o caso está sob investigação do Ministério Público.

Como saldo do blablablá, Márcio França só acertou em um ponto: acusar o movimento estudantil de politização. Não bastasse o fato de repetir como mantra esta justificativa usada pela corte de Alckmin para tentar reduzir quaisquer questionamentos sobre o Governo, França disse o óbvio. É claro que o movimento é político; caso contrário, não existiria.

Por sinal, França deveria saber - tenho certeza de que sabe - que a lição mais elementar da política indica que todas as ações sociais são ... políticas. Mexer em recursos para a merenda é política. Abafar uma investigação parlamentar sobre o assunto também é política. E adivinha? Falar em técnicas nazistas para menosprezar estudantes seria ... política.

Aos políticos em geral: por favor, não ofendam a inteligência dos estudantes. Eles sabem o que vocês fizeram.

Um comentário:

  1. Mas um belo texto, Prof. Marcão a cada linha escrita com vigor, criticidade e conhecimento político e histórico, consigo perceber em seu ato jornalístico um descortinar na ação de informar. Obrigado pelo ensinamento em cada artigo seu que leio.

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