A foto do Brasil que muda, mas não sai do lugar |
Depois de ver o novo ministério do novo (velho) presidente Michel Temer, tenho dificuldades para entender o porquê de tamanha surpresa. Temer fez exatamente aquilo que se esperava dele, foi coerente com suas posições políticas, a de seus comparsas e, acima de tudo, com a própria biografia.
Podemos dispensar, de saída, aquela bobagem cega de que a corrupção acabou com a retirada do PT do poder. Duendes e fadas não existem na política, só para quem age de má fé. Sete ministros são investigados pela Operação Lava-Jato, sem falar nos envolvidos em outros escândalos, como o desvio do dinheiro da merenda, em São Paulo.
Apenas imagino quais serão os próximos passos da investigação? Sepultura? Pizzaria? O juiz Sérgio Moro desapareceu dos holofotes há algum tempo.
Peço perdão por te fazer esperar mais um pouco. Vamos pensar no que deixará de existir no novo ministério de Temer. Serei redundante e incisivo: o presidente segue fiel às suas convicções. O Ministério da Cultura, por exemplo, foi extinto, transformou-se novamente em apêndice do Ministério da Educação. Voltamos ao século passado.
Imagino que o setor cultural, sempre o final de fila, o primo pobre no governo do PT, se tornará um anexo burocrático com menos dinheiro ainda. Nada diferente do que acontece em governos tucanos e peemedebistas por aí.
O novo comandante também extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Por que a expressão de espanto? A esposa dele é “do lar”, no sentido decorativo e pré-Segunda Guerra do termo. A primeira-dama clássica, de eventos beneméritos e ações de imagem solidária. Mulheres seriam para cama, mesa e banho, com recato.
Temer não apenas exterminou o ministério, como não há mulheres no primeiro escalão do atual governo. E também não aparecem negros, o que sugere que mantemos a trajetória histórica e política brasileira. Os Direitos Humanos serão diluídos no meio do caminho, nada diferente de quando Marco Feliciano comandou a comissão na Câmara, depois da cochilada e indiferença do PT. Imagino que parte do país acabou de ser riscado do mapa social.
Michel Temer também reduziu o status do Ministério dos Portos à secretaria, digerida pelo Ministério dos Transportes. Na prática, nada muda, não apenas pelo caráter alegórico da pasta, terreno do PMDB, mas porque o presidente continuará a intervir nas relações portuárias, como fazia desde que era deputado federal. Temer, por exemplo, interferia nas escolhas de presidentes e diretores da Codesp, em Santos.
O novo presidente muda para (quase) não mudar. Os ministros são filiados a seis partidos, que faziam parte do governo do PT. A turma continua flutuando por Brasília, como Gilberto Kassab, cacique do PSD. Imagino um barco que perde um timoneiro, o PT, e admite outro por terceirização, o PSDB, farinhas do mesmo saco de modelo econômico ... e de denúncias de corrupção.
No Ministério da Agricultura, saiu Kátia Abreu, uma das lideranças da bancada ruralista e entrou o senador Blairo Maggi (PP), ex-governador do Mato Grosso e diversas vezes denunciado por desmatamentos na Amazônia. Ele é um defensor ferrenho da bancada da soja e do agronegócio.
O novo ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves, simboliza a trupe que chega para governar com Temer. Ele foi ministro de Dilma e é investigado pela Lava-Jato. Foi deputado federal por 11 mandatos consecutivos, conhece e frequenta os intestinos do poder, e até 2015 era presidente da Câmara dos Deputados.
A lista é grande. Engenheiro, por exemplo, na pasta da Saúde. Na pasta da Justiça, o advogado Alexandre de Moraes, ex-secretário de Alckmin e de Kassab e amigo de duas décadas do presidente. Quando secretário de Segurança em São Paulo, a violência policial cresceu. Um em cada quatro assassinatos era cometido por policiais militares.
Aqui, é difícil refletir sobre os 23 ministros. Apenas completo a lista com a escolha de Sarney Filho (PV) para a pasta do Meio Ambiente. Deputado no oitavo mandato, ele era líder da bancada do PV na Câmara. Sarney Filho tem histórico de relações com o tema, seja como integrante de comissões no Legislativo, seja como ministro do governo FHC, dentro da cota do extinto PFL.
Não espere por mudanças na política ambiental. A Usina de Belo Monte, aberração criada pelo PT, segue firme e forte e produzirá abaixo da capacidade apregoada pela publicidade oficial.
Imagino que alguém - aquele dos duendes e fadas - possa apostar em diversidade na fauna política, quando - ao esticarmos o binóculo na selva - veremos espécies da mesma família, no mesmo posto da cadeia alimentar.
O próprio slogan do governo Temer fecha a conta do anacronismo. "Não fale em crise, trabalhe!" não é somente a tentativa de apagar ou silenciar o que permeia as padarias, pontos de ônibus, pequenas empresas, a mesa dos brasileiros ou a nota do supermercado. O slogan é o retrato do século 19, daquela mentalidade ultrapassada de ordem e progresso, que nos remete ao crescimento econômico sem se pensar nas consequências. O preço está entre nós.
O ministério de Temer é a cara do chefe. Em idade, em visão política, em ideologia econômica. A diferença é que todos, incluindo o terceiro presidente do PMDB em 30 anos, entraram no governo sem vitória nas urnas. Até o PSDB, de volta ao poder depois de 13 anos. E com emprego garantido para José Serra, o ministro coringa, não na aparência (seria maledicência!), mas porque chefiou as pastas de Planejamento e Orçamento e da Saúde na gestão FHC.
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